Ciência aberta para quem?

Dezembro/2024

Marina Lemle / Blog de HCS-Manguinhos

Germana Barata no evento dos 30 anos de HCS-Manguinhos

Germana Barata no evento dos 30 anos de HCS-Manguinhos

Apesar dos largos passos andados nos últimos 20 anos para tornar acessível o conhecimento científico, o fato de estar em acesso aberto não quer dizer que aquele conhecimento esteja acessível a não especialistas de forma que possam entender e usar. “A ciência se abriu muito mais para a própria comunidade acadêmica do que para a sociedade”, afirmou a professora, pesquisadora e jornalista Germana Barata, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor/Unicamp), uma das convidadas da mesa “Divulgação de periódicos científicos na área de ciências humanas”, realizada em 8 de agosto de 2024, no evento em comemoração aos 30 anos da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos.

“Me pergunto: ciência aberta para quem?”, provocou.

Também presente, em 2019, ao evento que comemorou os 25 anos da revista no mesmo auditório da Fiocruz, Germana concentrou sua fala nos avanços dos últimos cinco anos para tornar a produção científica acessível ao grande público. Para chegar nesse ponto, entretanto, ela retrocedeu às propostas de 20 anos atrás, e o quanto se realizou de fato. A professora lembrou que, há duas décadas, o acesso aberto foi norteado por três declarações para tornar o conhecimento científico um bem público, conhecidas como as três “B”: Budapeste, Bethesda e Berlim.

A declaração de Budapeste, de 2002, foi a primeira a usar o termo acesso aberto e a articular dimensão pública, ao propor que a comunicação deveria atingir colegas acadêmicos, a imprensa acadêmica e imprensa não acadêmica “mainstream”. Na de Bethesda, 2003, professores e bolsistas foram incentivados a publicar seus trabalhos de acordo com os princípios do modelo de acesso aberto para maximizar o acesso e o benefício para cientistas, acadêmicos e público em todo o mundo. No mesmo ano, a Declaração de Berlim afirmava que “a missão de disseminar o conhecimento estará incompleta se a informação não for tornada rapidamente acessível e em larga escala à sociedade”.

Gráfico da Unesco/Reprodução de slide de Germana Barata

Gráfico da Unesco/Reprodução de slide de Germana Barata

Já as últimas recomendações da Unesco, de 2021, segundo a pesquisadora, fazem realmente pensar em ciência aberta como algo muito maior, onde o conhecimento, dados, pareceres, infraestrutura abertos são parte importante desse ciclo, assim como o engajamento aberto com atores sociais e o diálogo aberto com outros sistemas de conhecimento.

Germana destacou que a divulgação científica é parte do marketing científico, e destacou a importância do movimento do SciELO desde 2014 para dar visibilidade à ciência brasileira no Brasil e no exterior, apostando nas promessas da altimetria, que, porém, tinha limitações, e não trouxe os resultados que se gostaria.

Segundo a professora, a pandemia levou a mudanças na comunicação científica nesses últimos cinco anos, sendo forçada a ser mais ágil para responder questões sociais e ser acessada por não especialistas. Ela lembrou que os pre-prints começaram a ser acessados inclusive por negacionistas e antivacinas.

“Percebemos que nossa missão tem que ir muito além de comunicar a ciência apenas para pares. É fazer um esforço de estar na mídia colaborando para responder questões relevantes socialmente”, defendeu.

Missão ODS 2030: ciência na mídia

Nesse sentido, Germana evoca os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que entram nas políticas editoriais para mostrar como as próprias revistas têm produzido e publicado para dar respostas a problemas sociais urgentes, que devam ser resolvidos ou minimizados até 2030. “A divulgação científica entra aí. As revistas científicas são boa base de informação primária para o jornalismo, mas como o jornalista chega nessas pesquisas?”, indagou.

Segundo ela, ter jornalistas na própria equipe do periódico, como é o caso da HCS-Manguinhos, é uma raridade na América Latina, sobretudo no Brasil e nas Humanidades. Assim, Germana destaca que entre as fontes mais importantes do jornalismo especializado ou generalista estão as agências de notícias, brasileiras e internacionais – foco de estudo do grupo de pesquisa dela no Labjor/Unicamp.

