Abril/2013
Marina Lemle | Blog de HCS-Manguinhos
Apostando no potencial da internet para a comunicação científica, a revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, está lançando um blog bilíngue e perfis no Twitter e no Facebook.
Para comentar a iniciativa, que integra um movimento pioneiro entre periódicos científicos brasileiros, entrevistamos o biólogo e pós-doutorando em microbiologia Atila Iamarino, cofundador do ScienceBlogs Brasil e autor do blog Rainha Vermelha. Referência nacional no meio científico-blogueiro, Iamarino acredita que o lançamento servirá de exemplo para outros periódicos e instituições que ainda relutam em abraçar as novas tecnologias de comunicação.
Muitos acadêmicos ainda torcem o nariz para a internet, por acreditarem ser uma ‘terra de ninguém’, sem conteúdo de qualidade. O que você diria a eles?
Diria que o modelo de um conteúdo central, organizador e dotado de reputação como foram as enciclopédias e os grandes periódicos, não é mais viável, ou pelo menos canônico, na internet. A produção e curadoria de conteúdo está passando em parte para os usuários, que possuem papel muito mais ativo do que nas mídias com as quais estes pesquisadores cresceram e estão familiarizados. O foco atual deve ser muito maior na busca e interpretação de conteúdos de qualidade de diferentes fontes do que no papel passivo de consumidor do conteúdo produzido por uma ou duas fontes ‘de confiança’. Mesmo com relação a artigos e periódicos, a maneira como a pesquisa é divulgada está passando por mudança: o foco está no conteúdo do artigo encontrado através de ferramentas de busca, e não nos poucos e seletos periódicos que a biblioteca assina. E pouco ou nada está sendo feito para preparar os alunos de ensino fundamental, graduação ou pós-graduação para buscar e avaliar de forma crítica os conteúdos disponíveis.
De que maneira ferramentas como blogs e redes sociais podem contribuir para periódicos científicos?
Blogs e redes sociais podem contribuir para todas as etapas da pesquisa, desde a formulação de hipóteses e construção de experimentos à divulgação e discussão dos resultados publicados. No caso dos periódicos, os blogs e redes sociais também podem servir de ferramentas de divulgação. Como tal, criam uma série de métricas como visitas, downloads de artigos, compartilhamentos e favoritos, que ajudam a interpretar o impacto da pesquisa, com valor preditivo, inclusive, pois dá sinais de quais artigos serão mais referenciados no futuro. Além da divulgação, blogs e redes têm papel complementar na avaliação e divulgação da pesquisa. Quando um pesquisador comenta em seu blog um artigo que leu, está tornando aquele conteúdo acessível ao público leigo. Não só por tratar de um trabalho que muitas vezes está disponível apenas para assinantes – geralmente por valores exorbitantes para o usuário final – mas também por escrever em uma linguagem mais compreensível. Também há o papel da avaliação da pesquisa: antigamente, o artigo podia ser avaliado apenas pelos dois ou três pesquisadores que revisaram o conteúdo antes de ele ser publicado, o que dava margem para casos onde o trabalho era avaliado por pesquisadores sem a formação técnica requerida. Hoje, mesmo depois de publicado, um artigo pode ser avaliado e comentado por milhares de especialistas, que vão trazer novas perspectivas sobre aquele resultado, diminuindo muito as chances de um resultado inválido passar desapercebido.
Poderia explicar melhor esse aspecto da avaliação dos artigos científicos?
O editor seleciona os melhores revisores para o artigo, e depende da especialidade deles para que avaliem corretamente o trabalho. Mas, em alguns casos, os revisores não são capacitados para avaliar o que recebem, e podem não recusar a tarefa ou nem se dar conta disso, e avaliar o material de maneira incompleta. Como foi o caso, por exemplo, do artigo sobre a bactéria que usava arsênico no seu DNA, no qual os revisores falharam em reparar que alguns dos reagentes usados podiam conter quantidades mínimas do elemento fósforo, que poderia ser usado pela bactéria (e parece que foi o caso). Claro que, entre os leitores, muitos podem dar pitacos que não contribuem em nada com o trabalho, ou fazer questionamentos que não são pertinentes, vide comentários de reportagens científicas em sites de jornais. Mas basta um especialista atento, como foi o caso da pesquisadora Rosie Redfield, para questionar pontos importantes e até invalidar o trabalho. Neste sentido, a exposição do artigo na rede facilita as chances de um revisor (mesmo não convidado) que realmente pode contribuir e avaliar o trabalho o faça.
A revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos está lançando seu braço interativo através deste blog e de perfis no Facebook e no Twitter. Você acha que foi uma decisão acertada? Por quê?
Acho uma decisão muito acertada e em ótima hora, que pode servir de exemplo para muitos periódicos e instituições que ainda estão relutantes em abraçar novas tecnologias – as quais, no passo da internet nem são tão novas assim. Redes sociais e novas mídias são a realidade para a grande maioria dos alunos e pesquisadores recém-formados, e têm excelente potencial para uso em todos os aspectos, da formação do aluno à divulgação da pesquisa feita no país, a um custo muito baixo. No entanto, o que mais vejo quando trato de divulgação em novas mídias são instituições que ainda não adotaram qualquer ferramenta online temendo restrições que muitas vezes não são nem exclusivas desta mídia. A cópia de conteúdo, por exemplo, não precisaria nem ser uma preocupação em órgãos sem fins lucrativos, uma vez que o conteúdo está sendo divulgado e ninguém está perdendo dinheiro com isso, além de não ser um problema exclusivo da internet, apenas mais facilitado por ela.
Tem alguma dica para nós?
Minha dica é: façam uso de tudo o que estas ferramentas permitem. Não adianta fazer um blog ou perfil social e publicar o conteúdo na forma de um artigo científico, ou fechado em arquivos de texto ou pdf. Agir como se ainda fosse uma revista impressa em um meio com tantas possibilidades. Usem os canais, publiquem fotos, vídeos, referenciem conteúdo online, usem links e conteúdo de acesso aberto. Entrevistem os pesquisadores e mostrem a eles como o que fazem pode ser mais acessível através desta mídia. Estávamos comentando na lista de emails do ScienceBlogs como uma reportagem recente do New York Times faz isso muito bem, falando sobre uma avalanche com vídeos, mapas e fotos. Quando se vê esse tipo de conteúdo, percebemos como nos limitamos quando apenas reproduzimos as mídias mais velhas no meio online.
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Redes sociais para divulgar ciência
Para Abel Packer, coordenador do Programa SciELO/Fapesp, as novas mídias se projetam como principal meio de divulgação para periódicos científicos e possibilitam a interação entre pesquisadores e leitores. “A presença proativa dos periódicos SciELO nas redes sociais é uma das nossas prioridades”, diz.