Agosto/2021
No período imperial brasileiro (1822-1889), atividades de dança, esgrima, ginástica, natação, equitação e jogos representaram os primeiros indícios da formação de um mercado de ensino de práticas corporais em espaços escolares e não escolares.
Apesar do estigma de serem atividades de menor valor, se comparadas a trabalhos intelectuais, as práticas foram sendo introduzidas nas instituições educativas, militares e recreativas reguladas pelo Império, à medida em que educadores, militares, imigrantes e o próprio império construíram bases favoráveis para que tais práticas se tornassem uma questão de interesse coletivo na sociedade brasileira. Porém, as diferenças nutridas entre os ofícios “práticos” e “teóricos” foram barreiras para sua profissionalização na sociedade brasileira, conforme explicam os autores do artigo As práticas corporais na legislação imperial e a construção de uma sociologia da profissão para a educação física, publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (vol. 28, n. 2, abr/jun 2021).
Rubiane Giovani Fonseca e Tony Honorato, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), e Samuel de Souza Neto, da Universidade Estadual Paulista de Rio Claro (Unesp) investigaram as legislações do período imperial até 1889 para traçar a trajetória ocupacional dessas atividades e analisaram os primeiros passos articulados pelos profissionais nos contextos civil e militar antes de serem reconhecidos como membros de uma categoria profissional.
Os autores explicam que, para além de uma disciplina do currículo escolar, a educação física era tida como uma prática com intuito civilizatório que abrangia questões mais amplas, como higiene, saúde, passatempo, formação de militares, culturas imigratórias e educação corporal, tanto em termos objetivos – vestuário, alimentação, cuidados físicos -, quanto subjetivos – sentimentos e valores.
Os pesquisadores estudaram as relações que os sujeitos envolvidos com o ensino das práticas corporais estabeleciam com o poder oficial e com a sociedade brasileira no século XIX. Segundo eles, médicos, militares, engenheiros, advogados, entre outros que provavam seus dotes e habilidades atléticas, aos poucos foram defendendo, difundindo e garantindo a presença das práticas corporais na sociedade brasileira, o que possibilitou a popularização de um grupo emergente dos chamados mestres e instrutores de ginástica, natação, esgrima, entre outras práticas de influência estrangeira, que, em muitos casos, eram conciliadas com as atividades da profissão principal. Fatores como remuneração, dedicação e baixo status social eram os maiores desafios para o desenvolvimento das práticas corporais como área ocupacional minimamente organizada.
Após um estudo documental de leis e decretos imperiais que mencionam os ofícios vinculados às práticas corporais, os pesquisadores atestaram que a baixa atratividade dos trabalhos práticos dificultava a dedicação exclusiva, assim como a estabilidade no exercício do trabalho – obstáculos para reivindicações mais organizadas da educação física, necessárias para sua profissionalização.
“Havia um senso comum da hierarquia das atividades intelectuais sobre as técnicas, que diferenciavam as condições laborais entre os ‘intelectuais’ e os ‘práticos'”, explicam. Porém, mesmo em condições ainda desarticuladas e de pouca mobilização coletiva, os autores acreditam que a presença das práticas corporais nos regulamentos imperiais pode ser considerada como um processo rudimentar de profissionalização da ocupação, mais tarde conhecida como educação física.
Leia em HCS-Manguinhos:
As práticas corporais na legislação imperial e a construção de uma sociologia da profissão para a educação física, artigo de Rubiane Giovani Fonseca, Tony Honorato e Samuel de Souza Neto (História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 28, n. 2, abr/jun 2021)