Museu do Meio Ambiente estimulará debates sobre questões ambientais

Fevereiro/2014

Henrique Lins de Barros

Henrique Lins de Barros. Foto: Arquivo pessoal

Bactérias magnéticas formaram o primeiro elo entre a física e a biologia na carreira de Henrique Lins de Barros. Físico por formação, intriga-lhe a vida – tão diversa e ao mesmo tempo frágil e insistente – a desafiar cientistas em busca do seu significado.

Questões como perda de biodiversidade e desenvolvimento sustentável no modelo econômico vigente, às quais a ciência ainda tem poucas respostas,  estão na pauta de Lins de Barros como chefe do Museu do Meio Ambiente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, cargo que assumiu em janeiro de 2014.  Para o pesquisador, é preciso traduzir para a sociedade os resultados de pesquisas realizadas pelo Jardim Botânico. O blog de HCS-Manguinhos entrevistou o pesquisador.

Que contribuições espera dar ao Museu do Meio Ambiente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro?

O Museu do Meio Ambiente é um espaço nobre no sentido de ser um dos braços de ação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e ter sob sua responsabilidade um acervo de mais de 200 anos. É um museu recente e atuou, até o momento, como um espaço de exposições. O caminho natural é o de avançar no sentido do Jardim Botânico, através do museu, abordar não só a sua história como os desafios que aparecem hoje em torno de uma nova consciência da questão ambiental. Vivemos hoje ouvindo as notícias de perda da biodiversidade, dos problemas associados a um modelo econômico incompatível com a permanência dos humanos no ambiente natural, o risco de extinção de espécies e outros tantos aspectos que dá a sensação de ser impossível esperar que a vida humana possa continuar existindo na Terra nos próximos séculos. Esses são assuntos que chegam à sociedade e a ciência tem pouca resposta. O museu, como museu de ciência, deverá contribuir para o debate.

Como o rico acervo de pesquisa do Jardim Botânico, instituição com dois séculos de existência, pode ser transformado em conhecimento social? Gostaria de destacar alguma pesquisa em desenvolvimento?

Nesse momento inicial estamos inventariando o acervo que se encontra disperso em vários locais e precisa ser pesquisado. Estamos trabalhando em algumas propostas de exposições e temos um conselho curador composto por especialista de reconhecida competência e experiência, que estarão ajudando a pensar as atividades desenvolvidas no museu. Hoje o prédio do museu está em obras e é prevista a abertura no segundo semestre. O museu possui um acervo de mais de 18 mil fotografias que vêm desde fins do século XIX e que já estão digitalizadas e catalogadas. Muitas dessas fotografias estão identificadas, enquanto outras ainda precisam ser estudadas. Além disso, um grande número de objetos, como mobiliário e estatuário fazem parte do acervo. E, naturalmente, instrumentos científicos que foram usados em pesquisas.

E, evidentemente, não se pode ficar olhando só para o passado. É preciso se trabalhar na tradução de resultados de pesquisa atualmente realizados pelo Jardim Botânico para apresentá-los à sociedade. No momento estamos começando a entender esse vasto material.

Quais os principais desafios ambientais hoje e como o Museu do Meio Ambiente pode contribuir?

O Museu do Meio Ambiente deverá dar continuidade a suas ações voltando-se para o trabalho de pesquisa realizado pelo Jardim Botânico e tratando temas que a questão ambiental tem levantado: o risco de perdas desenfreadas de espécies devido às ações antrópicas, a dificuldade de se propor um modelo que seja compatível com a fragilidade do ambiente, a ideia, ainda pouco compreendida, do que significa um desenvolvimento sustentável no modelo econômico vigente, o pensamento religioso normalmente tema pouco abordado neste campo de pesquisa e conhecimento, mas que permeia todas as sociedades.

A newsletter do JBRJ afirma que o senhor assume com “o desafio de institucionalizar o Museu do Meio Ambiente.” O que significa isso?

O Museu do Meio Ambiente estabeleceu-se como um museu no Jardim Botânico, não como um museu do Jardim Botânico. O Museu do Meio Ambiente é muitas vezes visto como um belo prédio que está situado ao lado do Jardim Botânico. Na verdade o museu é do Jardim Botânico, faz parte dele e de sua estrutura organizacional. Nesse sentido, o museu tem que estar integrado às demais atividades do jardim, dialogando com os pesquisadores, com os programas educativos, com as atividades de lazer que se desenrolam no Arboreto.

Sua trajetória vai da física à história e ao meio ambiente. O que aprendeu nesse caminho?

