Fevereiro/2014
Elizabeth Sousa Abrantes | Brasiliana USP
A revista Futuro das Moças circulou no meio social carioca entre os anos de 1917 e 1918, ampliando o cenário de publicações destinadas ao público feminino. No editorial de abertura apresentou seu programa como uma revista semanal ilustrada destinada ao desenvolvimento “literário, científico e de culto à mulher”. A preocupação, expressa no título da revista, era com o futuro das jovens brasileiras em tempos marcados por “sombras, dúvidas e incertezas”, em razão do conflito bélico que arrasava a Europa e ameaçava envolver outros países fora do velho mundo. Além do clima de tensão e de destruição, a primeira guerra mundial provocou mudanças no comportamento feminino e em sua atuação no espaço público, especialmente no mercado de trabalho. Nessa conjuntura de guerra, as mulheres eram alvos de discursos que visavam enaltecer seu patriotismo, e que destacavam suas virtudes como mães (dos soldados), enfermeiras e trabalhadoras que participavam do esforço de guerra.
Nas primeiras décadas do século XX, no contexto de transformações políticas, econômicas e sociais do regime republicano, novas imagens sobre mulheres vieram se juntar àquelas já existentes ou receberam uma nova roupagem mais de acordo com as ideias científicas e moralistas em voga. A instrução feminina ganhava destaque como instrumento importante na formação da “nova mulher” voltada para o exercício dos seus papeis de esposa e mãe, preparando-a para o casamento e para a função social de educadora das futuras gerações.
A imprensa, de maneira geral, exerceu importante papel na difusão de imagens e ideias sobre a mulher, sua missão e papeis sociais, pois apesar das dificuldades dos periódicos para manterem-se no mercado e ampliarem seu público consumidor, eram o meio de comunicação de maior alcance, aptos a moldarem sua linguagem de acordo com o público que pretendiam atingir. A imprensa feminina, em particular, revestia-se de uma áurea missionária, com forte caráter educativo que ultrapassava o mero entretenimento de suas leitoras.
As revistas femininas focavam o público das camadas médias e altas, dos grandes centros urbanos, com nível de instrução e renda capazes de corresponder aos apelos ideológicos e publicitários dos seus produtos. Com apresentações gráficas mais modernas e organizadas como empresas, com apelo visual através de fotografias das leitoras e de acontecimentos sociais ao lado de campanhas publicitárias de produtos e serviços, visavam atender ao gosto desse público, garantindo para esses magazines uma fatia no disputado mercado editorial.
A revista Futuro das Moças, assim como outras do seu gênero, reunia de forma acentuada essa característica de produto cultural para entretenimento das mulheres e que, ao mesmo tempo, contribuía para prepará-las para os embates da “vida moderna”. Daí o espaço dedicado à discussão de temas de seu interesse como a instrução, o voto feminino, trabalho e profissão, sem descuidar do consumo daqueles produtos culturais considerados característicos da “natureza feminina”, como moda, culinária, prendas domésticas, folhetins.
Suas seções tratavam de temas “úteis e instrutivos”, como as lições de matemática e ortografia; recados dos leitores e leitoras em forma de telegramas; o ensinamento de bordados na seção “trabalhos femininos”; moda; lições de mitologia para “instruir deleitando”; fotografias de mulheres no passeio público ou em ocasiões de encontros sociais capitadas pelas lentes da Kodac; galeria dos homens célebres; contos, novelas e sonetos; receitas; postais; perfis normalistas e acadêmicos; concursos de beleza e charadas, além dos editoriais e anúncios comerciais.
A revista aceitava e incentivava a colaboração feminina, mas seus redatores principais eram os homens, assim como sua direção e edição, tendo como redator-chefe Raul Waldeck, que trouxe para esse magazine a experiência adquirida em outra revista do gênero, o Jornal das Moças (1914 — 1961), onde trabalhou por um ano.
A seção inicial da revista, em forma de Crônica, foi marcada pela recorrência de textos sobre a crise provocada pelos impactos da guerra europeia, além de debates sobre temas polêmicos, mas de interesse das mulheres, como o voto feminino. Mas a instrução feminina, em suas diversas modalidades, letras, ciências e artes, era o carro-chefe para o debate da preparação das moças para o futuro, pois como propugnava a revista, “a jovem de hoje será a mãe de família de amanhã, e o filho de amanhã será o homem do futuro”.
Portanto, a mensagem que a revista queria transmitir era de que quanto mais ilustrada e inteligente fosse a mulher, mais zelosa e cumpridora dos seus deveres. Não bastava simplesmente saber a utilidade e os atrativos do espírito cultivado, mas sim fazer todo o esforço para instruir-se para o bem da pátria e da família.
A revista Futuro das Moças, mesmo efêmera, participou do empenho de trazer para o debate o problema da instrução feminina, da necessidade da mulher brasileira posicionar-se diante das mudanças sociais que ocorriam, mesmo que o objetivo fosse uma educação para tornar as mulheres melhores mães e esposas. Não era para revolucionar, mas para conservar a família e a sociedade burguesa, de onde as mulheres das camadas médias e altas eram oriundas e representantes.
BASSANEZI, Carla. Virando as páginas, revendo as mulheres: revistas femininas e relações homem-mulher. 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
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* Elizabeth Sousa Abrantes é professora adjunta no Departamento de História e Geografia da Universidade Estadual do Maranhão (CECEN/UEMA)
Fonte: Brasiliana USP
Leia no Blog:
– A representação da mulher em revistas do início do século XX
Leia em HCSM:
As imagens femininas n’O Vulgarizador: público de ciência e mulheres no século XIX,
de Moema de Rezende Vergara
Ser mãe é uma ciência’: mulheres, médicos e a construção da maternidade científica na década de 1920, de Maria Martha de Luna Freire