Fevereiro/2015
Era setembro de 1918 quando os cariocas começaram a cair doentes. A febre chegara da Europa. Numa cidade com cerca de um milhão de habitantes, estima-se que 600 mil adoeceram e 15 mil morreram. Era a ‘Espanhola’, que estava dizimando na Europa e mataria de vinte a trinta milhões de pessoas no Ocidente.
Os médicos não sabiam como tratar a gripe espanhola. Receitavam quinino, caldo de galinha e limão.
Os cariocas morriam em qualquer lugar e iam sendo recolhidos pelos funcionários da Prefeitura, que jogavam os corpos em carroças da limpeza pública. Os cadáveres eram empilhados. Conta-se que quando descobriam ainda vivo alguém dado como morto, acabavam de matá-lo com as pás. Nos cemitérios, coveiros abriram valas, onde eram despejadas dezenas de mortos. Sem rituais como velório ou enterro. Não havendo pessoal suficiente para recolher e enterrar os mortos, foram utilizados os presidiários. Mesmo assim, o cenário de corpos amontoados pelos cemitérios ou abandonados pelas ruas desertas era desolador.
A doença atingira quartéis, fábricas e escolas. As autoridades orientaram a população a evitar aglomerações. A cidade transformou-se num caos generalizado. Faltavam alimentos, armazéns eram saqueados. O pânico e o desespero diante da inoperância da saúde pública em relação à epidemia levaram o povo às procissões, pedindo ajuda a São Sebastião.
No final de outubro, a situação era alarmante. A epidemia forçara o fechamento do comércio e das indústrias e a interrupção dos serviços públicos. A cidade estava paralisada.
Frente ao desconhecimento de medidas que pudessem impedir o contágio ou tratar os doentes, o governo passou a distribuir quinino, sem saber o real valor terapêutico dessa substância no combate à gripe ou o perigo da sua ingestão sem controle.
Em novembro, assim como surgira, a ‘Espanhola’ foi embora. As pessoas começaram a sair de casa e retomaram o cotidiano, com sentimentos de medo e alegria. E a história virou música. Os memorialistas qualificam o Carnaval de 1919 como um dos mais animados que o Rio de Janeiro já teve. Uma alegria incomum tomou conta da cidade. Blocos carnavalescos e bailes fizeram alusão à gripe. Depois da dor, os cariocas caíram na farra, dramatizando a situação que os vitimara.
Leia em HCS-Manguinhos:
O Carnaval, a peste e a ‘espanhola’, artigo de Ricardo Augusto dos Santos
Ainda na revista:
Os súditos de Momo na República branca: cronistas e carnaval na imprensa carioca, artigo de Vera Lúcia Bogéa Borges
E no blog:
Outros carnavais na Casa de Rui Barbosa
Exposição exibe registros de carnavais de 1887 a 1999, quando o enredo da escola de samba São Clemente lembrou os 150 anos do nascimento de Rui Barbosa
O doutor que virou marchinha de carnaval
Lamartine Babo e Noel Rosa não perderam a chance de fazer piada com os curiosos xenoimplantes glandulares do Dr. Voronoff
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Cuidado com a ‘Espanhola’!. Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. [viewed 13 February 2015]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/cuidado-com-a-espanhola