Maio/2015
André Felipe Cândido da Silva, Marcos Cueto e Roberta Cardoso Cerqueira | Blog de HCS-Manguinhos
O trabalho dos pareceristas é fundamental para a comunicação científica de qualidade. Por isso, História, Ciências, Saúde – Manguinhos quer agradecer publicamente a todos os pareceristas que ao longo do ano de 2014 contribuíram com suas avaliações, críticas e sugestões para o alto nível da revista.
A importância e o papel do parecerista são o tema desta entrevista exclusiva ao Blog de HCS-Manguinhos que o pesquisador Nelson Sanjad, do Museu Paraense Emilio Goeldi, concedeu aos editores André Felipe Cândido da Silva, Marcos Cueto e Roberta Cardoso Cerqueira. Convidamos à leitura.
Na sua opinião, o que é necessário para produzir um bom parecer?
Há duas coisas essenciais, nem sempre citadas em manuais para editores: a primeira é fazer uma leitura atenta do texto. O leitor-parecerista não deve projetar suas ideias ou expectativas sobre o que está sendo defendido pelo autor do texto. Pelo contrário, deve procurar entender da melhor maneira possível os argumentos do autor, isto é, avaliar o que está, efetivamente, lendo, e não o que gostaria de ler ou o que gostaria que o autor tivesse escrito. A esta postura isenta, desprendida, desobrigada, pode-se acrescentar algo mais: a generosidade, que transforma o ato avaliativo em construção, em colaboração desinteressada. Um parecer generoso não precisa, necessariamente, ser longo e detalhado. Deve, contudo, ser claro e preciso, deve vislumbrar o potencial do artigo e oferecer os meios para que ele seja aperfeiçoado. Ambas as qualidades, isenção e generosidade, deveriam ser cultivadas e elogiadas no meio acadêmico. Elas não são inatas, mas frutos de uma boa educação, de formação intelectual, de treinamento e autocrítica.
Qual a importância do papel do parecerista no processo de publicação de um trabalho científico? Poderia comentar a relevância da revisão entre pares no quadro da comunidade científica institucionalizada?
Considero a avaliação por pares fundamental para a comunicação científica. Críticas têm sido feitas ao processo, estudos têm demonstrado que é falho, fraudes têm sido denunciadas e algumas revistas buscam alternativas. Mas há também os que defendem sua eficácia, ao lado dos quais me posiciono. O fato é que ainda não há outro método que dê segurança aos editores quanto ao processo de verificação do conhecimento por parte da comunidade científica. A avaliação por pares é um importante crivo, etapa ainda necessária à corroboração ou refutação de ideias – a menos que mudemos radicalmente nossa forma de comunicar ciência, o que, aliás, também tem sido defendido por aqueles que exploram formatos multimídia e creem que a internet e as redes sociais abriram novas possibilidades de comunicar ciência. Contudo, os métodos tradicionais e os experimentais dependem e dependerão de uma peça-chave no processo: o editor. Diria que a eficácia do processo de avaliação por pares depende, quase integralmente, do editor responsável. Se o processo tem se mostrado falho, se fraudes forem comprovadas, como ocorreu recentemente na Inglaterra, o editor deve dar explicações. O caso da BioMed Central, que retratou 43 artigos pelo fato do processo avaliativo ter sido forjado, dá a perfeita dimensão da complexidade e seriedade do trabalho de editor. Sua responsabilidade é enorme e implica, além de controlar o processo de maneira ética, transparente e muito bem documentada, saber selecionar pareceristas, saber avaliar a avaliação, saber lidar com os autores e saber quais decisões tomar em benefício tanto do autor quanto da revista. A qualidade do que se publica depende, em boa parte, da eficácia desse processo. É o editor que dá credibilidade a ele. A tarefa do editor, portanto, exige talento, conhecimento do ofício e dedicação integral a ela.
Você acha que o trabalho dos pareceristas não é reconhecido como trabalho acadêmico? Por quê?
