Conhecimento a quem pertence

Outubro/2025

ENTREVISTA | Roberta Cardoso Cerqueira

Por Marina Lemle | Blog de HCS-Manguinhos

Roberta Cardoso Cerqueira

Roberta Cardoso Cerqueira

Esta semana, de 20 a 26 de outubro, acontece mais uma edição da Semana Internacional do Acesso Aberto, realizada desde 2009 com atividades em vários lugares do mundo. 

Aproveitamos o movimento para entrevistar Roberta Cardoso Cerqueira, editora-executiva da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS/COC/Fiocruz), membro do Fórum de Editores da Anpuh, do Fórum de Ciência Aberta da Fiocruz e do Grupo de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal de Sergipe (GET/UFS).

O tema escolhido para 2025 pela Sparc (Scholarly Publishing and Academic Resources Coalition) para esta edição da Open Access Week é Who Owns Our Knowledge? – que se pode traduzir por “A quem pertence nosso conhecimento?”.

Blog de HCS-Manguinhos: Como editora-executiva da HCS-Manguinhos, revista de acesso aberto desde o nascimento, editada por uma unidade de ensino e pesquisa de uma instituição pública do Ministério da Saúde do Brasil, você poderia responder à pergunta tema da Semana? A quem, afinal, pertence nosso conhecimento?

Roberta Cardoso Cerqueira: Essa é uma ótima pergunta, mas de resposta complexa. O conhecimento publicado nas revistas de acesso aberto pertence a qualquer um que tenha interesse em pesquisar sobre os diversos temas que os periódicos publicam. Nesta modalidade de publicação científica, não há cobranças de taxas para acessar os conteúdos, a leitura é gratuita. Quero destacar que o modo de publicação científica predominante na América Latina é o de “acesso aberto diamante”, ou seja, aquele em que não se paga para ler e não há cobrança para submissão por parte dos autores. Conteúdos disponibilizados sem restrições também facilitam o trabalho de divulgação científica dos artigos e contribuem para uma circulação maior dos trabalhos científicos e, portanto, reforçam que o conhecimento deve ser de toda a sociedade. Percebo que cada vez mais editores e equipes editoriais das revistas científicas têm se dedicado a realizar o trabalho de divulgar os artigos. Somam-se a este esforço – na área de história, quase sempre individual – ações de divulgação científica de história como blogs, canais no Youtube, podcasts, entre outros.  

Há, no entanto, outro aspecto relacionado ao modelo de acesso aberto que, a partir da disseminação da ciência aberta, tem gerado intenso debate: o uso destes dados científicos abertos em trabalhos publicados em periódicos que cobram pelo acesso. Pesquisadores, estudiosos da comunicação científica e editores denunciam o uso da informação científica em publicações cujos valores, tanto para publicar artigos, quanto para acessar o conteúdo, são exorbitantes. O debate revela as assimetrias no universo da publicação científica, já que os periódicos científicos do Sul Global são publicados em acesso aberto diamante, enquanto as revistas como Nature e Science, para citar as mais conhecidas cobram caro tanto pela submissão dos manuscritos quanto pelo acesso dos artigos publicados.  

O livre acesso aos resultados de pesquisa, defendido e praticado por pesquisadores em diversos países é, a meu ver, indispensável para assegurarmos a democratização do conhecimento científico e o combate à desinformação. A pandemia de Covid-19 deixou evidente essa questão. 

Blog de HCSM: Que mudanças você viu ao longo dos anos em relação às políticas de acesso aberto e que impactos tiveram?

O advento da internet e sua popularização trouxe, sem dúvida alguma, mudanças na forma de se publicar. Algumas etapas da publicação foram agilizadas. Por exemplo, os manuscritos passaram a chegar nas redações das revistas primeiro por e-mail, depois por meio de submissões via sistemas eletrônicos. O desenvolvimento das revistas em ambientes eletrônicos diminuiu custos e fez com que as tiragens em papel das revistas fossem suspensas. Porém, publicar uma revista acadêmica no modelo de acesso aberto e com qualidade continua sendo um processo custoso e cada vez mais complexo, que exige editores e equipes editoriais qualificados com uma expertise que é preciso construir, afinal não há formação para editores ou profissionais de editoria científica.

Com a “chegada” da Inteligência Artificial, temos ainda mais um desafio que envolve questões tecnológicas e éticas. Ela pode ser uma ótima ferramenta, se usada de forma correta, e não para nos transformar em editores de texto produzidos pela IA. Não é essa produção científica que desejamos publicar.   

É importante lembrar que, além dos periódicos científicos, o acesso aberto engloba também os repositórios institucionais nos quais a produção científica e técnica é depositada e disponibilizada para todos consultarem. 

Que mudanças ainda espera ver, e por quê?

Espero ver uma política mais organizada de apoio aos periódicos científicos nacionais, com financiamentos mais adequados ao tamanho e importância da ciência publicada por eles. O Brasil tem uma estrutura de publicação científica no modelo de acesso aberto bastante consistente, com uma iniciativa pioneira e relevante que é o Scielo. Na área de história, temos avançado em discutir diretrizes e critérios norteadores do que a disciplina avalia como boas revistas científicas, por meio do Fórum de Editores de História da Anpuh. Publicar a revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos só é possível graças ao apoio institucional que temos da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e, mesmo com ele, ainda enfrentamos obstáculos para avançar com as mudanças que desejamos na revista.   

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