Elisée Soumonni: ‘Graças ao Brasil Portugal conseguia administrar seu vasto Império’

Outubro/2014

Bruno Garcia | Revista de História

Elisee

Elisée Soumonni.
Foto: Felipe Varanda / Revista de História

Os brasileiros podem não conhecer muito o Benim, mas o pequeno país de pouco mais de 8 milhões de habitantes, na África Ocidental, tem enorme importância na história do nosso país. Foi do porto da cidade costeira de Uidá que milhares de africanos foram enviados para o Brasil. Unidos pelo tráfico transatlântico, os dois países compartilham uma história que, segundo o professor beninense Elisée Soumonni, “dificilmente pode ser contada de forma isolada”.
Mais de dez anos depois da inclusão do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial, o interesse de alunos e acadêmicos só cresce. Algo que Soumonni diz ser natural, afinal “o Brasil é um grande país, e não é possível formar um especialista tão rapidamente”. O professor, no entanto, adverte para a necessidade de encontrarmos nosso próprio caminho. “É preciso que os estudantes aqui encontrem suas próprias razões para estudar, descobrir como e o que vão abordar da realidade brasileira”.
Em visita ao Rio de Janeiro para um seminário, Elisée Soumonni conversou com a equipe da Revista de História sobre suas pesquisas, o interesse pela diáspora africana, projetos de pesquisa e sua formação particular. Ele contou que, para fazer seu doutorado, optou pela Universidade de Ile-Ifé, na Nigéria, em vez de retornar à França, onde fizera sua graduação – pois lá, nas suas próprias palavras, “não aprenderia nada de novo”.
RH – O que o levou a estudar o Brasil?
ES – Era quase natural. Há uma ligação muito forte entre o Benim e o Brasil. Os retornados me interessavam muito. Eu queria saber o porquê da origem dos seus nomes. Eles voltavam para o Daomé com sobrenome Pereira, Oliveira, Silva… enfim, nomes que tinham origem no Brasil. Esses afro-brasileiros mantiveram, na sua maioria, o nome dos antigos senhores e com isso um certo status de classe. Esses senhores, claro, não eram seus pais biológicos, mas guardavam muitas relações com suas famílias. Por isso os arquivos da Bahia são muito importantes: eles guardam fontes importantes para reconstruir o passado desses retornados e a vida que tinham lá. A ligação era imensa.
RH – Os países foram unidos pelo comércio transatlântico.
ES – Sim. Posso dar um exemplo. Em Uidá há um forte português, hoje transformado em museu, que abrigou Francisco Félix de Souza, traficante e comerciante de escravos. Não era um retornado, mas um brasileiro que se estabeleceu lá por muito tempo. Ele teve muitos filhos, ninguém, nem ele mesmo, sabe ao certo quantos. Seus muitos descendentes são hoje parte de uma elite no país. Ele continuou no tráfico de escravos durante o século XIX e é importante lembrar que, como ele [que chegou a ser escrivão e contador da fortaleza], os diretores dos fortes portugueses eram nomeados em Salvador da Bahia. O diretor não vinha de Lisboa. Era o Brasil que administrava a maior parte dos fortes portugueses ao longo da costa da África, afinal era uma colônia muito maior do que Portugal. Eu gosto de dizer que era graças ao Brasil, seu tamanho e recursos naturais que o pequeno Portugal conseguiu administrar seu vasto império. Daí a proximidade entre os países. Eu diria que o Brasil permanece no imaginário do Benim até hoje.
RH – Não só para os historiadores?
ES – Não. No Benim, o Brasil não é só parte da nossa história, mas está presente na nossa vida cotidiana. Em Uidá existe o quarteirão do Brasil, a casa do Brasil. Mas não há nada como o quarteirão de Portugal. No imaginário coletivo, a maioria da população conhece o Brasil, não Portugal. O quarteirão diz respeito aos que vieram do Brasil, mas o nome característico é Agudá. A origem vem de um forte português chamado São João Baptista de Ajuda, daí veio a palavra agudá, em referência aos afro-brasileiros.
Leia a entrevista completa na Revista de História
Leia em HCS-Manguinhos:
Varíola: punição de Sakpata – No artigo “Disease, religion and medicine: smallpox in nineteenth-century Benin”, Elisée Soumonni examina as percepções e interpretações das doenças no Daomé pré-colonial.
Saúde e Escravidão – Suplemento temático que traz artigo de Soumonni
Obras do autor:
“The Administration of a Port of the Slave Trade: Ouidah in the Nineteenth Century”. In:LAW, Robin & STRICKRODT, Silke (eds.). Ports of the Slave Trade (Bights of Benin and Biafra. Centre of Commonwealth Studies, University of Stirling, 1999.
“The Neglected Local Source Material for Studying the Slave Trade and Slavery in Dahomey”. In: LAW, Robin (ed.). Source Material for Studying The Slave Trade and the African Diaspora. Centre of Commonwealth Studies, University of Stirling, 1997.
La construction transatlantique d’identités noires – Entre Afrique et Amériques.Paris: Karthala, 2011. Em co-autoria com Livio Sansone e Boubacar Barry.
Daomé e o mundo atlântico. Rio de Janeiro: Sephis – Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001. Disponível em www.casadasafricas.org.br/wp/wp-content/uploads/2011/08/Daome-e-o-mundo-atlantico.pdf.