Do corpo à mente: conceito de trauma ampliou-se nos últimos séculos

Fevereiro/2024

Arte sobre ilustração de cérebro humano / Wikipedia

Na versão de 1656 do Oxford English Dictionary, o verbete “traumático” refere-se especificamente a lesões mecânicas no corpo. Já na psiquiatria do século XIX, o “trauma” passa a designar estados psicológicos adversos, com causas diversas. A percepção do papel do trauma psicológico na origem de problemas psiquiátricos aumentou e diminuiu ao longo da história da psiquiatria. Com a concepção do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) na terceira edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-III) da American Psychiatric Association (APA), em 1980, o discurso do traumatismo nas sociedades ocidentais expandiu-se para experiências humanas devastadoras, como catástrofes, genocídios, desastres e epidemias.

Este tema absolutamente atual está no artigo As raízes do trauma: uma revisão sobre a história do psicotraumatismo, publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (n.30, 2023) e assinado por Ramon Reis, professor substituto do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Macaé, RJ), e Francisco Ortega, professor pesquisador do Catalan Institution for Research and Advanced Studies, em Barcelona, e do Medical Anthropology Research Center, da Universitat Rovira i Virgili, em Tarragona, ambos na Catalunha, Espanha.

“Quando uma catástrofe natural assola um determinado grupo humano, quando um abuso sexual explicita os seus efeitos deletérios sobre o psiquismo individual de uma vítima, ou mesmo quando a ação vulnerante de agentes mecânicos efetiva uma lesão acidental do tecido ósseo, o que está em questão é o discurso do traumatismo – uma linguagem que se presume ter nascido no crepúsculo do século XVII. Desde 1980 (…), essa linguagem passa a ser recrutada por toda a sorte de aparatos políticos, clínicos e humanitários que direcionaram respostas de enfrentamento para os processos de traumatização”, analisam os autores, citando fontes.

Por meio de revisão bibliográfica integrativa, eles analisam alguns dos determinantes históricos e epistemológicos que fundamentam o surgimento da memória traumática e o estabelecimento do trauma como campo semântico que orienta respostas clínicas e estratégias políticas no campo das ciências humanas e da saúde.

“Não é incomum que desastres de larga escala, como os ocorridos nas cidades de Mariana e Brumadinho (MG), e calamidades de proporções globais, como a recente pandemia da covid-19, sejam examinados à luz de uma mesma matriz interpretativa – aquela que estabelece uma causalidade discernível entre fenômeno perturbador e sintoma correspondente”, explicam. E enfatizam: “Esse é um momento decisivo para a história dos estudos sobre o traumatismo.”

Leia na revista HCS-Manguinhos:

As raízes do trauma: uma revisão sobre a história do psicotraumatismo, artigo de Ramon Reis e Francisco Ortega (História, Ciências, Saúde – Manguinhos, n. 30, 2023)