Prosopografia se destaca como método para investigar profissões científicas e da saúde

Novembro/2018

Marcos Cueto | Blog de HCS-Manguinhos

Semana passada, em 22 e 23 de novembro, a Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) realizou o workshop “Prosopografia de Profissões Científicas”, organizado pelo pesquisador Luiz Otávio Ferreira, da COC, e o historiador Flávio Heinz, da UFRRJ. Heinz é autor do livro “Por outra história das elites” (FGV Editora, 2006), que apresenta a prosopografia, ou método das biografias coletivas, que ele explica nesta entrevista concedida ao editor de HCS-Manguinhos Marcos Cueto. O que é prosopografia e como o método tem sido utilizado por historiadores e cientistas sociais? Prosopografia é um método de pesquisa que combina os elementos da pesquisa biográfica com aqueles dos surveys das ciências sociais. A ideia é aplicar técnicas de pesquisa histórica para a montagem de perfis sociais, culturais ou políticos de diferentes grupos, elites ou profissões. Não se tendo o acesso a informantes – indisponíveis por morte ou distanciamento no tempo -, que poderiam oferecer os dados acerca do perfil de um grupo ou comunidade, a prosopografia reconstrói, recorrendo a uma extensa documentação e cotejando diferentes tipos de fontes históricas, os elementos que preenchem um quadro geral desse grupo. No estudo prosopográfico – ou das biografias coletivas -, o pesquisador define um grupo-alvo a ser estudado (os membros de uma associação profissional, os parlamentares de uma ou mais legislaturas, os membros de uma comunidade etc), faz o levantamento exaustivo da documentação biográfica existente sobre ele, constrói um quadro, ou banco de dados (metafonte) sobre os indivíduos do grupo e, a partir dele, aplica uma série de operações visando revelar as características coletivas do grupo. Qual a utilidade da prosopografia para estudos em história das ciências e da saúde? Acho que, como o workshop revelou, a utilidade é imensa. As ciências, em geral, e o campo da saúde pública, em particular, possuem um grau elevado de institucionalização, sobretudo nos dois últimos séculos. Instituições religiosas ou filantrópicas, Estado, escolas superiores… muitos espaços e atores “povoam” a evolução histórica das ciências e da saúde no período contemporâneo. A prosopografia pode ser uma ferramenta muito útil por que ela serve particularmente bem à investigação dos processos de institucionalização de especialidades e de profissões. Na verdade, a prosopografia serve melhor que qualquer outro método ou técnica que conheço a produzir uma micro-história social da especialização científica e da profissionalização no campo da saúde. Entender as variações nos modelos de formação e organização profissional, nacionais ou regionais, públicos ou privados, laicos ou confessionais, entender caraterísticas sociais ou culturais de determinadas configurações profissionais, são tarefas de pesquisa que necessitam de uma redução de escala combinada à identificação de traços coletivos dos indivíduos envolvidos, enfim, de uma análise micro-histórica, micro-história não naquele sentido consagrado pela micro-história cultural italiana, mas sim de natureza, social, “sociológica”, preocupada com recursos sociais e estratégias coletivas. A prosopografia é o método ideal para viabilizar essa ambição investigativa. Qual o balanço atual dos estudos prosopográficos no Brasil? Difícil dizer, a variedade de estudos é muito grande e não há unidade ou instância que reúna diferentes agendas de pesquisa que utilizam prosopografia. Uma das coisas que tenho discutido com colegas da área é a criação de uma rede nacional/internacional de pesquisadores em prosopografia contemporânea, notadamente de profissões e elites, o que permitiria, a médio prazo, ter uma ideia mais fiel do campo, mas a dificuldade é exatamente essa: reunir pelo método não é a forma usual, consagrada; grandes redes de pesquisa possuem afinidade temática, não necessariamente metodológica. Mas o painel da prosopografia no Brasil, atualmente, é muito rico. Por exemplo, há muita gente fazendo o que poderíamos chamar de uma prosopografia “intuitiva” em diferentes campos da pesquisa histórica, aplicando estratégias pessoais, improvisadas, para construir perfis de determinados grupos porque entendem – e têm toda razão em pensar assim! – que suas dinâmicas coletivas importam muito na explicação dos processos históricos em que estão incluídos. Há gente fazendo prosopografia de forma mais estruturada na história social do Oitocentos brasileiro, por exemplo, ou entre cientistas políticos que estudam recrutamento ou comportamento de elites políticas no XIX e primeira metade do XX. Acompanhei de perto um movimento muito interessante nesse sentido, entre pesquisadores da UFPR. Há ainda pesquisa prosopográfica entre os pesquisadores da história da Educação, atraídos, aliás, de forma parecida com aquela com que foram atraídos muitos pesquisadores da área da saúde, isto é, pelas possibilidades da prosopografia para o estudo da dimensão social das instituições de formação profissional. Uma das coisas que pensávamos com a realização deste workshop na COC era exatamente obter uma visão parcial sobre quem tem feito o quê no campo da prosopografia de profissões científicas. Acho que, pelo menos no que se refere às profissões da saúde, o propósito foi atingido. Como citar este post: Prosopografia se destaca como método para investigar profissões científicas e da saúde, entrevista de Flavio Heinz a Marcos Cueto, Blog de HCS-Manguinhos, 28 de novembro de 2018. Disponível em www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/prosopografia-se-destaca-como-metodo-para-investigar-profissoes-cientificas-e-da-saude/