Entrevista / KEYLA BELIZIA FELDMAN MARZOCHI
Novembro/2018
O Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), no Rio de Janeiro, comemora seu centenário esta semana com o simpósio INI 100 anos: Integrando saberes na construção do conhecimento em doenças infecciosas, que acontecerá de 6 a 9 de novembro nos auditórios do Museu da Vida e do Pavilhão de Ensino do INI. Para apresentar o Instituto e sua importância aos leitores de HCS-Manguinhos, convidamos a médica, pesquisadora e gestora Keyla Marzochi, que encabeçou a reestruturação do Instituto nos anos 1980, sob os impactos da epidemia de HIV/Aids. Qual a importância do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas para a saúde pública no Brasil, tendo em vista que este é o ano de seu centenário e dos 30 anos do Sistema Único de Saúde? A importância do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas para a Saúde Pública no Brasil, nos últimos 30 anos, em concomitância com a criação e o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde pública (SUS), foi demonstrada por sua atuação, de forma ágil e oportuna, frente a epidemias, surtos ou suspeição de novos ou renovados agravos à Saúde no país. Foi assim com a introdução da Aids; a reintrodução de Dengue; a detecção do HTLV em diferentes formas neurológicas; a suspeita de pessoas expostas ao Bacilo antraz de materiais (criminosamente enviados em correspondências) também processados no Evandro Chagas, e à Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave); a identificação do primeiro surto de esporotricose sob a forma predominante de zoonose por meio do gato, no Rio de Janeiro, hoje em expansão a muitos estados; a demonstração dos riscos diferenciados da transmissão do vírus Zika ao feto no decorrer da gestação, à instalação da epidemia no Brasil; a identificação recente de paracociodomicose em forma de surto, na área do “Arco Metropolitano” do Rio de Janeiro. Além de descobertas como do Trypanosoma caninum; da demonstração na Leishmaniose Tegumentar de novas alternativas terapêuticas; da ocorrência de efeitos adversos em teste imunoclínico de uso tradicional levando a mudança de veículo nas Leishmanioses; de propostas de controle terapêutico e/ou prevenção do HIV, da doença de Chagas, tuberculose, esporotricose e outras nosologias; de metodologias diagnósticas. Entre as inúmeras e diversificadas contribuições para o SUS como referência, parcerias nacionais e internacionais e destaques na literatura internacional. De tudo isso resultando a contribuição ativa dos profissionais do INI em diversos guias de orientação clínicos e de vigilância em saúde nacionais e internacionais. Destacam-se também, em associação, a formação de recursos humanos para o SUS em nível técnico e de especialização, por meio da oferta regular de cursos e estágios, e de Residência Médica, e o decorrente ensino de Pós-Graduação senso estrito em Pesquisa Clínica em Doenças Infecciosas. Toda essa gama de contribuições à saúde pública, que é mais do que centenária, pois tem origem pelos anos de 1907-12 ainda no “hospital sem prédio” e já sob a denominação de Hospital Oswaldo Cruz – ocupando áreas cedidas do Hospital S. Sebastião, da Santa Casa do Rio de Janeiro, ou em campo, improvisado em Lassance, MG -, foi centrada na atenção qualificada ao doente. Ao mesmo tempo, porém, cruel paradoxo, depois de muitos reveses, nesses últimos 30 anos de atenção de referência ímpar e reconhecida produção de conhecimento para a Saúde, o numero de leitos do INI Evandro Chagas veio reduzindo, para corresponder às exigências de biossegurança, assim como os espaços dos laboratórios, e os demais, sem compensações. Com isso, perde o SUS, a Fiocruz, e perdem-se vidas. Quais foram os principais objetivos da reestruturação do atual Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas no contexto da redemocratização em meados dos anos 1980? O contexto da redemocratização nos anos 1980 era de entusiasmo febril sem espírito de revanchismo, mas de construtivo proveito. Encontros de Saúde Comunitária realizavam-se por diferentes regiões em preparação à participação na 8ª Conferência Nacional de Saúde onde se aprovou as principais teses da Reforma Sanitária, da qual o então presidente da Fiocruz Sergio Arouca era líder inconteste. Trocas objetivas com base em estudos de