Naomar Almeida Filho *
Como minimizar contradições e eventuais conflitos entre bom atendimento clínico e diversidade de abordagens, explorações e descobertas científicas? Como estimular uma educação médica “baseada em evidências” sem fragilizar a relação médico-paciente? Como combinar humanização e efetividade no cuidado em saúde? Na medicina, a qualidade da evidência é fundamental, especialmente sobre validade de testes diagnósticos, poder preditivo de marcadores prognósticos e efetividade de procedimentos terapêuticos e preventivos.
A resposta a essas questões gerou o movimento da Medicina Baseada em Evidências (MBE), em inglês “Evidence-Based Medicine” (EBM), no final do século 20. Buscava-se aumentar a eficiência e qualidade dos serviços de saúde prestados à população e diminuir os custos operacionais dos processos de prevenção, tratamento e reabilitação. Do ponto de vista histórico, as raízes da MBE encontram-se no movimento de consolidação dos sistemas de saúde da Inglaterra, com a implantação do Sistema Nacional de Saúde (NHS), tendo como patrono o médico escocês Archibald Cochrane, pioneiro da epidemiologia clínica, da microeconomia da saúde e da “medicina centrada na pessoa”.
A MBE se estrutura no Canadá, nas décadas de 1980-1990, com a finalidade de promover a melhoria da assistência à saúde e uma profunda reforma no ensino médico no contexto do famoso Relatório Lalonde, e tem como figura emblemática o epidemiologista e clínico norte-americano David Sackett.
Personalidades carismáticas, Cochrane e Sackett exerceram profunda influência na formação de quadros científicos, gestores e políticos preocupados com a qualidade das intervenções médicas em todo o mundo, estabelecendo a importância das evidências científicas na tomada de decisão sobre cuidado a pacientes para avaliação da efetividade dos tratamentos, acrescida da experiência do médico (construída de forma científica e estruturada) e das preferências do paciente.
O objetivo deste estudo foi avaliar duas vertentes articuladas do movimento institucional chamado MBE: por um lado, como modo de cuidado orientado pelo conhecimento científico na prática clínica e, por outro lado, como modelo de formação profissional caracterizado pela aprendizagem baseada em problemas, principalmente na educação médica.
Para melhor apreciação de contexto e aspectos simbólicos desse importante movimento, em primeiro lugar, analisa-se alguns elementos definidores da chamada medicina científica, fundante das tecnociências aplicadas às práticas de saúde na contemporaneidade. Além disso, avaliam-se as propostas atuais de uma Prática Baseada em Evidências (PBE – termo expandido utilizado pela literatura para incluir outras áreas da saúde) para mudanças nas práticas clínicas e melhoria da qualidade do cuidado e da assistência prestados ao paciente e aos seus familiares.
*Professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e professor aposentado do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia
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