Creio que o trabalho dos pareceristas é reconhecido como parte importante no processo de comunicação científica pela maioria dos pesquisadores e professores, tanto que muitos atuam como tal. O fato de um pesquisador ser convidado por um editor a opinar sobre um artigo é, por si só, um reconhecimento da credibilidade desse pesquisador. É assim que o sistema funciona: eu opino sobre o trabalho alheio e outros opinam sobre o meu trabalho. A academia não é isso? Troca, intercâmbio, colaboração desinteressada em benefício da ciência? Ou perdemos essa referência e caímos em um individualismo pragmático, deslocando definitivamente a República das Letras para o campo da utopia? Agora, o trabalho de um parecerista é, sem dúvida, invisível por sua própria natureza, pois a maior parte das revistas não revela o nome dele. Algumas revistas comerciais pagam seus pareceristas, mas esta – felizmente – não é a prática no Brasil. E algumas instituições recompensam seus pesquisadores que atuam como pareceristas. Há, ainda, outras maneiras de editores reconhecerem esse tipo de serviço, como contemplar os pareceristas com assinaturas da revista, de maneira que possam acompanhar a trajetória do periódico e o resultado de seu próprio trabalho.
Uma situação comum aos editores hoje em dia: pareceres conflitantes entre si. Atribui isso a um elevado grau de subjetivismo na avaliação dos artigos?
Aqui eu diria: cada caso é um caso! As razões do conflito podem ser as mais diversas, de divergências teóricas a simples dúvidas no momento de decidir entre ‘revisão’ e ‘rejeitado’. Há também os conflitos pessoais, que muitas vezes viciam os pareceres. As razões para pareceres conflitantes também podem estar em um formulário de avaliação mal redigido ou em escolhas erradas por parte dos editores. Quando pessoas sem a qualificação necessária são convidadas a emitir um parecer sobre um determinado artigo, poderemos ter, no final do processo, resultados pífios, equivocados ou conflituosos. Convém repetir o que já disse: em todos os casos, cabe ao editor a responsabilidade de evitar os conflitos e resolvê-los. A melhor solução é – sempre – avaliar a avaliação, isto é, checar se o parecerista leu com atenção o trabalho, se suas críticas e recomendações procedem, e comparar todos os pareceres disponíveis, de maneira a enviar documentos coerentes ao autor.
Considera o domínio do assunto específico essencial para um parecer consistente?
Sim, caso contrário o parecerista não acessará o ‘pano de fundo’ do artigo, isto é, a questão teórica ou o debate que subjaz no estudo de caso ou no argumento do autor – e que nem sempre é explícito ou suficientemente esclarecido no texto. O parecer de um não-especialista corre o risco de contornar o artigo sem tocar o seu conteúdo. Pode-se falar sobre a estrutura ou economia do texto, sobre o uso da língua, sobre a relação entre texto e imagem, enfim, sobre variados aspectos formais. A avaliação desses aspectos prescinde de um parecerista e pode ser feita pelos próprios editores da revista. Por isso, penso que o auxílio de pareceristas é muito mais importante na avaliação do conteúdo de um artigo, o que só é possível a um especialista. Mas, quando uso o termo ‘especialista’, refiro-me a um profissional da mesma área, e não a alguém que trabalhe com o mesmo tema ou assunto. Por exemplo, convém a um artigo sobre a clínica médica no final do século XVIII ser avaliado por um historiador da medicina, de preferência que estude a mesma época. Evidentemente, há assuntos muito específicos ou áreas de investigação relativamente novas, o que torna difícil a seleção de pareceristas. Algumas línguas indígenas, por exemplo, são estudadas por apenas um pesquisador. Nesses casos, o editor deve usar o bom senso e encontrar alternativas que viabilizem a avaliação. Cada caso exige uma solução diferente. A administração de cada processo editorial, com seus problemas e particularidades, é uma das razões pelas quais a tarefa do editor é tão exigente.
Leia mais:
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Leia em HCS-Manguinhos:
Sanjad, Nelson. História natural e medicina na obra de Adolpho Lutz (1855-1940). Mar 2010, vol.17, no.1.
Sanjad, Nelson. Cólera e medicina ambiental no manuscrito ‘Cholera-morbus‘ (1832), de Antonio Correa de Lacerda (1777-1852). Dez 2004, vol.11, no.3.
Sanjad, Nelson. Charles Frederick Hartt e a institucionalização das ciências naturais no Brasil. Ago 2004, vol.11, no.2.
Sanjad, Nelson. Da ‘abominável profissão de vampiros’:Emílio Goeldi e Os mosquitos no Pará (1905). Abr 2003, vol.10, no.1.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Postura isenta e generosidade para um bom parecer. [viewed 19 May 2015]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/postura-isenta-e-generosidade-para-um-bom-parecer