Novembro/2025
ENTREVISTA | João Colares da Mota Neto
Por Adnê Jefferson Moura Rodrigues | Especial para o Blog de HCS-Manguinhos
Com o início da COP 30, em Belém do Pará, as discussões sobre a crise do clima e o futuro do planeta estão ainda mais em evidência. A escolha da cidade trouxe, ao mesmo tempo, esperança e incerteza quanto as mudanças estruturais necessárias para sediar a conferência, inédita em nosso país. A capital amazônica, pertencente à região que tem atraído há décadas a atenção de diferentes setores preocupados com a emergência climática global, tem enfrentado os efeitos do superaquecimento, como apontam estudos sobre o aumento do número dias de extremo calor no último ano.

Barqueata da Cúpula dos Povos na Baía do Guajará, em Belém. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Essa crise socioambiental, por conseguinte, é também marcada pela desigualdade, em que povos originários e grupos periféricos urbanos e rurais, por exemplo, são não somente os principais atingidos, como têm, constantemente, suas demandas negligenciadas pelos poderes públicos.

Indígenas em manifestação na Cúpula dos Povos. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
A gravidade da situação traz à tona importância da educação como instrumento de sensibilização e formação crítica para superar uma visão predatória sobre a natureza e as relações humanas, que vem sendo construída aqui desde a colonização.

João Colares da Mota Neto, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará
O professor João Colares Mota Neto, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (Uepa), tem se dedicado à pesquisa de experiências de educação popular e ecopedagogias na Amazônia. Bolsista de pós-doutorado sênior do CNPq, em conexão com a Cátedra Unesco de Educação para a Cidadania Global e a Justiça Socioambiental da Universidade de Caxias do Sul, Colares evidencia a premência de se ouvir os ensinamentos dos povos originários e movimentos sociais no enfrentamento da crise.
“O que os movimentos sociais estão pautando é uma educação que promova justiça socioambiental, com outro horizonte civilizatório para além da sociedade do consumo em que vivemos”, afirma o professor. Colares aproveita para convidar quem estiver em Belém, na Cúpula dos Povos, a participar da Roda de Conversa “Educação Popular e Comunitária na Pan-Amazônia: territórios sustentáveis, incidência política e soberania alimentar nas agendas educacionais e do clima”, na sexta-feira, dia 14/11, de 14h30 às 16h30, na Sala 403 do Mirante do Rio, na Universidade Federal do Pará.