A física me mostrou a necessidade de ter uma disciplina no trabalho e certa dose de inventividade, dois aspectos que podem parecer contraditórios, mas que são, de fato, complementares. Por um lado temos que ter um método, conhecer e respeitar as técnicas e as ferramentas que estamos trabalhando, por outro temos que pensar em aspectos que não estão prontos, e aí podemos propor uma solução diferente. Eu acredito que qualquer pessoa que se dedique ao estudo da ciência inevitavelmente se debruça sobre a história do pensamento, de como as ideias evoluíram abrindo novos campos. A história da ciência é abrangente e sedutora. E, ao olharmos para o passado, vemos que a divisão estreita em disciplinas não é satisfatória.

Quando terminei meu doutorado com o prof. Humberto Brandi, na época na PUC/RJ, tomei conhecimento das bactérias magnéticas, um assunto que na época era uma novidade e parecia ser uma singularidade de rara ocorrência. No CBPF, Darci Motta junto com o prof Richard Frankel do MIT, que estava no Brasil na época e introduziu o assunto a convite do prof. Jacques Danon, fez os primeiros trabalhos. A primeira coleta com bactérias foi realizada no Jardim Botânico. Logo me aderi ao grupo e comecei a fazer observações e coletas.

A física – o magnetismo, o estudo do movimento em fluidos viscosos etc – e a biologia – o estudo dos seres vivos, as ideias de evolução por seleção natural – despertavam, na época, meu interesse. Juntei o meu lado de físico com o meu interesse sobre o estudo da vida. Eu ia fazer o meu doutorado com o prof. George Bemski, em biofísica, mas, por razões pessoais, não foi possível, e desenvolvi trabalhos em física atômica. Ao começar a trabalhar com bactérias capazes de produzir cristais magnéticos e utilizar o campo magnético terrestre como elemento essencial para sua sobrevivência, juntaram-se física e biologia.

A enorme diversidade da vida, a espantosa fragilidade de um ser vivo, a impressionante insistência da vida que ocorre nos mais diversos ambientes, passaram a ser parte do meu interesse.

O que aprendi? A minha dificuldade e ignorância para entender o significado da vida. A ciência não sabe responder a pergunta: O que é vida? É capaz de descrever ou explicar alguns processos, mas sempre de forma reducionista.

O senhor é a principal referência brasileira no estudo sobre Santos Dumont. Pode explicar este encantamento?

Aviões e aviõezinhos sempre me fascinaram desde a infância. Acho máquinas maravilhosas capazes de realizar proezas impressionantes. Os aviões são exemplos de uma invenção tecnológica de extrema complexidade. Chegaram para mudar a sociedade. O século XVI é conhecido como século das grandes navegações. O século XX passará para a história como século em que o homem aprendeu a voar, a transportar matéria a grande velocidade, a permitir a troca entre povos distantes. O avião modificou a política, contribuiu para a globalização, alterou as guerras. E nada mais natural para uma pessoa formada em física tentar entender o voo e o que foi tão difícil de ser resolvido e que dificultou a construção do primeiro aparelho capaz de realizar um voo controlado. Isso envolve um bom conhecimento da mecânica, da aerodinâmica, da termodinâmica, da utilização de novos materiais, da elaboração de estruturas leves e resistentes,…

Santos Dumont era um cientista, não um aventureiro que se arriscava a experimentar qualquer artefato. Ele tinha um conhecimento elaborado das questões que surgiam ao se tentar construir um aparelho voador. Ele foi capaz de identificar os problemas e propor soluções. Realizou o primeiro voo dirigido de uma aeronave (com o dirigível N-6, em 1901), inventou o primeiro avião capaz de decolar, voar e retornar ao solo sem acidentes (com o 14bis, em 1906) e construiu o primeiro avião individual, o ultraleve (com o Demoiselle de 1908). Em cerca de dez anos idealizou, construiu e testou mais de 25 inventos diferentes.

(Por Marina Lemle – Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos)

Leia em História, Ciências, Saúde – Manguinhos:

Conciliar o útil ao agradável e fazer ciênciaJardim Botânico do Rio de Janeiro – 1808 a 1860 – artigo de Begonha Bediaga (vol.14, no.4, dez 2007)

Como citar este post [ISO 690/2010]:
Museu do Meio Ambiente estimulará debates sobre questões ambientais. Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. [viewed 17 Februay 2014]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/museu-do-meio-ambiente-estimulara-debates-sobre-questoes-ambientais/