“Enterro precoce”: medo popular há muito tempo

Julho/2024

O medo de ser enterrado vivo sempre assombrou as mentes humanas. O tema já mobilizava a sociedade brasileira há quase dois séculos! No artigo Enterros precoces e o exercício da medicina: medos populares e debates médicos (Rio de Janeiro, c.1830-c.1870), publicado no dossiê 18: Morte aparente e os fins últimos do corpo (séculos XVIII e XIX), da Revista M. (v. 9 n. 18, 2024), a pesquisadora Tânia Salgado Pimenta, da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, investiga os debates e os medos suscitados no Rio de Janeiro entre as décadas de 1830 e de 1860 em torno do “enterro precoce”, como era, eufemisticamente, chamado o sepultamento de uma pessoa que não estivesse morta de fato, e que sofresse, portanto, de uma “morte aparente”.

As principais fontes utilizadas são periódicos de ampla circulação e periódicos médicos, a legislação citada sobre o assunto, relatórios da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, da Academia Imperial de Medicina e da Junta Central de Higiene Pública, além dos próprios registros de encaminhamento de enterro da Santa Casa. O artigo analisa as divergências entre os médicos acerca do exercício médico e de suas prerrogativas, a utilização de modelos vindos do exterior e a necessidade de questionamentos e adaptações para o desenvolvimento da estatística médica no Brasil. 

O dossiê Morte aparente e os fins últimos do corpo (séculos XVIII e XIX) foi organizado por Jean Luiz Neves Abreu e Mara Regina do Nascimento, da Universidade Federal de Uberlândia, MG, e André Luís Lima Nogueira, do Instituto Superior de Educação Professor Aldo Muylaert, ES.

“Desde a Antiguidade, ao escreverem seus prognósticos, os médicos procuravam definir os sinais que indicavam o estado de morte. Os textos reunidos neste dossiê revelam as diversas matizes de um debate que se constituiu entre fins do século XVIII e XIX, no contexto europeu e no Brasil. De forma geral, as análises apontam a tentativa dos médicos em se apropriar cada vez mais do corpo morto como objeto da ciência, seja para perscrutar nele os sinais da morte, seja para tomá-lo como objeto de estudo e de manipulação. Por um lado, os médicos buscavam evitar os enterros prematuros; por outro, a morte aparente serviu de mote para defender o monopólio médico sobre os óbitos e os sepultamentos. A despeito dos conhecimentos médicos que se têm hoje sobre a definição de morte, casos de pessoas consideradas mortas que retornam à vida, esses lázaros do século XXI continuam a despertar a curiosidade e o imaginário populares e a suscitar debates entre os médicos sobre os limites entre a vida e a morte”, afirmam os pesquisadores na apresentação do dossiê. Saiba mais

A Revista M. é um periódico acadêmico temático de publicação semestral, online e de acesso aberto, vinculada ao Grupo de Pesquisas Imagens da Morte e do Morrer na Ibero-América – sediado na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e credenciado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).