Dezembro/2015
Não é nova a preocupação com o uso/abuso de substâncias psicoativas. No início do século XX, a Liga Brasileira de Higiene Mental, composta por profissionais de diversas áreas, especialmente da psiquiatria, investia em campanhas de combate ao alcoolismo e ao consumo de outras drogas, como ópio, cocaína e morfina, apesar de algumas serem lícitas e usadas com fins terapêuticos. Hoje, diante do clamor da sociedade e da mobilização de alguns segmentos, a questão tem sido tratada, especialmente pela mídia, de forma superficial, com viés moralista e preconceituoso, e como se fosse um fenômeno da atualidade. É o que afirmam as psicólogas Renata Cristina Marques Bolonheis-Ramos e Maria Lucia Boarini no artigo Comunidades terapêuticas: “novas” perspectivas e propostas higienistas, publicado em HCS-Manguinhos (vol.22 n.4 out./dez. 2015). As autoras explicam que os pressupostos defendidos por boa parte dos higienistas há um século, de se isolar e esconder os usuários de drogas sob o pretexto de oferecer “tratamento”, continuam presentes. No artigo, elas analisam possíveis aproximações do legado higienista com as propostas das comunidades terapêuticas atuais, que visam soluções imediatas com financiamento público. “Se a clientela principal dos hospícios do início do século XX era formada por miseráveis, marginais, desempregados, imigrantes desocupados, índios, negros, “degenerados”, toda sorte de pessoas que poderiam ameaçar a ordem pública, o alvo principal das medidas atuais de internação compulsória continua sendo a ‘escória’ da sociedade, os desocupados da atualidade, em geral pessoas menos favorecidas social e economicamente, em um claro processo de limpeza das ruas”, afirmam. Segundo as autoras, apesar das políticas relativas a álcool e outras drogas constituírem passos importantes no enfrentamento do problema, elas vêm sendo instituídas num contexto de pânico social relacionado ao uso do crack. Além disso, a falta de diálogo que ainda se observa entre instâncias federais, estaduais e municipais, na saúde, na segurança pública e na assistência social, tem gerado ações caóticas, que, segundo as psicólogas, têm como principais propósitos a limpeza do território e a dispersão dos “indesejados” para a periferia. Para elas, os problemas decorrentes do uso/abuso de drogas continuam deixando o ônus maior aos usuários, às pessoas ao seu redor e à saúde pública. “Não podemos usar o terror e o pânico gerados pela questão das drogas para legitimar a internação prolongada, própria da ultrapassada cultura manicomial”, enfatizam. Em contraposição, elas destacam que nos últimos anos a redução de danos tem conquistado espaço na política sobre drogas. Leia nesta edição de HCS-Manguinhos: Comunidades terapêuticas: “novas” perspectivas e propostas higienistas, artigo de Renata Cristina Marques Bolonheis-Ramos, psicóloga da Prefeitura Municipal de Maringá, e Maria Lucia Boarini, professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia/Universidade Estadual de Maringá, Paraná. Por uma sociedade sem hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, artigo de Ana Luiza Gonçalves dos Santos, Francisco Ramos de Farias e Diana de Souza Pinto Alcoolismo e estética da existência: Jack London e a lógica branca de John Barleycorn, artigo de Marco Antonio Arantes Edição especial de HCS-Manguinhos: “Hospício e Psiquiatria na Primeira República: diagnósticos em perspectiva histórica” E ainda em HCS-Manguinhos: Tenório, Fernando. A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e conceitos. Abr 2002, vol.9, no.1 Carrion, Carla Torres Pereira, Margotto, Lilian Rose and Aragão, Elizabeth Maria Andrade As causas das internações no Hospital Adauto Botelho (Cariacica, ES) na segunda metade do século XX. Dez 2014, vol.21, no.4 Almeida, Francis Moraes de. Descontinuidades e ressurgências: entre o normal e o patológico na teoria do controle social. Set 2013, vol.20, no.3 Facchinetti, Cristiana and Muñoz, Pedro Felipe Neves de Emil Kraepelin na ciência psiquiátrica do Rio de Janeiro, 1903-1933. Mar 2013, vol.20, no.1 Gama, Jairo Roberto de Almeida. A constituição do campo psiquiátrico: duas perspectivas antagônicas. Mar 2012, vol.19, no.1 Venancio, Ana Teresa A. Da colônia agrícola ao hospital-colônia: configurações para a assistência psiquiátrica no Brasil na primeira metade do século XX. Dez 2011, vol.18, suppl.1, Jabert, Alexander. Estratégias populares de identificação e tratamento da loucura na primeira metade do século XX:uma análise dos prontuários médicos do Sanatório Espírita de Uberaba. Mar 2011, vol.18, no.1 Facchinetti, Cristiana et al. No labirinto das fontes do Hospício Nacional de Alienados. Dez 2010, vol.17, suppl.2 Facchinetti, Cristiana, Cupello, Priscila and Evangelista, Danielle Ferreira Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins: uma fonte com muita história. Dez 2010, vol.17, suppl.2 Santos, Fernando Sergio Dumas dos and Verani, Ana Carolina Alcoolismo e medicina psiquiátrica no Brasil do início do século XX. Dez 2010, vol.17, suppl.2 Nunes, Sílvia Alexim. Histeria e psiquiatria no Brasil da Primeira República. Dez 2010, vol.17, suppl.2 Birman, Joel. A cena constituinte da psicose maníaco-depressiva no Brasil. Dez 2010, vol.17, suppl.2 Nunes, Everardo Duarte. Hollingshead e Redlich: a pesquisa sobre classe social e doença mental cinquenta anos depois. 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