‘Cientistas no Exílio: Autoritarismo, Sofrimento e Conhecimento’ é tema do Encontro às Quintas

Novembro/2019

Gilberto Hochman

“Cientistas no Exílio: Autoritarismo, Sofrimento e Conhecimento” é o tema do Encontro às Quintas desta quinta, 28/11, às 10h, no auditório do CDHS, na Fiocruz, no Rio.

A mesa-redonda será coordenada por Gilberto Hochman, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, e terá a participação dos pesquisadores Denise Rollemberg, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF), André Felipe Cândido da Silva, do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (PPGHCS-COC/Fiocruz) e do próprio Hochman, que conversou com o Blog de HCS-Manguinhos sobre a sua pesquisa acerca do tema. 

Qual o objetivo da sua pesquisa?

O objetivo é analisar como cientistas brasileiros percebiam as relações entre ciência e política nas suas experiências de exílio entre 1964 e 1969. Mais precisamente, entre o golpe de 31 de março de 1964 e o Ato Institucional n.5 de 13 de dezembro de 1968 com suas consequências mais imediatas. É uma reflexão sobre os impactos do autoritarismo sobre a ciência em suas dimensões políticas, científicas, institucionais e individuais. Essa pesquisa faz parte de uma linha mais ampla de reflexão sobre “Ciência e Saúde no Brasil da Guerra Fria”.

Que fontes foram utilizadas?

A principal fonte é a correspondência trocada entre professores, assistentes, alunos e instrutores da Universidade de São Paulo (USP), especialmente da Faculdade de Medicina (FMUSP) e do chamado “departamento vermelho”, o da Parasitologia Médica. Alguns eram, ou tinham sido no passado, militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). E, todos, críticos do golpe que derrubara o presidente João Goulart e do clima repressivo instaurado nas universidades. Ainda que tivesse influência e conexões em outras faculdades da USP e em universidades paulistas e brasileiras, era um grupo minoritário dentro de uma FMUSP politicamente conservadora.

 Esses professores foram os alvos primeiros e preferenciais de delações, perseguições, prisões e demissões, de Inquéritos Policiais Militares (IPMs) e de processo na Justiça Militar. Foram vítimas da “operação limpeza” que buscou expurgar da universidade, os “subversivos” e “doutrinadores”. Os que não se exilaram e permaneceram no país e na universidade tiveram seus espaços de trabalho restringidos e foram afastados de seus colegas e amigos. Alguns retornaram ao Brasil em 1967-1968, quando setores do governo Castelo Branco sinalizaram o interesse de repatriar os “cérebros” que estavam fora. Foi a chamada “Operação Retorno”.

Luiz Hildebrando Pereira da Silva

Parte dos crentes nesses acenos, como Luiz Hildebrando Pereira da Silva, Luis Rey e Erney Camargo, foram vítimas do AI-5 em abril de 1969 e tiveram que partir para novo e longo exílio ou permanecer no Brasil, mas sem direitos políticos e fora da universidade pública. E alguns, desencantados com os rumos do país e da universidade brasileira, mudaram de cidade, de instituição ou mesmo abandonaram a carreira. 

As cartas trocadas entre Maria Deane, Leonidas Deane, Judith Kloetzel, Kurt Kloetzel, Samuel Barnsley Pessoa, Erney Camargo, Luiz Hildebrando, Luis Rey, Julio Puddles, Michel Rabinovich, Victor Nussensweig, entre outros, são reveladoras da experiência dramática do exílio abrupto, dos desafios de ser cientista no exterior, das saudades dos amigos e do Brasil, das críticas ao regime autoritário e aos colegas delatores e aos omissos e dos dramas das famílias que tiveram suas vidas alteradas com o desterro.

Erney Camargo

O que pôde concluir a partir da pesquisa?

A partir desse conjunto de fontes tenho sugerido que, ainda que exilados por razões políticas e ideológicas, foi a condição de críticos da Faculdade de Medicina e cientistas no campo da biomedicina que conformou os seus escritos e suas experiências nesse primeiro exílio.

O que se desvela é uma conversa epistolar entre amigos sobre o fazer ciência no Brasil e no exterior e sobre o futuro da universidade brasileira que era indissociável das análises de conjuntura política.

É possível traçar um paralelo com os dias de hoje?

Essa é uma reflexão histórica que diz respeito às relações entre ciência e a democracia no Brasil, especialmente em um momento de questionamento da ciência e do papel da universidade pública. Mais ainda em um ano que relembramos os 40 anos da Lei da Anistia que possibilitou o retorno de banidos e exilados ao Brasil e, também, às vésperas dos 50 anos do “Massacre de Manguinhos” (abril de 2020) que atingiu 10 cientistas do então Instituto Oswaldo Cruz (hoje Fiocruz) que foram cassados pelo AI-5 e que levou ao exílio.

Leia no Blog de HCS-Manguinhos:

Um resgate do Massacre de Manguinhos
Cassação dos pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz pela ditadura militar foi triste marco da ciência brasileira; reintegração dos cassados afirmou processo de redemocratização da Fiocruz

‘Livro sobre cassação de cientistas pela ditadura é símbolo de época que não pode voltar’
Para Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, o Massacre de Manguinhos evidencia não somente uma perseguição dirigida a um grupo de cientistas, mas um ataque ao pensamento livre. Livro de Herman Lent foi relançado nas comemorações dos 119 anos da Fiocruz.