Rosiska: 'Feminino é uma autoria que as mulheres estão buscando'

Março/2015

A escritora e membro da Academia Brasileira de Letras Rosiska Darcy de Oliveira participou em 4 de março do painel “Os diferentes tempos do feminino”, realizado na Escola Nacional de Botânica Tropical, durante a Semana da Mulher promovida pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Destacamos extratos da fala de Rosiska.
Rosiska Darcy de Oliveira. Foto de Ester Santos (Ascom/JBRJ)

Rosiska Darcy de Oliveira. Foto de Ester Santos (Ascom/JBRJ)

“Pensar hoje o feminino é como descrever um tsunami enquanto somos enrolados por ele. Estamos vivendo não uma mudança de geração, com seus desencontros, mas sim uma mudança de era, o que é um privilégio para quem vive. É um testemunho de época, de uma história importante em que se dá a ruptura do paradigma milenar da separação dos mundos dos homens e das mulheres. É uma sensação de tsunami em que o chão foge aos pés, porque os referenciais mudam. O século XXI é irreconhecível em comparação a um século atrás. Os parâmetros do que é feminino mudaram completamente. Meninas ganharam em liberdades e opções. Mas não é impunemente que se rompe um paradigma milenar. Há uma crise de civilização: as mulheres querem não só igualdade de direitos mas o direito à diferença, de ter uma voz própria, uma crítica civilizatória. Feminino é uma autoria que as mulheres estão buscando. A liberdade de escolha não se dá sem um preço. A imagem no espelho era ruim mas confortável. Hoje o destino precisa ser inventado. Quem vai referenciar se está certo ou errado? Ideologias e religiões entraram em crise e hoje cada mulher está muito confrontada a si mesma, buscando um destino feliz. Estamos fazendo isso através de círculos de confiança, mais do que tendo como referência uma escala de valores que está sendo questionada nestas mudanças. É um privilégio e um risco inventar alguma coisa e fazê-la acontecer. O preço temos pagos nas nossas vidas pessoais, nos nossos tempos biográficos. Se antes a demanda era da esposa e mãe, hoje o que vivemos é um extraordinário fenômeno migratório da mulher da vida privada para o mundo do trabalho. Isso é uma revolução, mas a sociedade não passa recibo. O desafio maior é o uso do tempo. Tudo mudou, menos as 24 horas do dia. Não se espera que sejam apenas esposa e mãe, mas também profissional, estudante e cidadã. Crises individuais não são propriamente individuais. Não são problemas privados, mas de articulação entre o público e o privado, que foram ocultados e continuam sendo. Vamos reescrever o cotidiano, fazer uma reengenharia do tempo, reestruturando-se, dignificando-se, afirmando o direito de dignidade e de sermos reconhecidas como cidadãs. Vamos impor uma ética do feminino – a ética é o reconhecimento do outro. Ter um olhar aberto para o que está em volta – o país, o mundo – e com os recursos que tenhamos, que afirmemos valores que estão emergindo da presença do feminino na cultura. Estamos saindo da invisibilidade e existindo como ser humano.” Leia mais: Tsunami feminino A escritora Rosiska Darcy de Oliveira, a filósofa Carla Rodrigues e a historiadora Begonha Bediaga participaram do painel “Os diferentes tempos do feminino”, no Rio de Janeiro