Vacina contra HPV para meninos: boa notícia traz dúvidas e questões

Outubro/2016

Luiz Antonio Teixeira

Luiz Antonio Teixeira

A partir de janeiro de 2017, o Ministério da Saúde disponibilizará a vacina contra o HPV para a população masculina de 12 a 13 anos na rotina do Calendário Nacional de Vacinação do Sistema Único de Saúde (SUS). O Brasil será o primeiro país da América Latina e o sétimo do mundo a oferecer a vacina em programa nacional (leia a notícia). O Blog de HCS-Manguinhos pediu ao pesquisador Luiz Antonio Teixeira, da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, para comentar a notícia e sugerir leituras. Vacina contra HPV para meninos: boa notícia traz novas dúvidas e questões Luiz Antonio Teixeira A vacinação de meninos contra o HPV é uma boa notícia que deve ser comemorada. Desde 2009, vários estudos mundo afora vêm mostrando a relação do HPV com diversos tipos de câncer, em especial o câncer do colo do útero nas mulheres e os canceres de ânus, cabeça e pescoço em ambos os sexos. Em 2011, o Centers for Disease Control dos EUA (CDC) recomendou a vacinação de meninos e sugeriu que homens jovens, entre 13e 21 anos, também fossem vacinados. A ampliação dos grupos populacionais a serem vacinados, além da prevenção específica a determinados tipos de cânceres, permitirá diminuir a carga de vírus no meio ambiente, favorecendo a diminuição de diferentes agravos – como as verrugas genitais – a ele relacionados. Além de proteger contra diferentes tipos de câncer que podem afetar aos homens, vacinar os meninos também ajuda na defesa das mulheres para o câncer de colo do útero. Por outro lado, também os protege frente a infecções pelo HPV proveniente de mulheres não vacinadas. Outro aspecto importante é que a vacinação de meninos protegerá os homossexuais do risco câncer de ânus – doença fortemente associada ao HPV – o que dá um caráter de equidade a medida frente a dificuldade vividas por esse conjunto da população. A diretriz de vacinar os brasileirinhos também deixa algumas dúvidas. Uma delas diz respeito às motivações que a embasam. A afirmação de que a melhoria da gestão permitiu economia de gastos, possibilitando a ampliação da vacinação aos garotos jovens, parece não mostrar todas as dimensões do fato, pois a decisão de vacinar meninos não se caracteriza como uma simples ampliação da diretriz que vinha sendo cumprida. Ela traz novas questões e deveria ter como base estudos epidemiológicos sobre a carga dos tipos de câncer a serem prevenidos. Por outro lado, os termos dos contratos de fornecimento da vacina Gardasil, desenvolvida e comercializada pela Merck não são conhecidos, deixando margem a especulações sobre a possibilidade do Ministério da Saúde estar buscando satisfazer o interesse econômico da empresa frente a diretriz de redução do número de doses para as meninas. Numa outra chave, a vacinação de meninos contra o HPV abre uma série de questões. Uma delas se relaciona a medicalização de riscos comportamentais relacionados à sexualidade. Se, por um lado, o desenvolvimento de vacinas contra agentes infecciosos transmissíveis pode, efetivamente, reduzir os níveis da doença em diferentes populações, em sentido oposto pode ofuscar medidas de educação em saúde e de controle de determinantes sociais. De forma semelhante ao ocorrido no campo da saúde pública no final do século XIX – com o advento das vacinas –, o controle biomédico do risco proveniente de comportamentos sexuais, se visto como uma prática suficiente, pode transformar a saúde pública em uma agência de controle de riscos limitada pelas possibilidades técnico-científicas e, no caso presente, pela lucratividade de produtos farmacêuticos. Leituras sugeridas: Mamo, Laura & Epstein, Steven. The pharmaceuticalization of sexual risk: Vaccine development and the new politics of cancer prevention. Social Science & Medicine 101 (2014) 155e165. Epstein, Steven. The great undiscussable: anal cancer, HPV, and gay men’s health. In K. Wailoo, J. Livingston, S. Epstein, & R. Aronowitz (Eds.), Three shots at prevention: The HPV vaccine and the politics of medicine’s simple solution (pp. 61e90). Baltmore: Johns Hopkins University Press. (2010). Leia também: em HCS-Manguinhos: Dos gabinetes de ginecologia às campanhas de rastreamento: a trajetória da prevenção ao câncer de colo do útero no Brasil, artigo de Luiz Antonio Teixeira (vol.22 no.1 jan./mar. 2015). no Blog de HCS-Manguinhos: Artigo discute a persistência do câncer de colo de útero no Brasil Quanto menos estudo, maior o risco, explica Luiz Antonio Teixeira História do Câncer – atores, cenários e políticas públicas, entrevista com Luiz Antonio Teixeira, coordenador do projeto História do Câncer – Casa de Oswaldo Cruz Câncer no século XX: ciência, saúde e sociedade, edição especial de HCS-Manguinhos (Vol. 17, supl. 1, jul. 2010) E ainda: Projeto História do Câncer – Casa de Oswaldo Cruz