atenção clínica, epidemiológicos, laboratoriais se realizavam entre os participantes das diferentes regiões do país, com destaque de Rio, S. Paulo, Minas e Paraná, redundando em propostas aprovadas na grande assembleia da Conferência que vieram a ser incorporadas à Constituição Brasileira de 1988. Em 1985, assumindo a presidência da Fiocruz, Arouca havia se deparado com o “problema” do Hospital Evandro Chagas, então rico apenas por seu nobre passado de muitas contribuições ao antigo Instituto Oswaldo Cruz, não só das primeiras décadas, mas de meados dos anos 1940-50, motivo pelo qual fora agraciado com um novo e moderno prédio onde funcionou entre 1958-78 (o pavilhão 26) com capacidade em torno de 100 leitos. Porém, nos sete anos seguintes, retornou forçosamente ao original Pavilhão Gaspar Vianna por conta de reforma no prédio hospitalar (26) para torná-lo um Centro Clínico que abrigasse também o Instituto Fernandes Figueira, o que avançou, mas não se concluiu; o Hospital Evandro Chagas encolheu, reduzindo atendimento e pesquisa, sem espaço para novas tecnologias de laboratório, não atraindo novos pesquisadores, e se acomodando. Com a departamentalização do Instituto Oswaldo Cruz, depois que este, como uma unidade, integrou-se à Fundação Osvaldo Cruz, criada em 1970, que agregou outras instituições federais como a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) e o Instituto Fernandes Figueira (IFF), o Hospital tornou-se um dos 16 Departamentos do novo Instituto Oswaldo Cruz (IOC). Nessa condição, contribuía para algumas pesquisas dos demais Departamentos interessados em estudos a partir de espécimes de pacientes. Em 1985, sabendo da possibilidade de eliminação do Hospital da Fiocruz, sugerimos ao Presidente Arouca sua reestruturação para pesquisa como finalidade primeira. Ele se entusiasmou com a ideia e criou uma comissão para produzir o projeto de reestruturação que integramos (era Professora-Adjunto de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFRJ) ao lado da Dra Tizuko Shirawia, chefe do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria (Ensp), e do Dr. Joaquim Moreira Nunes, diretor da Superintendência de Administração Geral (SAG), como coordenador. O objetivo era propiciar a Fiocruz um hospital em doenças infecciosas de referência para o SUS, com finalidade de pesquisa visando responder a demandas prioritárias de conhecimento, seja em novas e antigas doenças, seja na avaliação de novas e velhas tecnologias, seja em práticas de atenção ao paciente, com a participação tradicional na área das Doenças Infecciosas, do tripé clínica, laboratório e epidemiologia, mas, também, agregando outras especialidades médicas, e os demais e diversos profissionais da equipe de saúde, participando, igualmente, da atenção para a pesquisa e da gestão no Conselho Departamental, presidido pela Direção. Para isso, além da estrutura física e tecnológica adequada, era necessário o investimento progressivo na qualificação pós-graduada dos profissionais da equipe de saúde, bem como em parcerias não só com os demais departamentos do Instituto Oswaldo Cruz e outras Unidades, mas com outros Hospitais da rede de saúde de alta complexidade para as trocas em pesquisa e serviço, mormente os universitários. O que a senhora destacaria como importante e próprio na pesquisa clínica ampliada desenvolvida no INI? Hoje, o que denomináramos como pesquisa clínica ampliada, vem se estabelecendo como tendência geral no século 21. Quando construímos o conceito de pesquisa clínica no Evandro Chagas a denominamos inicialmente de “integral e ampliada”. O conceito de integral era anterior, não criado por nós, dizendo respeito à integralidade do atendimento ao paciente como um todo. Mais tarde veio a política de “humanização do atendimento”, pelos começos de 2000, que sempre me soou com certo grau de doação, indicando relação de superioridade do profissional, concessão superior, eu lhe concedo; e não, eu o respeito. Respeito que é direito do paciente e o que deseja, e que se desenvolve pelo dever profissional de alteridade e empatia, ver o outro em seu espaço e colocar-se em seu lugar se possível. Além do mais, como tínhamos no INI (então Ipec) o atendimento aos animais domésticos, eu brincava dizendo que a política se aplicaria a eles. Mas, antes de tudo, vale