Política de Preservação de Acervos da Fiocruz favorece cooperações internacionais

Agosto/2018

Blog de HCS-Manguinhos | Fiocruz

Marcos José de Araújo Pinheiro

Cooperações com foco no patrimônio cultural entre a Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e as universidades portuguesas de Évora, Nova de Lisboa e Católica do Porto, assim como a adesão à Apoyonline, uma rede de cooperação em conservação preventiva e de gestão de riscos e desastres de bens culturais com sede nos Estados Unidos, são novidades favorecidas pela nova Política de Preservação dos Acervos Científicos e Culturais da Fiocruz. A semente desta política nasceu há dez anos, com um projeto que tinha como objetivo integrar as ações de preservação e de valorização das diversas tipologias de acervos constituídos pela Fiocruz, sob a guarda de diferentes unidades. Para falar sobre a nova política e o projeto Preservo, convidamos Marcos José de Araújo Pinheiro, vice-diretor de Patrimônio Cultural e Divulgação Científica da Fiocruz.

Como surgiu a Política de Preservação de Acervos da Fiocruz e quais as suas características principais?

Ao final de 2008 a Casa de Oswaldo Cruz começou a desenvolver um projeto que tinha como objetivo integrar as ações de preservação e de valorização das diversas tipologias de acervos constituídos pela Fiocruz e sob a guarda de seus diferentes atores institucionais. Para melhor compreensão do desafio dessa proposta, a diversidade de acervos da instituição abarca um relevante patrimônio natural, representado por 400 hectares de Mata Atlântica, dentro do Parque Estadual da Pedra Branca, e um patrimônio cultural, reconhecido nacional e internacionalmente, composto por acervos arqueológicos, arquitetônicos e urbanísticos, arquivísticos, bibliográficos, museológicos, além das coleções biológicas. Vale ressaltar que esse patrimônio está sob a guarda de diferentes unidades da Fiocruz que culturalmente seguem referências teóricas nem sempre coincidentes, além de possuírem práticas distintas. O projeto em questão teve a COC como unidade formuladora, mas que precisou se articular inicialmente a duas outras, o IOC e o ICICT, por suas missões e atuações na preservação e guarda, respectivamente, de coleções biológicas e de acervos bibliográficos, e que hoje se propõe a todas as unidades da Fiocruz que detenham a guarda de acervos científicos e culturais. O projeto a que me refiro é o Preservo – Complexo de Acervos da Fiocruz, que em 2010 foi contemplado por meio de um edital do BNDES de recursos financeiros na ordem de cinco milhões de Reais, só efetivado a partir de 2015, mas extremamente importante para sua credibilidade institucional e implantação.

O Preservo possui quatro dimensões ou eixos estruturantes de atuação. A primeira se refere aos seus pressupostos, princípios e valores; a segunda pressupõe a constituição e organização de documentação institucional de referência; a terceira e quarta visam, respectivamente, atuar na preservação e acesso digital e na preservação e acesso físico. No que se refere à constituição e organização de documentação institucional, o Preservo prevê uma série de normativas e planos sob uma política geral para a instituição com o objetivo de estabelecer os princípios gerais, as diretrizes, e objetivos específicos que orientam as atividades de constituição, preservação, gestão integrada e acesso aos acervos científicos e culturais sob a guarda da Fiocruz. Ela não se aplica ao patrimônio natural nessa primeira versão, restringindo-se ao patrimônio cultural, o que compreende os acervos arquitetônico e urbanístico, arquivístico, bibliográfico, museológico e às coleções biológicas. Além disso, define as responsabilidades e orienta o desenvolvimento de políticas específicas, programas, planos, e procedimentos que visam a preservação desses acervos.

A Política de Preservação dos Acervos Científicos e Culturais da Fiocruz foi aprovada pelo Conselho Deliberativo da instituição em 23 de abril desse ano, após um longo processo de validação na Fiocruz que envolveu uma consulta interna via web e sua submissão às Câmaras Técnicas de Informação e Comunicação; de Coleções Biológicas; e Gestão, além de diversas apresentações em diferentes instâncias colegiadas e deliberativas de várias unidades. Esse modo de avaliação e aprovação faz parte de uma das premissas do Preservo e que tem como cerne o modelo da Fiocruz de gestão participativa, entendendo que um documento dessa natureza deva ser construído coletivamente e ter adesão tanto pela base da instituição como de sua cúpula estratégica. A esse longo percurso pode se somar o convencimento às instituições responsáveis pela guarda de acervos da relevância em aderir ao projeto, da constituição pela Presidência de um grupo trabalho coordenado pela COC e composto por diversos representantes de unidades e setores da instituição.

