Ciência, política e religião nos saberes psicológicos na Itália

Outubro/2016

Ana Teresa A. Venâncio, Pesquisadora do Departamento de Pesquisas em História das Ciências e professora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Agostino Gemelli (1878- 1959)

Agostino Gemelli (1878- 1959)

Por meio da atuação de Agostini Gemelli (1878-1959) — padre franciscano e figura central da psicologia italiana nas décadas de 1930 e 1940 —, que teve papel importante na articulação entre catolicismo e fascismo, Pasqualini desenvolve sua análise. Investiga os diferentes caminhos pelos quais, na Itália do entreguerras, onde ocorria a ascensão do fascismo, as ciências psicológicas se institucionalizaram tanto do ponto de vista de seus espaços de produção e circulação dos saberes quanto do ponto de vista das teorias (a psicanálise freudiana, a de seus discípulos, a psicoterapia, a psicologia experimental etc.), que foram mais ou menos bem recebidas pelos diferentes grupos e saberes já em atuação em terras italianas, frente ao novo contexto sociopolítico. Temos duas boas surpresas ao lermos a excelente história que Pasqualini conta. A primeira é que, de modo exemplar, o autor faz uma revisão criteriosa sobre o que diversos pesquisadores já demonstraram a respeito do padre Agostini Gemelli e de sua centralidade para a história da psicologia, passando, então, a observá-lo do ponto de vista dos laços e acordos institucionais que produziu em torno das ciências psicológicas na Itália do entreguerras. Agostini não é, assim, nem o algoz nem o herói da psicologia italiana. A segunda surpresa é exatamente podermos observar sob esse novo prisma as relações entre os mundos da ciência, da política e da religião que foram tecidas tendo como ponto de interseção Agostini Gemelli. Esta é a sua centralidade: circular por esses três mundos e articular com as diferentes linhas de força sociais da época o desenvolvimento das ciências psicológicas a partir de certos espaços institucionais e de correntes teóricas especificas, e não de outras. Assim, por exemplo, Agostini constrói no contexto italiano do entreguerras uma relação complexa com a psicanálise freudiana: atacando-a como difusora de uma visão de mundo perigosa para a ordem social católica e sob a égide do fascismo, ao mesmo tempo que a defende pelo conhecimento científico que leva à investigação de importante dimensão do humano: o inconsciente. Com isso, a história da psicologia italiana reforçava a distinção entre uma boa ciência (a psicanálise purificada) e uma má ciência (aquela que deturpa certa ordem social). Mauro Pasqualini faz coisa muito melhor: demonstra que não há boa ciência e má ciência, mas diferentes modos de fazer ciência e de dar-lhe uso social. A nós, que vivemos a passagem do século XX para o século XXI, fica a pergunta: a que têm servido as ciências que hoje estamos construindo?

Para ler o artigo, acesse

PASQUALINI, M. Un enigma llamado Agostino Gemelli: catolicismo, fascismo y psicoanálisis en la Italia de entreguerras. Hist. cienc. saude-Manguinhos [online]. In press. [viewed 19th October 2016]. ISSN 0104-5970. DOI: 10.1590/S0104-59702016005000005. Available from: http://ref.scielo.org/9tpmyy

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