Abril/2015
Rodrigo de Oliveira Andrade |
Revista Pesquisa Fapesp
O médico Borges da Costa (de bigode) e a cientista Marie Curie (centro), durante sua visita ao Instituto de Radium de Belo Horizonte, em 1926. © CENTRO DE MEMÓRIA DA MEDICINA DA UFMG
Em agosto de 1926, após longa viagem vinda de Paris, a química polonesa Marie Curie desembarcou em Belo Horizonte para uma conferência na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais sobre a radioatividade e suas possíveis aplicações na medicina. Em sua mala, a prêmio Nobel de Física, em 1903, e Química, em 1911, trazia duas agulhas de rádio usadas na irradiação de tumores. Durante a visita, a cientista aproveitou para conhecer o Instituto de Radium de Belo Horizonte, primeiro hospital especializado no uso da radioterapia contra o câncer no Brasil — e para o qual doou as agulhas. As circunstâncias que permitiram sua criação quatro anos antes, em setembro de 1922, surgiram em meio a uma atmosfera de cruzada contra a doença, sobretudo na Europa, no início do século XX, que incentivou médicos brasileiros, como Eduardo Borges Ribeiro da Costa, a expandir suas pesquisas em radioterapia.
Lançamento da pedra fundamental do edifício do instituto, em 1921. © CENTRO DE MEMÓRIA DA MEDICINA DA UFMG
Em 1920, ao voltar de uma temporada de estudos na Europa, onde conheceu a cientista e a sua obra, o médico se viu diante do aumento dos números de casos de câncer em Minas Gerais. Frente à situação, Borges da Costa, especialista na extirpação de tumores com o bisturi, conseguiu apoio do então presidente do estado, Arthur da Silva Bernardes, para a construção do Instituto de Radium. Erguido nos fundos da Faculdade de Medicina da Universidade de Belo Horizonte — hoje Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) —, o instituto tinha como objetivo o estudo e as aplicações terapêuticas dos raios X e do rádio, elemento químico identificado por Marie Curie e seu marido, Pierre, em 1898. Essas tecnologias, além de recentes, eram difíceis de ser manejadas. Na dose certa, a radiação era eficiente para matar o tumor, mas qualquer erro na dosagem poderia danificar os tecidos sadios próximos.
Fachada do edifício que abrigava o hospital. © CENTRO DE MEMÓRIA DA MEDICINA DA UFMG
Em 1924, Belo Horizonte, com uma população de 75 mil pessoas, registrou 56 mortes por câncer, de modo que a inauguração do Instituto de Radium, em 1922, representou muito mais que a criação do primeiro hospital oncológico do Brasil, segundo a historiadora Ethel Mizrahy Cuperschmid, do Centro de Memória da Medicina da UFMG, que estudou os primeiros anos do hospital com sua colega Maria do Carmo Salazar Martins. “Com agulhas radioativas e outros equipamentos e médicos modernos, o instituto atraiu doentes de todo o Brasil”, observa. As historiadoras resgataram um pouco da história e da rotina do instituto analisando o livro de registro de pacientes que encontraram em uma de suas alas prestes a ser reformada.
Livro de registro de pacientes. © BRUNA CARVALHO
Com 199 páginas, algumas bastante desgastadas, outras mordiscadas por traças e cupins, o livro contém nome, idade, local de nascimento, diagnóstico, data de óbito e detalhes do tratamento de 1.653 pessoas diagnosticadas com algum tipo de câncer entre 1923 e 1935. Nesses 12 anos, 481 pessoas morreram no hospital, das quais 45,3% em decorrência da doença, segundo dados encontrados no documento, hoje preservado no Centro de Memória da Medicina da UFMG. O livro registra ainda pessoas atendidas que enfrentaram longas viagens a partir de seus estados para se tratar no instituto. Os médicos não contavam com muitas alternativas à época: ou extirpavam o tumor cirurgicamente, retirando também uma área vasta de tecido sadio como forma de evitar o reaparecimento da doença, ou o destruíam com radiação. “Era uma escolha entre o raio quente e a faca fria”, comentaram as pesquisadoras em um artigo que detalha suas análises, publicado na revista
História, Ciência, Saúde — Manguinhos.
Mantido com recursos públicos, o instituto comprava rádio da França, com certificados de dosagem assinados por Marie Curie. O edifício projetado para abrigar o hospital tinha corredores e portas largas e grandes janelas, que aumentavam a iluminação e ventilação dos ambientes. Em 1950, a instituição ganhou o nome Instituto Borges da Costa, em homenagem a seu fundador, morto naquele ano, e em 1964 foi outra vez renomeada, desta vez como Hospital Borges da Costa. O prédio foi restaurado e hoje funciona como ambulatório para pacientes com câncer. Atualmente, os tratamentos radioterapêuticos são feitos em outros hospitais da cidade.
Fonte:
Revista Pesquisa Fapesp
Leia em HCSM:
Instituto de Radium de Minas Gerais: vanguarda da radioterapia no Brasil, 1923-1935, artigo de Ethel Mizrahy Cuperschmid e Maria do Carmo Salazar Martins