Maio/2015
Mauricio Murad * Exatamente há três décadas, no dia 29 de maio de 1985, o mítico Estádio de Heysel, inaugurado em 1930, cujo endereço é a bela Avenue de Marathon, Ville de Bruxelles, Bélgica, foi palco de uma das maiores tragédias da história do futebol, marco de mudanças importantes para conter, reprimir e prevenir a agressividade, a violência e o horror do hooliganismo. Era a esperada partida entre Liverpool e Juventus (que venceu por 1 x 0, gol do super craque Michel Platini), derby final da Liga dos Campeões da Europa, a mais importante competição futebolística, depois da Copa do Mundo, que comemorava ali 30 anos de uma história vitoriosa e, coincidência, agora vai celebrar mais 30, quando ocorrer a finalíssima entre Barcelona e Juventus, no próximo dia 06 de junho, em Berlim, no igualmente majestoso e mítico Estádio Olímpico, datado de 1938. A final de 1985 foi trágica e deixou esta marca para história do futebol: 39 mortos, centenas de feridos, depredações, vandalismos de todo tipo causados principalmente pelos hooligans do Liverpool – e que ironia – time da cidade dos Beatles. Dias antes, as autoridades de segurança pública já tinham antevisto a guerra e por isso aumentaram o efetivo policial (quase 2000 homens diretamente envolvidos no cenário do jogo, além das forças espalhadas no entorno), articularam parcerias entre as polícias italiana e inglesa, impuseram um rígido controle na venda e consumo de bebidas alcoólicas, e uma forte fiscalização na entrada do estádio. Medidas pensadas, planejadas, mas não executadas integralmente, nem satisfatoriamente. As imagens da barbárie correram (e ainda correm) o mundo, como um dos capítulos mais sangrentos da história da violência no futebol, lamentável realidade que ainda hoje agride a nossa consciência, em diferentes países, inclusive no Brasil, um dos mais destacados no triste pódio da violência, sem que iniciativas concretas e consistentes, por parte de nossas autoridades, sejam efetivadas de verdade. Porém, a Tragédia de Heysel, não foi em vão. Ainda bem! A partir daí, com os torcedores do Liverpool claramente considerados culpados, a Inglaterra começou a pensar em um plano nacional de segurança, de médio e longo prazos, mas que só ganhou corpo e foi implementado de fato com o famoso Relatório Taylor, patrocinado politicamente pela Primeira Ministra Margareth Thatcher, após outro evento trágico, o do Estádio de Hillsborough, em 15 de abril de 1989, em Sheffield, no jogo entre Liverpool e Nottingham Forest, considerado o pior de todos os desastres no futebol inglês, com 96 mortos. Assunto, claro, para outro artigo. Punições severas, endurecimento das leis, melhoria das chamadas “condições do espetáculo”, como a organização interna dos estádios e o ir e vir para os locais dos jogos, treinamento especializado das polícias, proibição dos clubes ingleses (de todos!) participarem de competições internacionais, por 5 anos, planejamento em bases científicas de medidas integradas de prevenção e controle, entres outras iniciativas de curto, médio e longo prazos. A partir de 1987, o governo concedeu muitos recursos para a criação do Sir Norman Chester Centre for Football Research, entre outras coisas, para pesquisar a fundo as práticas de violência e a segurança pública no futebol, instituto este que virou referência internacional. Há que se destacar o repúdio quase unânime da população, face aos infratores, com manifestação pública da Casa Real, inclusive pessoalmente da Rainha. A violência hooligan não foi solucionada 100%, atenção!, mas está sob o controle das instituições e das leis, como reza uma sociedade democrática e de direito, onde deve haver resposta social às transgressões e aos delitos. Assim, mesmo que tudo não seja resolvido, melhora e muito. A Tragédia de Heysel tornou-se um símbolo, para todos que amam o futebol e repudiam a violência, foi um importante divisor de águas, na tentativa de se criar um ambiente mais civilizado no futebol inglês, com impactos na Europa e no mundo. Esse processo destacou um dos mais relevantes princípios do esporte e que deve servir como ética para a sociedade em geral, a saber, não se pode confundir adversário com inimigo. Adversário é para ser superado esportivamente e não ofendido, humilhado, agredido, abatido. Que Heysel seja festejado como símbolo e como fator de aprendizagem, até mesmo para além do futebol! *Mauricio Murad é professor, sociólogo do mestrado da Universo, e autor do livro “Para entender a violência no futebol”, da Editora Saraiva Artigo publicado originalmente no Lancenet em 29/05/2015. Leia mais: ‘O legado que se espera da Copa de 2014 é uma profunda revisão do futebol brasileiro’ Em entrevista ao Blog de HCS-Manguinhos, o sociólogo Mauricio Murad afirma que a obrigação de redimir a derrota de 1950 foi um equívoco que pesou nas costas dos jogadores.
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Há 30 anos, uma final trágica para o futebol
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