destacar o pioneirismo da nossa proposta originada em meados dos anos 1980; e justificar a importância da pesquisa clínica ampliada não só por envolver, necessariamente, o trabalho de uma equipe interdisciplinar, mas sim por derivar do olhar ampliado sobre o paciente, visando estudar seu processo de adoecimento, no contexto de sua vida pessoal, social e ambiental. Assim, rompia-se com a pesquisa tradicional sobre a doença ao desenvolvê-la sobre o doente, invertendo a mão em relação à pesquisa clássica em medicina tropical, a que nos filiávamos. Inovava ao interpretar um axioma da medicina clínica à luz da pesquisa: “Não existe doença, existe doente.” E mais, sem se limitar apenas ao olhar médico, essencial e primeiro, diferenciava-se agregando a clássica visão clínica-laboratorial-epidemiológica ao conhecimento de outras doutrinas de interface na atenção à saúde. Envolvia, assim, o conceito da multi e interdisciplinaridade na geração da pesquisa por meio da organização do trabalho. À época, porém, essa proposta em um hospital ainda que definido para pesquisa de “doenças” infecciosas, por mais que aceita com entusiasmo e atraindo acadêmicos e profissionais cujo grande potencial revelou-se no tempo, implicava uma mudança profunda de cultura, na prática. E como fazer – não só na década de 1980, mas adentrando as duas seguintes? Em linhas gerais e primordialmente, fazendo compreender e considerar como Clínica toda atividade realizada por profissionais na relação com o paciente; e que, quaisquer dessas atividades, tornando-se objetivo de estudo, correspondentes à pesquisa clínica. Seja o estudo feito pelo médico assistindo o paciente no consultório, no leito ou no campo, seja pelos demais profissionais da equipe de saúde em qualquer local, seja por profissionais de laboratório ao examinar biopsias, secreções, excretas ou imagens do paciente (visto ali além de sua pele, de seus olhos, sua garganta, seu coração…) ou também indo a campo. Tendo a visão epidemiológica como pano de fundo. Vale lembrar que, na multifacetada área das doenças infecciosas, sobretudo em pesquisa, a partir da detecção de determinado “caso clínico” podem-se abrir inúmeros desafios ao conhecimento: desde os sinais e sintomas de uma nova ou velha doença até a detecção do agente biológico ao nível imunológico, celular e molecular; e envolver, no processo de transmissão, o meio ambiente, o domicílio, neste, além dos comunicantes, animais domésticos como reservatórios do agente, vizinhos, e, no ambiente hospitalar, fômites e portadores. Mais ainda, que a pesquisa clínica ampliada, de forma indireta em relação ao paciente, pode e tem envolvido outros profissionais. E aqui ressalto a participação inestimável de veterinários, com a criação do serviço de zoonoses levando a resultados marcantes para o conhecimento e a vigilância epidemiológica no país. Bem como, emblematicamente, expressando a identidade estendida de pesquisa do Hospital, destaco os resultados do Mestrado e Doutorado (Uerj) de uma profissional de estatística do Serviço de Documentação dos Pacientes, que demonstrou, por estudos de sobrevida em AIDS, que era comparável, no Hospital Evandro Chagas, à sobrevida observada em hospitais da Europa e Estados Unidos, ainda nos anos 1990. Por outro lado, em nível de gestão, buscávamos justificar a Pesquisa Clínica Ampliada, dentro e principalmente fora do Hospital, por uma também ampliada produção de resultados. Uma vez que, sendo feita por médicos infectologistas e de outras especialidades médicas associados entre si e aos profissionais de laboratório (biólogos, bioquímicos ou médicos) garantia-se seu aprofundamento especializado, e, ao lado dos demais profissionais da equipe de saúde, de formação menos biológica e mais geral (psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, farmacêuticos) se alargaria o conhecimento sobre o paciente e seu entorno, e o diferenciaria. Além de outras contribuições profissionais paralelas. Dessa forma, como pesquisa clínica ampliada propunha-se a diversificar e multiplicar a produção científica valendo-se da mesma capacidade instalada, estrutural e funcional, necessária à assistência de referência propiciada ao SUS. Pela qualidade dos profissionais incorporados, questão primordial na reestruturação do Evandro Chagas, rapidamente preparou-se