Maio/2021
“Quando andam – se andam – andam curvados e trôpegos, no fundo dos quintais, fugidos de todos, quase escorraçados, pois seu aspecto provoca horror e o sentimento de piedade. Por onde passam deixam escamas finas e reluzentes. A pele lhes arde, queimando-lhes as carnes. E como se tudo não bastasse, ainda exalam um mau cheiro, característico próprio da moléstia”. A citação, reproduzida de relatório apresentado pelo médico Paulo Vieira, diretor do Serviço de Pênfigo Foliáceo de São Paulo, na Semana de Combate ao Fogo Selvagem, em 1939, refere-se ao cotidiano dos penfigosos no interior paulista nos anos 1930 – indivíduos que viviam à margem da sociedade.
Doença bolhosa autoimune da pele que acomete com mais frequência crianças, adolescentes e adultos jovens de áreas rurais de regiões endêmicas, o pênfigo foliáceo, ou “fogo selvagem”, embora muito estudado pela dermatologia, ainda não tem suas causas bem definidas. E, apesar do seu impacto social, não tem recebido a devida atenção dos historiadores da saúde e da doença. Um estudo publicado nesta edição da revista HCS-Manguinhos (v. 28, n.1, mar. 2021) busca reduzir essa lacuna.
No artigo intitulado Estigmas, pesquisas e embates: uma história do pênfigo brasileiro, séculos XIX e XX, Sonia Maria de Magalhães, professora do Programa de Graduação e Pós-graduação em História da Universidade Federal de Goiás, e Dorian Erich Castro, doutorando do programa e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, apresentam uma narrativa histórica sobre a incidência da doença no Brasil, descrita pela primeira vez no Brasil em 1903 pelo médico Caramuru Paes Leme. Desde então, milhares de casos já foram registrados no país. Hoje, os principais focos estão nos estados de Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e São Paulo.
“Doença estigmática, responsável por um sem fim de angústias, sofrimentos e mortes, ensejou um notável avanço da ciência médica, sobretudo da dermatologia. Todavia, concomitantemente, conviveu – e convive – com outro tanto de práticas e representações populares de cura, igualmente constituídas ao longo do tempo. Um e outro campo não são alheios entre si. Pelo contrário, seus saberes não apenas se tangenciam como circulam, em constante reelaboração. Contudo, cabe aos historiadores desvelarem este processo”, afirmam os autores, que desenvolvem pesquisa sobre a história do pênfigo e dos penfigosos em Goiás.
Leia em HCS-Manguinhos:
Estigmas, pesquisas e embates: uma história do pênfigo brasileiro, séculos XIX e XX, artigo de Sonia Maria de Magalhães e Dorian Erich Castro (História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 28, n.1, mar. 2021)