Essa política está disponibilizada no Portal Fiocruz, em versões também em inglês e em espanhol, devido não só a dar visibilidade a esse importante ativo institucional, mas pela limitação de experiências no cenário internacional, principalmente no contexto latino-americano, de políticas institucionais de preservação que contemplem tal diversidade de tipologias de acervos, poder contribuir e estabelecer novas parcerias com outras instituições de guarda de acervos, o que inclui bibliotecas, arquivos, museus, universidades e demais instituições de ensino e pesquisa.

Como será a participação da Casa de Oswaldo Cruz?

Uma das conquistas resultantes da aprovação dessa política foi a institucionalização do Preservo e a constituição do Comitê Gestor do Preservo, uma instância colegiada que será responsável pela articulação e implementação da política, de suas diretrizes e ações, e que será coordenado pela COC. Além da coordenação, a COC terá no Comitê a participação de mais três integrantes, que representarão os acervos arquitetônico e urbanístico, arquivístico e museológico.

Que eventos internacionais estão vinculados a esta política?

A COC tem mais recentemente firmado algumas cooperações internacionais com foco no patrimônio cultural, como por exemplo com a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade Católica do Porto, e a Universidade de Évora no que se refere ao programa de mestrado profissional em preservação e gestão do patrimônio cultural. Entretanto, outras cooperações vieram se somar à essas por conta das ações que já decorrem do Preservo, e por conseguinte da política, e que podem ser citadas, são a já efetivada com a Apoyonline e a que está por concluir com o Laboratório Hercules, da Universidade de Évora, uma das maiores referências na Europa quanto a laboratórios de conservação de bens culturais.

A Apoyonline é uma rede de cooperação em conservação preventiva e de gestão de riscos e desastres de bens culturais, com sede nos Estados Unidos, com grande articulação com a Library of Congress e com o American Institute of Conservation – AIC, e conta com a participação de instituições e profissionais das Américas, além de Portugal e Espanha. No Brasil somos até o momento a primeira e única instituição a participar dessa rede. Apenas para entendermos o seu potencial, esse ano será realizado em outubro na Guatemala a conferência anual da Apoyonline que contará com a participação de profissionais de quinze países, contemplando a concessão de cinquenta bolsas para estudantes e profissionais latino-americanos atuarem no evento e participarem das palestras e workshops. Em 2019, comemora-se o aniversário de trinta anos da Apoyonline, e sua conferência ocorrerá pela primeira vez no Brasil, em final de setembro, num evento organizado conjuntamente pela Apoyonline, a COC e a Casa de Rui Barbosa, e que contará com a participação da Delaware University.

Como a sua sólida formação em engenharia pode contribuir para a área de preservação de acervos?

Apesar de ter feito minha graduação e ter atuado no meu primeiro ciclo profissional em engenharia elétrica, entendo que o se seguiu e que teve início em 1989 ao compor a primeira geração a trabalhar na preservação do Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos, na Fiocruz, foi todo direcionado ao campo da memória e do patrimônio cultural. Até mesmo se considerados meu mestrado e doutorado em engenharia de produção na Coppe, cujas características muitas das vezes aproximam-se mais da interdisciplinaridade do que das ciências exatas, tiveram dissertação e tese voltadas à memória, ao esquecimento e ao patrimônio cultural e museus. Por outro lado, não há como negar uma visão de planejamento, de gestão de projetos e o movimento interno, quase um vício, de compreender os processos contidos nas diversas ações de preservação e de valorização de acervos, e procurar estruturá-los, integrá-los e aperfeiçoá-los. Mas é bom compreender que ao contrário do que havia antes, ou seja, das questões que envolvem o patrimônio cultural estarem centradas nos arquitetos, e um pouco menos nos antropólogos e historiadores, o que se vê cada vez mais é o campo do patrimônio cultural ser interdisciplinar e intersetorial. A preservação e valorização de bens culturais pressupõem mais e mais a presença de diferentes especialistas como engenheiros, em especial civil, metalúrgico, químico e de materiais, conservadores, arquivistas, museólogos, designers, educadores, sociólogos, entre outros. E deve envolver comunidades e movimentos sociais, diferentes esferas e setores do poder público, instituições de pesquisa e ensino, representantes da sociedade civil organizada, para além dos tradicionais e conservadores órgãos de tutelas.

Baixe a Política de Preservação de Acervos da Fiocruz

Leia em HCS-Manguinhos:

Ciência e saúde: desafios ao patrimônio mundial, artigo de Marcos José de Araújo Pinheiro e José do Nascimento (Hist. cienc. saude-Manguinhos, v. 27, n. 2, abr/jun 2020)