Janeiro/2014
Ernesto Spinak | SciELO em Perspectiva O Ghostwriter é definido como um “escritor fantasma”, um escritor profissional que é contratado para escrever obras pelas quais não receberá crédito oficial, permanecendo anônimo. Esta prática tem sido comum desde tempos imemoriais, onde secretários e escribas escreviam discursos e cartas aos governantes, ou os discípulos de um mestre completavam seu trabalho sob a sua direção e, por vezes, a título póstumo. Até hoje, é costume os presidentes lerem discursos públicos que outra pessoa os tenha escrito, ou que “escritores fantasmas” respondam a cartas de cidadãos em nome do presidente, ou que sejam contratados para escrever suas “autobiografias”. Também ocorre com muita frequência no jornalismo, na produção de “comics” e até mesmo algumas encíclicas foram escritas para os papas por “ghostwriters”. O que há de errado com isso? Nada. Mas … no campo dos estudos acadêmicos em geral e, na pesquisa, em particular, o “ghostwriting” também é considerado uma forma de plágio, um comportamento antiético que poderia gerar até mesmo problemas de saúde na população, com as repercussões legais pertinentes. Passemos a investigar. O ‘escritor fantasma’ é um recurso usado com frequência por estudantes de universidades que tem que apresentar trabalhos de graduação, teses de mestrado e inclusive teses de pós-graduação, e para isso contratam escritores profissionais que fazem o trabalho por eles. Como consequência, “existem fábricas de ensaios” que cobram para escrever toda classe de trabalhos acadêmicos, e que surgiram as dezenas na última década, oferecendo seus serviços online. Os serviços básicos oferecem ensaios escritos previamente a preços acessíveis, mas se oferece também escrita “personalizada”, disponível a preços mais elevados, em média alcançando US$ 10 a US$ 50 por página. O problema é ainda mais crítico quando ingressamos na área da pesquisa científica e das publicações em periódicos arbitrados. O “escritor fantasma” ocorre com maior frequência nos periódicos em ciências da saúde, e de forma marginal nas outras disciplinas de pesquisa. Mas o quão frequente ou extenso é o ghostwriting? Para ter uma ideia fizemos uma pesquisa em Google Scholar (consultas realizadas no dia 10/11/2013). Em uma primeira consulta buscamos pelo termo ghostwriting e obtivemos 9.570 resultados. Como muitos dos resultados se referiam a jornalismo em geral ou a indústria editorial de livros, reduzimos o alcance restringindo a consulta com os termos “research” ou “academic”, descartando a faceta “students”, por último somente selecionamos artigos publicados no ano 2013, excluindo as citações e patentes. Finalmente obtivemos o resultado de 199 artigos publicados, quase todos se referindo à área biomédica. Quase 200 artigos em apenas 10 meses deste ano é uma boa quantidade. Ghostwriting pode ser falta de ética grave e também poderia ser uma forma de plágio Pode surpreender que o ghostwriting seja uma forma de plágio, mas assim é como se define nos dicionários e também nas opiniões de pessoas e instituições referentes ao tema. Por exemplo, o Diccionario de la Real Academia Española (DRAE) define em sua primeira acepçãoplagiar (Del lat. plagiāre) 1. tr. Copiar en lo sustancial obras ajenas, dándolas como propias.Da mesma forma em inglês, de acordo com o Merriam-Webster Online Dictionary, plagiarismsignfica
to steal and pass off (the ideas or words of another) as one’s own to use (another’s production) without crediting the sourceO Dr. Francis Collins, diretor dos National Institutes of Health (NIH) considera que o ghostwritingpoderia em alguns casos ser tratado como um caso de plagio, este conceito também é expresso pelo menos duas vezes em um informe do Senado dos Estados Unidos comentado mais abaixo, e além disso, em um artigo recente na revista Bioethics. Finalmente, em um trabalho publicado no blog da empresa iThenticate, especializada em oferecer serviços para detecção de plágio afirma:
Com base nestas definições, o conceito de ‘escrita fantasma’ em seu nível básico é plágio. Ademais, o objetivo de escrever sob outra assinatura é ocultar o crédito do verdadeiro autor no lugar de reconhecer a outra fonte. Entretanto, há vários fatores baseados nos diferentes métodos de ghostwriting que faz com que o tema não seja tão preto no branco. (2011)Em outras palavras, o “escritor fantasma” pode ser aceitável ou inaceitável. A tecnologia tem promovido a pesquisa global, a saúde global, mas também permitiu realizar fraudes globais. Os editores de periódicos não fizeram avanços significativos no emprego de tecnologia ou políticas adequadas para identificar a falta de honradez, ou combate-la. No caso de uma tese de doutorado produzida por um “escritor fantasma”, o postulante apresenta falsamente o trabalho de outro como próprio, pelo qual está fraudando tanto a instituição