Julho/2015
Nem mesmo o reconhecimento de que a pobreza e as más condições sanitárias eram os principais fatores que levavam à propagação de doenças no Caribe impediram que ideias como a de imunidade racial ganhassem espaço no discurso médico local no começo do século 20. A constatação é da pesquisadora Tara Innis, da University of West Indies (Trinidad e Tobago), que participou da mesa “Febre Amarela nas Américas” no workshop Doenças Tropicais: uma Perspectiva Histórica, realizado pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e a Universidade de York (Reino Unido) de 1º a 3 de julho. A partir de três grandes epidemias em Barbados entre 1907 e 1918, a pesquisadora analisou como as ideias sobre raça e a terminologia racial ligada à imunidade se estabeleceram nos discursos sobre doenças transmitidas por vetores, como febre amarela, leptospirose e malária. “Ideias sobre imunidade racial em ‘ambientes de doença’ levaram mais tempo para mudar e indiscutivelmente não foram completamente excluídas no âmbito do discurso em torno da incidência de certas enfermidades em grupos raciais”, afirmou Tara. Ela analisou os estudos levados a cabo durante as epidemias de febre amarela de 1907-1909 pelo patologista Rubert Boyce, um ferrenho defensor da tese de que a transmissão da doença não estaria relacionada às ditas questões raciais. Em 1908, a incidência de febre amarela havia supostamente diminuído. No entanto, Boyce desconfiava que a doença continuava a afligir a população e que os novos casos estavam sendo erroneamente diagnosticados como “gripe gástrica”. “Uma vez que os primeiros casos ocorreram entre a população negra, é possível que não se tenha feito diagnóstico de febre amarela muito embora alguns médicos locais obviamente suspeitassem dessa possibilidade”, afirmou Tara. O fato de a população negra, tida como imune à enfermidade, ter sido a mais atingida pela epidemia de 1907-1909 foi considerado intrigante na época, mas não surpreendeu Boyce. O patologista estava confiante de que a febre amarela se tratava de uma doença de “recém-chegados”. Sobre sua experiência em Barbados, ele escreveu: “Trata-se de uma observação velha e repisada a de que os negros [vindos da] África Ocidental raramente contraem febre amarela, em comparação com os brancos. Por outro lado, no ano passado, 1909, durante a epidemia de febre amarela em Barbados, os mais afetados foram os negros nativos, embora esses mesmos negros fossem descendentes dos africanos imunes. Eles, portanto, tornaram-se não-imunes e suscetíveis nesse meio tempo, devido ao fato de que a febre amarela deixou de ser endêmica em Barbados”. A febre amarela nas relações dos Estados Unidos com o Caribe e a América Central Na mesma mesa, Talia Rebeca Haro Barón, da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha), apresentou o trabalho Políticas para o combate à febre amarela na Guatemala em princípios do século 20.Em sua apresentação, ela analisou cartas que retratam as missões médicas enviadas aos portos da Guatemala por governos locais dos Estados Unidos. Em razão de uma epidemia devastadora de febre amarela em portos estadunidenses, diferentes entidades do país mostraram maior interesse pelo estudo, a vigilância e o controle de doenças que se espalhavam com o crescente intercâmbio comercial com o Caribe. Escondidos nos barcos a vapor, os mosquitos disseminavam a febre amarela entre os portos. Em sua apresentação, Elaine Fay, da Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos), mostrou como as ideias em torno da febre amarela, do meio ambiente e do nacionalismo se manifestaram na Flórida, um território cujo status tropical era questionado. De acordo com ela, em meados do século 19, médicos norte-americanos e residentes do recém-adquirido Estado da Flórida discutiam em que medida o clima do local era tropical. A palestrante citou o médico John Monette, que, ao escrever sobre um surto de febre amarela no Estado em 1820, defendeu que a doença adquiriu caráter epidêmico “a partir do primeiro minuto depois que os Estados Unidos assumiram o controle do território”. A causa não era a soberania norte-americana sobre a região em si, mas o aumento das relações comerciais com Havana e o fluxo de pessoas vindas do norte para as cidades que registraram a epidemia. Médicos italianos e a febre amarela O temor causado pela febre amarela ao olhar estrangeiro foi o tema da apresentação de Vanessa Costa e Silva Schmitt, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em conjunto com Rober Ponge, ela analisou as referências à doença nas memórias do médico italiano Riccardo D’Elia, que viveu no Brasil de 1891 a 1933, ano de sua morte. Antes de estabelecer-se de vez no país, D’Elia passara pelo porto do Rio em 1888, mas decidira seguir viagem até Buenos Aires. Um dos motivos eram as “más notícias sobre o clima” do Rio, cidade onde, segundo seus relatos, “a febre amarela grassa, fazendo milhares de vítimas por mês, preferentemente estrangeiros, não poupando nem os médicos. Mais tarde, ele viria a relativizar os perigos da doença, a partir