Medicina legal, 1918: quem ensina e como?

Agosto/2015

Ede

Ede Cerqueira

O ensino prático da medicina legal gerou grandes controvérsias em 1918 entre sociedades científicas e em especial na Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, fundada em 1907. A semente da discórdia foi a criação, no início de 1917, do curso de Medicina Pública da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro por iniciativa de um grupo de professores. O curso de especialização para médicos e doutorandos, facultativo, condensava as matérias de higiene e medicina legal em uma mesma disciplina, com um caráter eminentemente prático, de forma a suprir as deficiências de preparo dos peritos e médicos sanitários nos cursos oficiais de medicina clínica.

Em outubro de 1917, porém, um “protesto” foi apresentado por dois peritos do Serviço Médico-Legal contra o funcionamento das aulas. No Serviço Médico-Legal, os professores do curso realizavam as perícias médico-legais na presença dos alunos, utilizando os relatórios das perícias como material de estudo. Segundo o médico-legista Rodrigues Caó, ao servir-se “da perícia médico-legal como assunto de exemplificação prática a seus alunos”, os professores do curso feriam “o princípio universal do sigilo pericial” de maneira inaceitável. O debate foi registrado em edições do periódico da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal. Por causa da controvérsia, em 1919 foi criado um novo periódico da entidade, chamado Arquivos Brasileiros de Neuriatria e Psiquiatria, sem o termo “medicina legal” no fim, como no periódico anterior, que durou de 1908 a 1918.

Para Ede Cerqueira, autora da nota de pesquisa “A perícia médico-legal e o ensino: dissidências e discussões na Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal“, publicada na edição atual de HCS-Manguinhos (vol.22 no.2, jan./abr. 2015), a troca de acusações mostra que os dois grupos buscavam demarcar suas esferas de atuação. Os peritos acusavam os professores do curso de não respeitarem a autonomia do Serviço Médico-Legal em relação à faculdade de medicina. Já os professores acusavam os peritos de monopolizar a formação prática do cargo e a utilização das perícias nas dependências do Serviço Médico-Legal. Ambos os lados, portanto, disputavam quem seria responsável pela formação especializada da perícia médica baseada no ensino prático.

“O que estava em disputa era muito mais que a simples realização de um curso, mas a delimitação de autoridade sobre o campo de formação profissional dos peritos médicos legistas”, afirma a pesquisadora, que é doutoranda da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.

Leia em HCS-Manguinhos:

A perícia médico-legal e o ensino: dissidências e discussões na Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, artigo de Ede Cerqueira (vol.22 no.2, jan./abr. 2015)