De acordo com Germana, o trabalho das agências, ao tornar o artigo publicamente relevante, ajuda a derrubar o paywall – necessidade de assinar para ler. Ela explica que comunicados de imprensa são abertos e podem levar o conteúdo para além dos limites das redes sociais, para três mil jornalistas, e dali a um milhão de acessos, que não são restritos a jornalistas.

Germana apresentou gráficos que mostram a distribuição por área das revistas da base SciELO. A maior parte do SciELO é de ciências da Saúde, Humanidades e Ciências Sociais. Ela contou que a Agência Bori, que tem uma parceria com o SciELO, cobre bastante ciências da saúde e biológicas, que são de grande interesse social, mas as humanidades, apesar do maior número de revistas, não conseguem gerar tanto interesse social e jornalístico. “O desafio a ser superado é como as ciências humanas podem gerar maior interesse público”, disse. Além da Bori, outras agências de notícias, como a Agência Fiocruz, a Agência Brasil e os sites SciDevNet e The Conversation Brasil têm papel importante na divulgação de conteúdos científicos.

A mesa contou com a participação de Ronaldo Araújo (Universidade Federal de Alagoas), José Ragas (Pontificia Universidad Católica de Chile), Germana Barata (Universidade Estadual de Campinas), Mariana de Moraes Silveira (revista Varia Historia/Universidade Federal de Minas Gerais) e Roberta Cardoso Cerqueira (Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz/revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos). A mediação ficou a cargo de Vivian Mannheimer (Ascom/Casa de Oswaldo Cruz/Revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos).

Assista a fala de Germana Barata a partir dos 33 minutos ou veja a mesa completa desde o início. Leia também o que já publicamos sobre o evento e acompanhe as próximas publicações.

Leia também:

Quando a divulgação pauta a própria revista

Assim como os artigos científicos pautam seus meios online, o inverso também acontece. Vide as experiências das revistas Varia HistoriaHCS-Manguinhos e Tapuya, apresentadas no evento de 30 anos da Manguinhos.

Periódicos de humanidades tecendo rumos da divulgação científica

Editores discutem desempenho de revistas nas redes sociais e caminhos a trilhar.
Ronaldo Araújo apresentou estudo sobre periódicos indexados na base SciELO.

Rio de Janeiro é o estado brasileiro com mais periódicos de História

Das 208 revistas brasileiras indexadas na área de História, 101 (48,6%) são do Sudeste. Os dados foram expostos por Marcos Eduardo de Sousa na mesa “Qualis Periódicos na área de história”, no evento de 30 anos da revista HCS-Manguinhos. Já Marcus Leonardo Bomfim Martins, editor da revista História Hoje, abordou os desafios à interdisciplinaridade, questão especialmente sensível ao periódico aniversariante.

Ciência aberta: além de produtos, processos

Editores de periódicos de ciências sociais e humanas contam suas experiências com ciência aberta no evento em comemoração aos 30 anos da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos.

Usos e limites da Inteligência Artificial Generativa na comunicação científica

Em apresentação no evento em comemoração aos 30 anos da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Sônia Menezes, editora da Revista Brasileira de História e professora da Universidade Regional do Cariri, explicou que a GenAI pode gerar conteúdos de forma autônoma em texto, imagem, vídeo e áudio, além de corrigir, traduzir e até melhorar argumentos. Mas há questões éticas e cada publicação tem suas regras.

Ciência aberta na Fiocruz: um “ecossistema”

Do acesso aberto aberto dos nove periódicos científicos até plataformas online que promovem a ciência cidadã, a ciência aberta na Fundação Oswaldo Cruz é como um “grande guarda-chuva de práticas e iniciativas”, conforme apresentou a coordenadora do Fórum de Editores Científicos da Fiocruz, Vanessa Jorge, no evento de 30 anos da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos.

A pesquisa como bem público, e não como mercadoria

Editor-científico do periódico História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Marcos Cueto explicou que o modelo comercial das grandes editoras do Norte Global cobra altos valores de assinatura a bibliotecas e leitores e glorifica indicadores controversos como o fator de impacto. Ele participou da mesa Ciência aberta nas revistas científicas de humanidades no evento de 30 anos da revista da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.

Manguinhos, para os íntimos

Há 30 anos, Ruth Martins, Jaime Benchimol e Paulo Gadelha participaram da criação da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Eles contaram suas memórias na mesa de abertura do evento comemorativo pelas três décadas do periódico científico da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.

