Março/2022
Por mais de um século, embora o comércio de peles e carne de coelhos na Austrália fosse bastante rentável, o prejuízo causado pela praga de coelhos acabava sendo muito maior. “O coelho é para a Austrália o que a formiga saúva representa para o Brasil”, comparou o pesquisador Henrique de Beaurepaire Aragão, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em 1952. Na década de 1930, as perdas causadas aqui pelas formigas chegavam a 10% da produção agrária do país, a ponto de se criar uma campanha nacional contra a saúva em 1935.
A analogia inspirou o título do artigo O coelho é a saúva: a proposta brasileira e o uso do vírus do mixoma (MYXV) contra a praga de coelhos na Austrália, 1896-1952, publicado no número especial sobre a história da relação entre animais da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (vol. 28, supl., dez/2021). Os autores Gabriel Lopes e Jorge Tibilletti de Lara, respectivamente pesquisador em estágio pós-doutoral e doutorando no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, contam como um vírus letal para uma espécie de coelhos, descoberto por acaso na América do Sul, foi utilizado para o controle biológico de coelhos do outro lado do mundo nos anos de 1950. No artigo, eles analisam a trajetória do vírus do mixoma (MYXV) do Brasil até a Austrália como solução para uma praga de Oryctolagus cuniculus, o coelho-europeu, também conhecido como coelho-bravo.
A narrativa segue as pesquisas de Henrique de Beaurepaire Aragão no IOC e, posteriormente, os esforços da cientista australiana Jean Macnamara para implementar o MYXV para controlar a praga de coelhos na Austrália.
Segundo Lopes e Tibilletti de Lara, a analogia entre coelhos e saúvas, feita a partir de dados econômicos, bem como todo o êxito e a repercussão das experiências com o MYXV na Austrália, expressa um protagonismo dos brasileiros do IOC num problema que já se arrastava por mais de um século. Os autores observam os processos históricos que constituíram o MYXV como um desafio para o campo das pesquisas com vírus no início do século XX e como esses estudos promoveram o desenvolvimento dos campos da imunologia e virologia a partir do trabalho de cientistas brasileiros e australianos no controle biológico.
O artigo foi publicado no número especial Reciprocidades em desequilíbrio: história das relações entre animais (História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 28, supl., dez/2021). Na pesquisa, foram consultados artigos e notas de pesquisa de cientistas brasileiros, europeus e australianos, documentos oficiais que registraram o desenvolvimento dos experimentos e periódicos australianos de grande circulação. O artigo aponta para os perigos das espécies exóticas invasoras, questões políticas e científicas relacionadas ao controle biológico e os entrelaçamentos inevitáveis entre a história das ciências, história ambiental e história dos animais.
Leia em HCS-Manguinhos:
O coelho é a saúva: a proposta brasileira e o uso do vírus do mixoma (MYXV) contra a praga de coelhos na Austrália, 1896-1952, artigo de Gabriel Lopes e Jorge Tibilletti de Lara (História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 28, supl., dez/2021)
Acesse integralmente o suplemento especial sobre relações entre animais da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v. 28, dez/2021)
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