de medidas implementadas para seu controle no país. Outro personagem italiano foi tema do trabalho apresentado por Daniele Cozzoli, da Universidade Pompeu Fabra (Espanha): o bacteriologista Giuseppe Sanarelli. Com formação em microbiologia no Instituto Pasteur, em Paris, Sanarelli foi nomeado diretor do recém-criado Instituto de Higiene Experimental de Montevidéu em 1895. Mais tarde, ele trabalhou em pesquisas para determinar as causas da febre amarela na capital uruguaia e no Rio de Janeiro. Em sua apresentação, Cozzoli mostrou como o surgimento da medicina tropical estava relacionada à emigração para a América e à expansão colonial italiana no norte da África, na visão do pesquisador do país europeu. Fonte: Casa de Oswaldo Cruz Sobre febre amarela, leia em História, Ciências, Saúde – Manguinhos: Cidade-laboratório: Campinas e a febre amarela na aurora republicana, artigo de Valter Martins, vol.22, n.2, jan./abr. 2015 Antiescravismo e epidemia: “O tráfico dos negros considerado como a causa da febre amarela”, de Mathieu François Maxime Audouard, e o Rio de Janeiro em 1850. Kaori Kodama, vol.16, no.2, Jun 2009. A cidade e a morte: a febre amarela e seu impacto sobre os costumes fúnebres no Rio de Janeiro (1849-50) – Cláudia Rodrigues, vol.6, no.1, Jun 1999 Combates sanitários e embates científicos: Emílio Ribas e a febre amarela em São Paulo – Marta de Almeida, vol.6, no.3, Fev 2000 Produzindo um imunizante: imagens da produção da vacina contra a febre amarela – Aline Lopes Lacerda e Maria Teresa Villela Bandeira de Mello, vol.10, supl.2, 2003 Da ‘abominável profissão de vampiros’: Emílio Goeldi e Os mosquitos no Pará (1905) – Nelson Sanjad, vol.10, no.1, Abr 2003 Representação e intervenção em saúde pública: vírus, mosquitos e especialistas da Fundação Rockefeller no Brasil – Ilana Löwy, vol.5, no.3, Fev 1999 Mais notícias do workshop sobre doenças tropicais: O papel de Havana na busca pelo germe causador da febre amarela no século 19 Steven Palmer, da Universidade de Windsor, Canadá, abordou o tema no workshop sobre doenças tropicais na Fiocruz. Pesquisadora investiga por que a hanseníase continua endêmica no Brasil Roseli Martins Tristão Maciel, da Universidade Estadual de Goiás, apresentou trabalho no workshop sobre doenças tropicais realizado na Fiocruz. Harald Sioli e a esquistossomose na Fordlândia, 1950 O historiador André Felipe Cândido da Silva revela as descobertas do limnologista alemão em workshop sobre doenças tropicais na Fiocruz Historiadora estuda o combate ao ‘amarellão’ no RS na década de 1920 Em workshop na Fiocruz, Ana Paula Korndörfer abordou a cooperação entre o governo estadual e a Fundação Rockfeller contra a doença Historiador estuda acervo do Asilo São Vicente de Paulo, em Goiás Internos cuidados por irmãs dominicanas entre 1909 e 1946 tinham lepra, doenças mentais e doenças tropicais, como Chagas, malária, leptospirose e dengue, revela Rildo Bento de Souza, da UFG Pesquisa investiga botica de hospital militar de Goiás em fins do século XVIII Trabalho de pesquisadores da UFG foi apresentado no workshop sobre doenças tropicais realizado na Fiocruz, no Rio ‘Sal Pinotti’ contra malária na Amazônia No workshop sobre doenças tropicais realizado na Fiocruz, Rômulo de Paula Andrade abordou a estratégia na Amazônia nos anos 1950 e Elis Regina Corrêa Vieira falou sobre o papel da imprensa paraense no surto de 1917. Medo e desinformação marcaram epidemia de cólera em Veracruz, no México Beau Gaitors e Chris Willoughby, da Universidade Tulane (EUA), participaram do workshop sobre doenças tropicais na Fiocruz ‘As colônias deram mais do que receberam’ Rita Pemberton, professora da Universidade de York especialista na história de Trinidad e Tobago, proferiu uma das mais aguardadas palestras do workshop Ideias de raça influenciaram diagnóstico da febre amarela no Caribe no início do séc. 20 Tara Innis, da Universidade de West Indies, em Trinidad e Tobago, participou de mesa no workshop sobre doenças tropicais realizado na Fiocruz de 1º a 3 de julho. E no blog de HCS-Manguinhos em inglês/espanhol: “Race is never silenced in scientific inquiry” Interview with Tara Inniss discusses how racial categorizations continue to form a major part of epidemiological investigation in the Caribbean and elsewhere. A history of yellow fever, environment and nationalism in 19th century Florida, US Elaine LaFay discusses how regional assessments raise questions about meanings of tropicality and cultural understandings of tropical diseases. The polar chamber and the freezing of Cuba politics. Francisco Javier Martínez-Antonio explains the polar chamber’s way to freeze Cuba in medical and political terms in the 19th century.
La fiebre amarilla y la medicina china en Perú. Artículo de Patricia Palma explora el crecimiento de diversos saberes médicos durante y tras la epidemia de fiebre amarilla en Lima, Perú.
La cólera, la desinformación y el comercio en Veracruz. Beau Gaitors y Chris Willoughby exploran el problema comercial y sanitario enfrentado por el puerto mexicano en el siglo 19.