Dezembro/2024
Marina Lemle / Blog de HCS-Manguinhos
Quando a história anda mais rápido e o futuro se faz presente, quem estuda o passado não pode perder tempo! Por isso, a revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos comemorou seu trigésimo aniversário de olho no que há de mais novo em termos de divulgação científica. Convidamos editores de periódicos de ciências humanas para discutirem temas candentes na cena nacional e internacional no evento Ciência aberta e os periódicos científicos de ciências humanas, realizado em 7 e 8 de agosto de 2024 na Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e transmitido ao vivo pelo YouTube.
Se a mesa de abertura teve a participação de fundadores da revista, que contaram sua história desde o mimeógrafo até as redes sociais, a última mesa do evento discutiu o cenário na última década e quais rumos as revistas de humanidades podem tomar.
A busca por novos caminhos foi o fio de meada que conduziu a mesa “Divulgação de periódicos científicos na área de ciências humanas”, com Ronaldo Araújo (Ufal), José Ragas (Pontificia Universidad Católica de Chile), Germana Barata (Labjor/Unicamp), Mariana de Moraes Silveira (revista Varia Historia/UFMG) e Roberta Cardoso Cerqueira (revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz). A mediação ficou a cargo de Vivian Mannheimer (Ascom/Casa de Oswaldo Cruz/revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos).
Nos próximos dias publicaremos reportagens sobre as falas e repercussões desta mesa de encerramento.
Começamos pelo primeiro orador, Ronaldo Araujo, que voltou recentemente do pós-doutorado no Centre for Science and Technology Studies, na Universidade de Leiden, Holanda. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor adjunto de Biblioteconomia da Universidade Federal de Alagoas, há anos ele realiza estudos de mídias sociais da ciência, observando como atores do sistema de comunicação científica se apropriam do ambiente online para dar maior visibilidade e promoção à ciência, e como isso reverbera na sociedade.
Araújo contou que quando começou a levantar boas práticas e práticas inovadoras no campo do marketing científico digital, a revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos foi um “achado maravilhoso”.
“Foi bom saber que já havia atores preocupados com a prática do que a gente discutia”, disse.
De 122 periódicos do SciELO presentes no Facebook, nove concentram 60% do engajamento
Membro do comitê de redes sociais da SciELO, que acompanha como as revistas têm lidado com o desafio de se fazerem presentes e ativas nas novas mídias, durante cinco anos – de janeiro de 2019 a dezembro de 2023 – ele participou de um estudo com revistas indexadas na base a partir de indicadores chave de desempenho nas redes: visibilidade (número de seguidores), influência (taxa de crescimento da audiência), engajamento (interações do público nas postagens) e reputação – indicador que combina as métricas anteriores (desempenho combinado).
Para embasar o estudo, a SciELO enviou um formulário a 314 revistas indexadas. Foram utilizadas 122 respostas de revistas com perfil próprio no Facebook – a rede social mais utilizada no período analisado. A maioria dos periódicos era de humanidades ou interdisciplinares. Segundo o estudo, nove revistas concentravam 60% de engajamento, sendo HCS-Manguinhos a segunda em engajamento, atrás apenas da Brazilian Journal of Chemical Society. Mesmo numa rede em declínio nos últimos cinco anos, há revistas com taxas de crescimento no Facebook, por causa do seu público adulto, ainda resistente a outras redes.
Araújo lembrou que há uma década a visibilidade já é um critério para indexação nas bases de periódicos. A SciELO, por exemplo, desde 2014 exige um plano de marketing de divulgação científica que inclua o uso de mídias sociais para a disseminação de artigos como instrumento para ampliar a visibilidade das pesquisas e contribuir com o fortalecimento da sua relevância cultural e social. A questão é: como fazê-lo?
Editor de mídias sociais: figura necessária
Segundo Araújo, nos fóruns de editores de periódicos científicos, em discussões sobre profissionalização e futuro da editoração científica, a atuação online sempre aparece como um desafio a ser enfrentado, mas fica claro que há poucos instrumentos para realizá-lo. “Isso acaba sendo mais uma atribuição que o editor acumula. Nesse ponto, acho muito interessante quando as revistas consideram incluir no corpo editorial a figura do editor de mídias sociais – uma pessoa que seja responsável unicamente pela sua manutenção, que conheça o universo da comunicação digital e sua dinâmica. Editoras grandes como a Taylor & Francis já fazem e recomendam isso desde 2011”, afirma.
O editor de mídias sociais, segundo o pesquisador, deve ter uma percepção de escuta social, o que, a seu ver, as revistas têm feito muito pouco, limitando sua atuação online, já que seu conteúdo não interage com o que está acontecendo socialmente. “Temos publicações recentes e algumas mais antigas que conseguem dialogar com uma preocupação recorrente daquela semana. Mas vejo nos planejamentos de divulgação que as revistas utilizam pouco isso”, observa.
“Divulgar as revistas nas mídias sociais de forma eficaz exige uma combinação de esforços de conteúdo de qualidade, estratégias de engajamento e uma análise contínua de resultados”, explica. E prossegue: “Mas que resultados? Essa atuação deixa registros, e ao rastreá-los, é possível identificar métricas que conseguem captar o desempenho dessa presença online. Temos trabalhado muito com métricas de mídias sociais combinadas com marketing científico digital, mas para isso as revistas precisam ter uma presença online, publicar conteúdos de qualidade e adequado ao canal em que estamos, e o mais desafiador: estabelecer uma atuação responsiva”.
Faltam humor, recursos multimídia e timing nas postagens
Segundo Araújo, a divulgação científica nas redes sociais no campo das humanidades tem revelado inovações interessantes, como o uso de narrativas visuais, imagem multimídia, vídeos curtos, podcasts e webinars interativos. Publicações com imagens chamam mais atenção. “Essas estratégias não só tornam o conhecimento mais acessível e atrativo, mas também fortalecem o senso de comunidade e pertencimento entre pesquisadores e o público em geral”, disse. Porém, a pesquisa mostrou que, num geral, as revistas ainda têm atuação muito voltada para dentro da sua instituição, com linguagem institucional e sem humor – recurso que praticamente nenhuma revista utiliza e que ele considera interessante para atrair pessoas. No período analisado, as revistas científicas não utilizaram memes.
O estudo mostrou ainda um descompasso entre os horários e dias de maior publicação e quando as redes têm mais engajamento. Normalmente, as postagens são feitas nos dias úteis, entre 10h e 20h, durante o horário de trabalho, enquanto a maior interação nas redes acontece nas quintas-feiras à noite e aos domingos.
Compreender para transformar
O pesquisador ressaltou que constantes alterações no algoritmo do Facebook têm diminuído de forma considerável o alcance de postagens de páginas, mas adultos seguem interagindo na rede. Sobre o chamado “capitalismo de plataforma”, ele defendeu que, para além de resistir, precisamos compreender, para poder transformar.
Araújo citou a crítica de Naomi Wells à relutância da comunidade das humanidades em se engajar na pesquisa sobre mídias sociais publicada num artigo no blog Talking Humanities, da Escola de Estudos Avançados da Universidade de Londres: “As contribuições críticas e criativas dos pesquisadores de humanidades são vitais para compreender e, por sua vez, transformar a nossa era das mídias sociais”.
Assista a mesa completa:
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