SUS: reanimar ideais para seguir na trilha da reforma sanitária

Julho/2016

Blog de HCS-Manguinhos

José Paranaguá de Santana

José Paranaguá de Santana

Referência em saúde comunitária, saúde internacional e bioética, o professor e médico José Paranaguá de Santana considera expressivas as mudanças na saúde pública brasileira em relação a três décadas atrás, mas ainda não suficientes, em face ao atraso em políticas sociais. Paranaguá acredita que a hora é de reanimar os ideais e reforçar a busca de estratégias e instrumentos para que o Sistema Único de Saúde (SUS) prosseguir na trilha da reforma sanitária.
Agraciado em 2009 pelo Ministério da Saúde com a Medalha de Mérito Oswaldo Cruz na categoria Ouro, o professor coordena o Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde (Nethis) e a Assessoria de Relações Internacionais da Fiocruz-Brasília. Recentemente, organizou, com Carlos Henrique Paiva, o dossiê “Bioética e diplomacia em saúde”, de História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v.22, n.1, jan.-mar./2015)
Nesta entrevista ao Blog de HCS-Manguinhos, Paranaguá fala sobre caminhos trilhados e desafios que se colocam.
Como foi pensada a criação do SUS?
A criação do SUS não foi propriamente pensada, no sentido de uma ideia a ser posta em execução. A imagem que faço é de um processo social, dentro de processos mais amplos, referindo-me ao processo da reforma sanitária brasileira como parte do processo de redemocratização ou de enfrentamento do regime militar que imperava no Brasil. E tudo isso fazendo parte do processo mais amplo de construção histórica da república federativa de nosso país. Desse modo, o SUS é a expressão concreta de uma proposta emanada de inúmeras experiências de construção de alternativas para superação de mazelas sociais de uma nação, no campo específico da saúde. Ressalto que falar em campo específico não quer dizer setorial, isolado de outras áreas sociais. Pelo contrário, é imanente no ideário da reforma sanitária aquilo que foi consagrado no artigo 198 da Constituição de 1988: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Quais são os desafios para se manter uma política universal de saúde em um país de dimensão continental?
São muitos os desafios. O principal resulta do ponto levantado antes, ao considerar o projeto da reforma setorial de saúde no contexto de um projeto de república federativa que se mantém centralizada e capitaneada por interesses diversos das demandas sociais da maioria dos cidadãos desta federação. Outro ponto relevante, para citar um aspecto peculiar da organização institucional da saúde em nosso pais, é a importância do setor privado em relação ao setor público. A área de saúde pública, além de sua atrofia histórica, era pulverizada em muitas instituições, principalmente no seu componente assistencial. A mudança desse quadro foi iniciada com a unificação dos serviços de saúde da Previdência Social nos anos 1970, e, somente alguns anos após a nova Constituição, teve início a consolidação de um sistema unificado no âmbito federal, com a integração do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social ao Ministério da Saúde, na transição para a década de 1990. A descentralização do SUS, como corresponde ao ditame constitucional no bojo de uma república federativa como a nossa, apresenta dificuldades entre as quais se destaca a fragilidade da capacidade de governo nessas unidades do país. Por fim, sem esgotar o rosário desses desafios, há que citar as reconhecidas dificuldades de fixação de pessoal qualificado para uma boa atenção à saúde na maior parte do extenso território nacional.
O que mudou entre a teoria e a prática? Quais os principais entraves e dificuldades?
As mudanças são expressivas, considerando a situação de três ou quatro décadas atrás. Mas ainda não são suficientes para o passivo secular de nosso atraso em políticas sociais, entre as quais a saúde. O alento vem exatamente dessa reflexão, pois, embora ainda longe de alcançar uma situação ideal, temos feito avanços importantes ao longo desse período. A meu ver, o importante para o futuro é que os esforços até agora feitos persistam sem arrefecimento, de modo que as conquistas realizadas no decorrer da minha geração de sanitaristas prossigam, buscando concretizar (a prática) os ideais (a teoria) da nossa reforma sanitária.
Quais os principais desafios que o SUS deverá enfrentar no futuro?
Os desafios estruturais já foram apontados. Conjunturalmente, temos um futuro imediato preocupante, que não é peculiar do setor saúde, mas do conjunto da situação político-econômica vigente. Mas, para quem iniciou sua vivência profissional no setor público da saúde em meados dos anos 1970, a hora é de reanimar os ideais e reforçar a busca de estratégias e instrumentos para prosseguir na trilha da reforma sanitária.
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Edição sobre o SUS (vol. 21, n.1, jan.-mar. 2014)
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