para oferecer a assistência qualificada, tornando-se campo para desenvolvimento de dissertações e teses, além de estágios desde o nível técnico. O estímulo ao desenvolvimento acadêmico de seus profissionais foi uma política que se destacou e redundou progressivamente nas atividades de ensino e extensão ao SUS por meio de cursos regulares, de especialização e residência médica; depois a criação da Pós-graduação Senso Estrito – Mestrado e Doutorado – em Pesquisa Clínica em Doenças Infecciosas, e adiante incluído o Mestrado Profissional. Dentre as contribuições técnico-científicas para o SUS e ao nível internacional, publicadas em periódicos de impacto, viabilizadas pela característica do atendimento por equipe de forma inter-profissional, e pautado em, ou pautando, as mais recentes diretrizes terapêuticas, destacam-se: Aos pacientes de doença de Chagas – propostas de classificação da cardiopatia chagásica aprovada no I Consenso Brasileiro (2005) e atualizado (2015); de escore para profilaxia do acidente vascular cardioembólico incorporado na I Diretriz Latino-Americana (2009); de escore para risco da morte súbita (principal causa de morte desses doentes); e, pela coorte do INI, validação do escore de Rassi de prognóstico e mortalidade (NEJM, 2006); participação no Consenso Espanhol de doença de Chagas (2007); no Manual de Co-Infecção DChagas-HIV (2006); no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da CONITEC–Ministério da Saúde (2018); no Consenso Brasileiro e Europeu de Imagem Cardiovascular para Avaliação da Doença de Chagas (2018) e nas redes e plataformas de atuação e estudo. Além de, em capacitação de pessoal e pesquisa, inúmeras parcerias em campo e hospitais na América Latina e na Espanha, pela tendência à globalização da doença de Chagas. Em Leishmanioses – incorporação no atlas de Leishmaniose Tegumentar (Diagnóstico clínico e diferencial) – Ministério da Saúde, de proposta de classificação clínica das formas mucosas (2004); padronização de teste de imunodiagnóstico clínico de Montenegro (2007) e avaliação de seu valor preditivo no tratamento (2014); estudos de Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia sobre a forma mucosa da Leishmaniose e toxidade do tratamento antimonial – vertigens (2010); distúrbio de audição (2014); e voz (2014); estudo do estado nutricional na evolução clínica e terapêutica em adultos e idosos com LTA (2013); incorporação no Manual de Vigilância da Leishmaniose Tegumentar Americana do Ministério da Saúde (2017) de: critérios de cura da forma cutânea definidos com base clínica – a partir do acompanhamento de longo prazo de pacientes, com estudos de expressão de marcadores de atividade celular e polimorfismo genético da Leishmania brasiliensis; incorporação de propostas de critérios de cura associados à resposta terapêutica pelo tratamento intralesional – para prevenção de efeitos adversos ao antimonial; do tratamento com doses baixas desse medicamento inclusive em idosos. E para além de vasta produção científica clínica-laboratorial na área de diagnóstico molecular, imunologia, co-infecções e de epidemiologia envolvendo a leishmaniose visceral humana e canina. Bem como, relevantes e contínuas contribuições ao Ensino multiprofissional, do nível técnico e superior com avaliação de egressos, ao senso estrito de pós-graduação. Aos pacientes de HIV/AIDS e sua prevenção – entre as contribuições mais significativas do INI destacam-se: as evidências geradas dos dados da coorte de pacientes, sobre a sobrevida das pessoas que vivem com HIV/AIDS, causas de morte, fatores associados à mortalidade, à adesão ao tratamento, à eficácia de esquemas de tratamento de primeira e segunda linha, à saúde reprodutiva da mulher com infecção pelo HIV, bem como em HPV entre homens e mulheres com HIV, que foram fundamentais para a elaboração de políticas públicas (2006, 2007, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2016); a ocorrência de outras doenças sexualmente transmissíveis em coorte de mulheres vivendo com HIV/AIDS (2006); a demonstração de que o tratamento precoce da infecção pelo HIV reduz significativamente a mortalidade entre pessoas que vivem com o HIV (2011), terminando por quebrar os paradigmas do tratamento antirretroviral e, em decorrência, dar início ao tratamento tão logo o diagnóstico