Trinta anos de capas da revista HCS-Manguinhos num arquivo só

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Ciência aberta e os periódicos de ciências humanas: o evento online dos 30 anos da HCS-Manguinhos

Assista as mesas no YouTube da Casa de Oswaldo Cruz

30 anos de HCS-Manguinhos: revista inovadora desde a concepção

“Uma pérola”. Assim o diretor da Casa de Oswaldo Cruz, Marcos José de Araújo Pinheiro, descreve o periódico da Casa. Ele conversou com o Blog de HCS-Manguinhos após a mesa de abertura do evento Ciência aberta e os periódicos de ciências humanas

Três décadas nada triviais para uma revista científica de história das ciências e da saúde

“Dupla mirada no passado e no futuro é peça-chave para se posicionar nesse mundo em transformação”, afirma André Felipe Cândido da Silva, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz e ex-editor-científico de História, Ciências, Saúde – Manguinhos

Divulgação científica em humanidades inova nas redes sociais

No evento em comemoração aos 30 anos da revista HCS-Manguinhos, Ronaldo Araújo, da Universidade Federal de Alagoas, apresentará dados de 122 revistas da coleção SciELO Brasil ativas no Facebook e o desempenho que obtiveram nos últimos cinco anos

História nas redes sociais amplia públicos e acesso ao conhecimento

“As revistas científicas têm sido desafiadas a ampliar a comunicação de seus resultados para além dos especialistas. A revista História, Ciência, Saúde de Manguinhos fez movimentos pioneiros nesta direção”, afirma Germana Barata, do Labjor/Unicamp. Ela participará, nesta quinta, 8/8, da mesa “Divulgação de periódicos científicos na área de ciências humanas”, que encerra o evento em comemoração aos 30 anos da revista.

A ciência aberta e os periódicos de ciências humanas

Em 2024, a revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos completa 30 anos de publicação ininterrupta. Para celebrar o aniversário, preparamos um encontro para discutir os rumos da ciência aberta, da avaliação de periódicos e da divulgação científica em humanidades. Assista no YouTube!

HCS-Manguinhos: fonte fundamental de bibliografia

A pesquisadora e professora Lorelai Kury recomenda o periódico da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz como fonte inicial para quem está em vias de começar uma pesquisa na área de história das ciências. Em comemoração aos seus 30 anos, a revista realiza, em 7 e 8/8, o evento “Ciência aberta e os periódicos científicos de ciências humanas”. Assista pelo YouTube!

Jaime Benchimol: “Tiro o chapéu em homenagem à bravura da equipe de HCSM”

Editor-científico de História, Ciências, Saúde – Manguinhos por quase 20 anos, até 2015, o historiador enfatiza que a revista “resistiu bravamente aos tempos adversos do governo fascista de Jair Bolsonaro, cujos esbirros fizeram de tudo para estrangular a revista, privando-a de recursos e até mesmo – suprema covardia! – de seu vínculo com a área de História”

Charles Pessanha: um cientista em defesa da publicação científica brasileira

Como editor adjunto da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, sempre trazia comentários, sugestões e informações sobre o estado da arte da publicação científica no Brasil e no mundo. “Generoso, compartilhou comigo suas experiências e as tantas histórias em uma longa entrevista em 2022”, conta, comovida, Roberta Cardoso Cerqueira, editora-executiva da revista.

HCSM é um espaço aberto a convivências de diversas perspectivas”, afirmava Paulo Gadelha em 1994

Diretor da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) de 1985 a 1997, o ex-presidente da Fiocruz (de 2009 a 2016) assina o primeiro texto da revista (História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 1, n.1, jul/out, 1994). Gadelha participará da mesa de abertura do evento comemorativo de 30 anos da revista, Ciência aberta e os periódicos científicos de ciências humanas, em 7 e 8 de agosto, com transmissão pelo YouTube!

Trinta anos da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Participe!

Lançada em 1994 pela Casa de Oswaldo Cruz, revista tem acesso aberto e publica artigos inéditos, entrevistas e resenhas de livros. Entrou no portal SciELO no ano 2000 e em 2013 foi pioneira na “blogosfera” e nas redes sociais, com conteúdo em português, inglês e espanhol. Assista ao evento comemorativo online!