Adnê Moura entrevistou João Colares para o Blog de HCS-Manguinhos
A entrevista foi sugerida e realizada pelo pedagogo e historiador da ciência Adnê Jefferson Moura Rodrigues, doutor em História da Ciência e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), especialmente para a cobertura da COP 30 do Blog da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos.
Adnê Jefferson Moura Rodrigues: A partir do anúncio de Belém como sede da COP 30, que mudanças percebeu na cidade? Como avalia, até o momento, as respostas dos poderes públicos em relação as demandas populares?
João Colares Mota Neto: Belém foi oficialmente confirmada como sede da COP 30 em 11 de dezembro de 2023, durante a plenária da COP 28, realizada em Dubai. Nestes dois anos, a cidade passou por transformações importantes e necessárias em infraestrutura de turismo e mobilidade urbana.
Mas, como morador da cidade, tenho duas principais observações a fazer. Primeiro, o tanto de obra que foi necessário neste período compacto apenas revela o quanto Belém foi esquecida e negligenciada pelo poder público por tanto tempo. Segundo, a prioridade das obras não alcançou os bairros periféricos, fora dos “olhos” do visitante, e Belém continua a clamar por obras de saneamento, esgoto, água, asfalto e drenagem nas chamadas “áreas de baixada”.
Adnê Moura: O que a escolha da capital do Pará, uma metrópole amazônica, representou para as discussões sobre educação?
João Colares Mota Neto: Entendo que foi muito importante a escolha de Belém como sede da COP 30. Pela primeira vez, a Conferência das Partes acontece na Amazônia. O futuro do Planeta depende da Amazônia e aqui os povos originários tem lições e ensinamentos milenares sobre como cuidar da “Casa Comum”. Sou cético, no entanto, sobre o interesse dos grandes poderes – aqueles que tomarão as decisões na Zona Azul – em escutar essa sabedoria milenar.
O mesmo vale para os temas educacionais que estão em discussão nesta COP. Fala-se em Educação Ambiental, mas, em grande medida, se trata de um ambientalismo acrítico. O que os movimentos sociais estão pautando é uma educação que promova justiça socioambiental, com outro horizonte civilizatório para além da sociedade do consumo em que vivemos.
Também somos críticos das soluções vendidas pelo mercado da educação, como os cursos prontos e os pacotes de EAD, porque só visam o lucro, o controle sobre o trabalho docente e desprezam o potencial criativo das escolas e das comunidades em encontrar respostas locais aos problemas que enfrentam.
Adnê Moura: Ao abordar alguns desdobramentos da escolha de Belém para os debates sobre a educação, o senhor frisou sua importância para as reivindicações dos grupos periféricos, os mais atingidos pela crise climática. Como enxerga a Educação Popular e qual seu papel neste contexto?
João Colares Mota Neto: A Educação Popular não é apenas um discurso pedagógico. É, sobretudo, um movimento de luta. A Educação Popular está presente nas lutas dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, das mulheres, da comunidade LGBTQIAPN+ por dignidade, justiça, direitos e cidadania.
Os mais pobres são os mais vulneráveis e os que mais sofrem com as crises climáticas. Os exemplos são abundantes de Norte a Sul do Brasil e em todo o mundo. A nova categoria de “refugiado ambiental” também ilustra que são os mais pobres os que vêm sendo obrigados a deixar seu país e a viver em situações de constrangimento de dignidade em fronteiras, na maior parte dos casos, muito áridas, violentas e marcadas por profunda xenofobia.
Cabe à Educação Popular ser uma pedagogia da solidariedade, dos direitos humanos e da esperança. Não podemos entregar o futuro do Planeta nas mãos de Estados-nação que só se importam em proteger os lucros de seus acionistas. A Educação Popular encarna um projeto de sociedade anticapitalista, antipatriarcal e antirracista.
Por isso mesmo é tão importante a Cúpula dos Povos, que acontecerá entre 12 e 16 de novembro em Belém, de maneira alternativa à COP 30. Na Cúpula, 15 mil pessoas são esperadas para disputar o futuro do Planeta. Nessa disputa, estão educadoras e educadores populares de todo o mundo na luta para adiar o fim do mundo, nos termos de Ailton Krenak.
Adnê Moura: Como se deu a inclusão da Educação Popular no processo de organização dos eixos de discussão no âmbito da Cúpula dos Povos, visando a preparação para a COP 30, em Belém?
João Colares Mota Neto: No processo preparatório da COP 30, vários movimentos de Educação Popular reivindicaram a necessidade da Cúpula dos Povos ter um espaço mais visível para as lutas de educadoras e educadores populares. Foi criado, assim, um GT de Formação/Educação Popular que ao longo do último ano desenvolveu diversos trabalhos de territorialização da formação política. A ideia era a de que a Cúpula não se limita aos cinco dias de evento em Belém. Trata-se de um processo de mobilização antes, durante e depois da Cúpula, com o objetivo de fortalecer as lutas populares nos territórios.
No último ano foi crescendo a incorporação de debates da Educação Popular, da Educação Ambiental Crítica, da Ecopedagogia na Cúpula dos Povos. Hoje, podemos ver uma programação com muito mais presença de educadores e educadoras.
Adnê Moura: Como você vê o papel da Pan-Amazônia na emergência das discussões sobre a educação a partir de uma perspectiva decolonial, ou seja, que coloca em relevo o olhar e as vozes dos povos originários, a centralidade de seus saberes e o fomento de outras pedagogias pelas classes populares?
João Colares Mota Neto: A Pan-Amazônia é um celeiro de resistências. Em seus nove países, educadoras e educadores populares e comunitários vêm denunciando a mercantilização da educação e anunciando uma pedagogia própria dos povos e dos movimentos sociais.
Estas pedagogias nascem da integração do ser humano e da natureza. Mais do que isso, entendem que o ser humano é parte (e não Senhor) da natureza. Por isso, são pedagogias que afirmam o “bem viver” e valorizam as sabedorias insurgentes das populações originárias e das classes populares da Pan-Amazônia.
Agroecologia, soberania alimentar, autogoverno, interculturalidade, bilinguismo, multilinguismo e decolonialidade são alguns dos temas presentes na agenda educacional dos povos da região.
Adnê Moura: Considerando a potência dos diferentes coletivos, bem como de suas redes, especialmente em Belém, que iniciativas você destaca e que criticam a exploração da natureza e das relações humanas visando o desenvolvimento de uma educação mais afinada a uma ecologia integral, humanista e emancipatória?
João Colares Mota Neto: Na Cúpula dos Povos, gostaria de convidar a quem estiver em Belém a participar da Roda de Conversa “Educação Popular e Comunitária na Pan-Amazônia: territórios sustentáveis, incidência política e soberania alimentar nas agendas educacionais e do clima”, no dia 14/11, de 14h30 às 16h30, na Sala 403 do Mirante do Rio, na UFPA.
Estamos na organização desta roda de conversa: Conselho de Educação Popular da América Latina e do Caribe (CEAAL), Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE), Pará Leitura, Cátedra Sérgio Vieira de Mello da Uepa, FLACSO, Movimento ID, UFRR e FOSPA.
Também gostaria de chamar a atenção para as atividades organizadas pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CDNE). Foi lançado um estudo, no dia 12, no Auditório do ICED/UFPA, intitulado “Trilha da Justiça Ambiental: a educação democrática como raiz de uma educação ambiental crítica e do enfrentamento à crise climática”. Essa e outras atividades da CNDE estão divulgadas em seu perfil no Instagram: @campanhaeducacao
Como professor da Universidade do Estado do Pará, vale a pena dizer que a Uepa terá presença em vários painéis na Zona Verde da COP 30.
Os temas debatidos nessa entrevista terão lugar no painel “Saberes e Resistência: a luta por Água Limpa e Territórios na Amazônia Profunda”, no dia 13/11, de 17h30 às 18h20, no Pavilhão Pará, Sala Seringueira.
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