da infecção pelo HIV seja realizado (2015); a demonstração de que o tratamento antirretroviral é eficaz na redução da transmissão sexual da infecção pelo HIV entre casais heterossexuais e entre casais de homens que fazem sexo com homens (2014), e contribuindo para consolidar a evidência científica de que a transmissão sexual do HIV não ocorre quando uma pessoa em tratamento antirretroviral está com a carga viral indetectável (2018); a demonstração da eficácia da profilaxia pré-exposição na prevenção da aquisição da infecção pelo HIV entre homens que fazem sexo com homens e mulheres transexuais (PrEP Brasil realizado no INI), gerando uma grande quantidade de resultados, inclusive um estudo de custo-efetividade da PrEP que demonstrou a viabilidade da incorporação ao SUS da profilaxia pré-exposição ao HIV como uma política pública (2010, 2017, 2018). Pesquisas realizadas no INI também contribuíram para avaliar novas opções de tratamento antirretroviral para pacientes co-infectados pelo HIV e tuberculose, o melhor momento de iniciar o tratamento antirretroviral para essa população, e um método de baixo custo para a cultura do M. tuberculosis no sangue (1997, 2011, 2013, 2014, 2015), bem como de outras co-infecções. Em tuberculose, especificamente, destacam-se crescentes contribuições de pesquisa associando o atendimento aos pacientes e a aplicação de métodos avançados de diagnóstico laboratorial no INI. Aos pacientes com micoses sistêmicas, especialmente com paracoccidioidomicose, a de maior frequência e letalidade, com longa tradição no Hospital Evandro Chagas como referência, há uma vasta contribuição em clínica (530 pacientes acompanhados em 30 anos), no diagnóstico laboratorial específico (até identificação molecular e sorologias) e em pesquisas de campo. Inclusive de tribos indígenas em Rondônia (1990), ali identificando a “ponta do iceberg” do estado de maior prevalência nacional, com detecção de grande aumento de casos na região, provavelmente associados a desmatamentos e nos indígenas a mudanças de hábitos de cultivos da terra com maior revolvimento do solo. No Rio de Janeiro, destaca-se a ocorrência mais recente do surto (2016), na rodovia Raphael de Almeida Magalhães (Arco Metropolitano) que pode relacionar-se com remoção de terra na sua construção (2008–14), algum desmatamento e o fenômeno El niño, dispersando esporos do Paracoccioides, o agente biológico. Há inúmeras outras relevantes contribuições do INI para atenção, pesquisa e ensino em micoses, como referência nacional e internacional. Também, além de outros atendimentos de referência no INI, não é possível deixar de destacar a atenção aos pacientes de arboviroses – sempre iniciadas como doenças desconhecidas no país, de ocorrência epidêmica de grandes proporções e endêmica, desde a primeira epidemia de dengue em 1986, cujos pacientes já foram atendidos sob protocolo do Hospital Evandro Chagas para estudo clínico, o que pode contribuir também às investigações laboratoriais relevantes que se desenvolveram no Departamento de Virologia no IOC. Seguiram-se a Chikungunya em 2014, e a Zika em 2015. Contribuição do INI à pesquisa da infecção por Zika em gestantes teve reconhecimento internacional. São muito numerosos os trabalhos publicados, teses, contribuições ao Ministério da Saúde de diversas ordens, parcerias relevantes na Fiocruz e externas e outras atividades incessantes, sempre com base no atendimento de excelência a pacientes com doenças febris agudas, contornando seus pesquisadores grandes dificuldades, sobretudo de estrutura física-funcional. Como a senhora enxerga o futuro e as expectativas do INI diante dos atuais desafios da saúde pública no Brasil? Em ciência, que é o objetivo do INI Evandro Chagas, criação e inovação, são a expressão do seu cotidiano, por meio da assistência que, como qualquer método, ou meio, precisa ser perfeito. Ao lado da tradição de qualidade, também a renovação para se adaptar a novos tempos seria mandatória. Que novos tempos? Das novas tecnologias? Estas sempre existiram próprias de cada época, correspondendo à formação profissional em sua respectiva doutrina. Mas, às novas demandas, sim, de diferentes e várias naturezas. O nosso meio de trabalho na pesquisa clínica é o ser humano adoecido de doença transmissível por diferentes formas, até de