Festas e ritos católicos na Bahia em tempos de epidemia

Janeiro/2025

Celebração de São Francisco Xavier, 2021. Foto de Reginaldo Ipê, Câmara Municipal de Salvador

Celebração de São Francisco Xavier, 2021. Foto: Reginaldo Ipê, Câmara Municipal de Salvador

No início da pandemia de covid-19, em março de 2020, diante da necessidade de isolamento social, todos os locais de culto de diferentes religiões em Salvador foram fechados. As instituições religiosas passaram a realizar alguns ritos com poucas pessoas e transmiti-los por meio das redes sociais e plataformas digitais. A Igreja Católica realizou procissões, geralmente com uma imagem sacra em cima de um carro e sem acompanhamento de fiéis, para pedir a intercessão dos santos para o fim da pandemia.

Ao observar essas procissões, a historiadora Edilece Souza Couto, professora titular do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia, buscou nas fontes, principalmente nos jornais Diário de Notícias, O Imparcial e A Tarde, referências às reações dos membros de irmandades, confrarias, devoções e ordens terceiras às epidemias do século XX. Seu interesse era verificar se as atividades religiosas (festas, rituais e procissões) foram ou não suspensas nos momentos mais críticos das doenças.

Fonte: O Imparcial, 28 de outubro de 1918, p. 1. Acervo: Biblioteca Pública do Estado da Bahia

Fonte: O Imparcial, 28 de outubro de 1918, p. 1. Acervo: Biblioteca Pública do Estado da Bahia

A pesquisadora descobriu que, ao contrário do que aconteceu durante a pandemia de covid-19, nas epidemias de gripe espanhola (1918) e varíola (1919), os locais de culto não foram fechados e os rituais e festas religiosas não foram interditados.

Porém, apesar do curto espaço de tempo entre estas duas epidemias do século XX, houve diferentes reações dos católicos da Bahia quanto às medidas de proteção e busca da cura. A análise da documentação sobre as atividades religiosas desenvolvidas ou suspensas durante as duas epidemias demonstrou diferentes reações dos católicos.

Em 1918, as autoridades sanitárias acreditavam que se tratava de uma gripe comum, benigna. Portanto, as festas públicas aconteceram com pompa, sem preocupação com aglomerações. Inclusive, frequentar as igrejas era uma forma de pedir aos santos, especialmente ao Cristo Crucificado (Senhor do Bonfim), São Roque e São Lázaro, pelo fim do contágio e das mortes. Ao contrário da influenza, a varíola causava maior pavor, afinal as décadas de convívio com a doença alertava para o perigo. Além disso, a visão das feridas causava repugnância à sociedade desejosa de progresso, modernização e civilização. Assim, em 1919, as festas foram suspensas ou substituídas por missas e procissões de penitência.

“Os anúncios e convites para as festas religiosas, as narrativas sobre elas e os silêncios (ausência de informações) nos dão um panorama dos festejos realizados ou não em Salvador durante os períodos críticos das duas epidemias”, explica a autora. 

De acordo com as matérias dos jornais, Salvador, antiga metrópole colonial, ainda conservava muitos dos seus problemas, como densidade populacional, péssimas condições de higiene e aglomeração habitacional. E nas vias públicas persistiam a sujeira e os entulhos das demolições, aspectos inconvenientes para uma cidade em vias de modernização e que em nada colaboravam para o bem-estar e à saúde dos seus habitantes.

Edilece Souza Couto, que pesquisa as associações leigas católicas na Bahia dos séculos XIX e XX e conta com apoio do CNPq, escreveu o artigo Valha-nos a Providência!”: festas e ritos católicos em tempos epidêmicos, Salvador-BA, Brasil, 1918-1919, na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 31, 2024.

Leia o artigo completo:

Valha-nos a Providência!”: festas e ritos católicos em tempos epidêmicos, Salvador-BA, Brasil, 1918-1919, artigo de Edilece Souza Couto (História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 31, 2024)