que emitiu seu título, como os futuros empregadores para o qual o doutorado é um requisito para o emprego. “Escritores fantasmas” também são empregados em algumas ocasiões pelos acadêmicos e pesquisadores ativos que contratam pesquisadores desempregados, subempregados ou em posições menores para escrever artigos e livros sem compartilhar sua autoria. Esta prática não se limita aos pesquisadores médicos, mesmo que seja a maioria dos casos. Devemos esclarecer que “escritores fantasmas” não são o mesmo que escritores profissionais médicos. Pode ocorrer que um grupo de pesquisadores contrate um escritor profissional para editar um documento baseado em dados originais dos pesquisadores, mas estes seguem mantendo a supervisão de trabalho escrito, impedindo mensagens de marketing favoráveis a empresas ou produtos. O “escritor fantasma” nas revistas médicas gera problemas éticos e legais. A preocupação se deve ao fato de que é frequente que as empresas farmacêuticas e as indústrias de produtos de tecnologia médica possam distorcer as evidencias produzidas por ensaios clínicos e não sejam imparciais. Estes artigos preparados por escritores médicos contratados pelas indústrias são assinados por “autores convidados” em troca de pagamento. Portanto, estes artigos são normalmente enviados a periódicos comerciais de alto fator de impacto, e por este motivo, resulta muito atraente aos pesquisadores convidados aportar sua assinatura, devido ao impulso que é dado às suas carreiras. Esta conduta cria óbvios conflitos de interesse, distorce a evidencia médica, afeta os consumidores devido aos vieses em favor de certos medicamentos, e tem por objetivo sua aprovação por autoridades sanitárias para inclui-los nos formulários que usam as instituições de saúde, muitas vezes com preferencia sobre medicamentos genéricos. Estes trabalhos forjados que facilitam a desonestidade podem se traduzir em eventuais riscos na atenção a pacientes menos favorecidos, uma vez que os mercados emergentes se baseiam nas pesquisas publicadas no mundo desenvolvido para produzir terapias avançadas. Mas o que fazem estes prestigiosos periódicos com alto fator de impacto, e o que fazem os pareceristas? O “escritor fantasma” geralmente não é detectado pelos pareceristas, uma vez que a evidencia muitas vezes surge anos depois e só nos casos que terminam nos tribunais. Quer dizer que o “escritor fantasma” não é fácil de detectar, por isso se chamam “fantasma”. Então quão frequente é o ghostwriting, e que tipo de revistas se prestam a esta prática, para que se avalie a preocupação que devemos ter sobre o tema? Uma pesquisa recente conduzida pelo Senado dos Estados Unidos sobre escândalos referentes a “escritores fantasmas”, demonstrou que esta prática é comum em muitas das escolas de medicina de universidades tão famosas como Stanford, Harvard, McGill University, Mount Sinai Medical Center, Yale, etc. Da mesma forma, esta pesquisa mostra como dezenas das revistas mais prestigiosas em medicina estiveram envolvidas na aprovação de produtos farmacêuticos de distribuição mundial, como Avandia, Tylenol, e terapias hormonais para a menopausa. Note os seguintes estudos:
- Um estudo do New York Times em 2010 encontrou uma taxa de ghostwriting nos principais periódicos médicas do mundo (JAMA, Lancet, PLoS Medicine, New England Journal of Medicine) que varia entre 4,6 a 10,9% dos artigos publicados.
- Um trabalho publicado em Plos Medicine mostrou que somente 13 dos 50 periódicos médicos mais importantes dos Estados Unidos tem políticas claras contra o “ghostwriting”.
- Cerca de 50% das publicações sobre drogas usadas em psiquiatria que tem patentes ainda vigentes foram escritas por “escritores fantasmas”
- publicar um aviso que indique que o manuscrito é de um “escritor fantasma” junto com os nomes das empresas responsáveis e os autores que assinam a publicação.
- informar as instituições acadêmicas à qual pertencem os autores e identificar as empresas comerciais.
- informar aos meios de comunicação e organizações governamentais.
- informar no fórum da WAME.
Link Externo
iThenticate – http://www.ithenticate.com/ Top grade paperscom: http://www.topgradepapers.com/Sobre Ernesto Spinak
Colaborador do SciELO, engenheiro de Sistemas e licenciado en Biblioteconomia, com diploma de Estudos Avançados pela Universitat Oberta de Catalunya e Mestre em “Sociedad de la Información” pela Universidad Oberta de Catalunya, Barcelona – Espanha. Atualmente tem uma empresa de consultoria que atende a 14 instituições do governo e universidades do Uruguai com projetos de informação. Como citar este post [ISO 690/2010]: Ética editorial – “Ghostwriting” é uma prática insalubre. SciELO em Perspectiva. [viewed 21 January 2014]. Available from: http://blog.scielo.org/blog/2014/01/16/etica-editorial-ghostwriting-e-uma-pratica-insalubre/Fonte: SciELO em Perspectiva