Julho/2014
Até o início do século XX, os serviços de saúde coloniais portugueses em Angola cuidavam do governador, do pessoal administrativo e dos militares. Aos trabalhadores e populações locais, restava o esquecimento ou os cuidados básicos prestados por missões religiosas. Os habitantes viviam em condições paupérrimas. Faltava comida e higiene. O regime de trabalho era praticamente escravocrata, inclusive para mulheres e crianças, e ainda era preciso pagar impostos ao Estado. O cenário era de doença, morte e deserção.
Quando a companhia Diamang chegou à circunscrição do Chitato em 1917 para explorar diamantes, deparou-se com um território vazio, onde a “civilização” colonial ainda não se tinha feito sentir. O panorama ilustrava bem o esquecimento a que tinham sido relegadas as zonas do interior pelo governo da colônia. A companhia precisava criar condições para a exploração industrial das minas, construindo estradas, pontes, vilas, barragens, redes elétricas e estruturas de saneamento básico. Além disso, o contrato com o estado conferia à empresa a responsabilidade pelo bem-estar e a saúde das populações locais.
No artigo “Cuidados biomédicos de saúde em Angola e na Companhia de Diamantes de Angola, c. 1910-1970”, Jorge Varanda, professor da Universidade de Coimbra, publicado na última edição da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (vol. 21, n. 2, abr./jun. 2014), analisa seis décadas de prestação de serviços de saúde na colônia portuguesa, incluindo aqueles prestados pela empresa Diamang.
O autor destaca que, inicialmente, a companhia seguia à risca o padrão de produção ao mais baixo custo da indústria mineira e reproduzia a medicina centrada nos ocidentais, como no restante do continente africano. Os serviços médicos da companhia funcionavam em instalações precárias e sofriam com falta de pessoal, de material hospitalar, de veículos e infraestrutura rodoviária.
Nas primeiras duas décadas, a Diamang não conseguiu ocupar sanitariamente a área contratual, não providenciando cuidados biomédicos a todos os seus trabalhadores e pessoas que viviam sob o seu “jugo”. Quase 60% das mortes resultavam de complicações do trato respiratório, seguidas por doenças digestivas e intestinais. Também havia mortes por astenia, causadas pela combinação do excesso de esforço físico com a parca alimentação. Porém, os relatórios de saúde da companhia omitiam as condições de vida, de trabalho e de atenção médica, culpando as vítimas pela falta de higiene das aldeias e pelo uso de medicinas tradicionais.
Na década de 1930, a ameaça de uma epidemia de doença do sono levou à reorganização dos serviços médicos da Diamang, que estendeu a prestação de cuidados à totalidade da área contratual e a suas populações. Ações preventivas de saúde pública e de segurança alimentar também foram lançadas. Na década de 1940, foram enfatizadas políticas sociais, com novas ações preventivas realizadas por pessoal africano. Houve uma expansão dos serviços de saúde da companhia para áreas rurais. As campanhas contra doença do sono passaram a incluir cuidados materno-infantis e atenção ao parasitismo intestinal.
Na década de 1950 foram construídas maternidades e laboratórios farmacêuticos e hospitais foram remodelados como hospitais centrais, bem equipados. Instalações foram edificadas em zonas mais distantes, com base na geografia produtiva dos diamantes. Houve um aumento exponencial do pessoal auxiliar africano nas políticas de saúde pública da companhia.
A prestação de cuidados biomédicos da Diamang era significativamente mais ampla e efetiva do que a do governo.
A partir de 1950, o trabalho forçado e as exigências físicas sobre a mão de obra colocaram a Diamang na mira dos inspetores da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que notaram sua influência negativa nas condições de vida da população ativa. Por outro lado, a OIT foi palco para os colonizadores usarem os serviços de saúde prestados como trunfo em face ao crescente coro anticolonial.
Nos relatórios de 1961 e 1971, a companhia passou a aparecer como exemplo perfeito da ação civilizadora colonial portuguesa, o que despertou reações na ONU. As críticas incluíam escassez de recursos, falta de instituições de formação superior de profissionais de saúde, estatísticas pouco credíveis e tratamento diferencial para brancos e locais. Por outro lado, médicos da OMS faziam avaliação positiva dos serviços de saúde privados em Angola.
De acordo com o autor, se imagens dos africanos como “esqueletos vivos” se mantiveram década após década, as representações coloniais relativamente a um império cuidador de suas populações também persistiam.
Leia o artigo Cuidados biomédicos de saúde em Angola e na Companhia de Diamantes de Angola, c. 1910-1970, de Jorge Varanda, em História, Ciências, Saúde – Manguinhos (vol. 21, n. 2, abr./jun. 2014)
Veja o sumário desta edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhos (vol.21, no.2, abr./jun. 2014)
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Diamantes, doença e saúde em Angola. Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. [viewed 28 July 2014]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/diamantes-doenca-e-saude-em-angola/