si para si e daí em diante a outros. Integra-se ao pensamento clínico, obrigatoriamente, a imprescindível visão epidemiológica e as especificidades do diagnóstico com o estudo laboratorial das respostas do organismo atingido, assim como do agente biológico agressor, até seu nível celular e genético molecular. Mas também de outros agentes não biológicos, a serem evidenciados, que podem levar ou agravar o adoecimento, de natureza individual, emocional, social e ambiental. Da mesma forma que se precisa estudar coinfecções para se controlar ou curar um paciente, deve-se determinar os co-agravos causais sobre a pessoa doente interferindo em sua recuperação e/ou reabilitação, esta também fazendo parte da assistência (sem que se precise adjetivá-la de integral, como obrigatória que é). A pessoa doente é o meio mais rico de conduzir profissionais, formados para questionarem, às mais brilhantes respostas, que também podem ser as mais simples. Captá-los não é tarefa fácil, mas, associadamente a políticas de recursos humanos institucionais e externas, depende essencialmente da gestão do INI. Diferentemente da ampliação de seu espaço físico, que depende de política de prioridade à pesquisa clínica na Fiocruz. Sem precisar remontar à história da criação do Hospital de Manguinhos planejado para ter seis pavilhões iguais ao único construído, mas retornando a 1979, desde quando o Hospital Evandro Chagas foi despojado do espaço físico onde se instalara em 1958, ele requer esta recuperação, cuja falta o estrangula a cada dia na proporção em que crescem as demandas das mais diversas naturezas. Sempre submetido a arranjos “transitórios” que se perpetuam e crescem, agressivamente afinal. A sua simples visão atual causa abatimento, porque não estamos em uma situação de “campanha”, como parece vendo os laboratórios em espaços mínimos, onde em alguns não cabem nenhuma pessoa a mais de pé, ou em containers que vão se somando; e os leitos, embora muito bem cuidados pela preciosa administração, reduzidos a um número insignificante, insuficientes mesmo como retaguarda, ética e de pesquisa, para internação de nossos pacientes, quando agravam durante o acompanhamento nos consultórios (ambulatórios); estes, desde a reestruturação do INI, estabelecidos como “carro chefe” do atendimento e da pesquisa. Assim, na condição de referência de qualidade, clínica e laboratorial, não podendo se expandir necessariamente, também não poderá se manter como tal. Esta situação física vem impedindo seu credenciamento como hospital de ensino, não obstante desenvolvendo essa função. Seu prazo de sobrevivência já foi vinculado a, pelo menos, quatro plantas de reforma ou construção, com recursos previstos, o mais recente a espera de um novo centro hospitalar para abrigar o INI Evandro Chagas e o IFF, novamente, então no campo de São Cristovão, abortado por razões ambientais. Em relação à saúde pública no Brasil, sem a compreensão do que representa o INI na Fiocruz para o SUS, pela atenção e produção de conhecimento estratégico nas doenças infecciosas, que se renovam a cada tempo ou se introduzem de outras regiões, como temos vivenciado, não haverá como defender o papel do INI frente a novos desafios que crescem e terão que ser enfrentados. Mais ainda se considerarmos custos dessa Unidade, que poderão, por outro lado, ser reduzidos relativamente na proporção em que se aumente a oferta de leitos e demais atendimentos clínicos e laboratoriais de referência. A compreensão pelo governo federal de que a existência da Fiocruz, com sua rica diversidade e permanentes contribuições para a saúde pública nas diversificadas regiões do país, cumpre um papel nacional impar, tratando-se de uma necessária função de vanguarda enriquecida por sólidas parcerias no país e exterior, deve ser defendida mediante essas demonstrações, estrategicamente, com a participação consciente e objetiva de cada uma de suas Unidades, profundamente comprometidas com a preservação de todas as suas conquistas, voltadas para hoje e o futuro, para que a população continue, sem interrupções e cada vez mais, beneficiária delas.Saiba mais sobre o evento comemorativo do centenário do INI
Leia em HCS-Manguinhos:
KROPF, Simone Petraglia. Carlos Chagas e os debates e controvérsias sobre a doença do Brasil (1909-1923). v.16, supl.1, jul. 2009