#25anosHCSM: Ciência aberta em história: como fazer?

Agosto/2019

Marina Lemle e Vivian Mannheimer | Blog de HCS-Manguinhos

Que o conceito de ciência aberta é mais amplo que o de acesso aberto – pois prevê, além do acesso ao artigo, o acesso a dados, metodologias e outros processos da pesquisa – ficou claro desde o início, com a palestra de Abel Packer, diretor do SciELO, intitulada “A emergência da ciência aberta“. No final do evento, porém, o grande desafio comum aos presentes continuava sendo o de descobrir formas de incorporar a ciência aberta nos periódicos de áreas humanas.

Thaiane Oliveira, Nelson Sanjad, Marcos Cueto, Ana Paula Caldeira e Paula Xavier debatem ciência aberta

Realizado no fim de junho de 2019 na Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, no Rio de Janeiro, o workshop “Presente e futuro das publicações de história: debates por 25 anos de História, Ciências, Saúde – Manguinhos” reuniu editores de periódicos brasileiros e estrangeiros dispostos a discutir novos rumos diante das mudanças que se anunciam.

“A natureza do trabalho científico em história requer aos periódicos uma adaptação seletiva de elementos da ciência aberta”, ponderou Marcos Cueto, editor-científico da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, na última mesa do evento – “Ciência aberta em História: dados de pesquisa e acesso aberto”. Ele observou que muitos ideais da ciência aberta vêm das ciências biomédicas e do laboratório, como, por exemplo, o de se ver os dados como descobertas replicáveis. Mas o que são dados em história, afinal?

Cueto sugeriu algumas formas de as revistas da área aderirem à ciência aberta: criar uma seção de dados de pesquisa para alguns artigos, como relatórios de arquivos, entrevistas orais, projetos de pesquisa originais; criar uma seção não obrigatória de pareceres abertos, com opções como postagem de comentários dos pareceristas ou de outras pessoas; possibilitar a interação entre pareceristas e autores; e informar nas instruções aos autores que artigos publicados no Preprint SciELO serão avaliados rigorosamente.

Entre as dificuldades enfrentadas na transição do acesso aberto à ciência aberta, Cueto cita a maior importância dada aos artigos publicados em revistas fechadas pelos sistemas de promoção de pesquisadores e a necessidade das revistas de assegurarem financiamento e investirem em capacitação de recursos humanos e infraestrutura.

Marcos Cueto

O editor falou sobre a relação conflitante que sempre existiu entre o poder e a ciência. Para ele, além de se dedicar ao trabalho intelectual, o cientista precisa negociar com o poder, seja ele de governos ou empresas, o que traz recursos para a profissionalização de áreas científicas, mas gera o risco de manipulações na ciência. Cueto analisou essa relação ao longo do tempo. Nos anos 1980, com o período de maior globalização e políticas neoliberais na América Latina, a lógica do lucro chega também às universidades. Tal lógica, disse, é a mesma que gera as avaliações quantitativas de produtividade e está em conformidade com a dinâmica das editoras multinacionais e monopólios sobre a propriedade intelectual instituídos pela Organização Mundial do Comércio em 1994.

O Brasil, entretanto, segundo Cueto, teve uma trajetória diferente no que diz respeito a acesso aberto e produção acadêmica em relação ao padrão internacional, de maior alinhamento com o contexto neoliberal. Desde a década de 1980 reina no país a ideia de que a pesquisa, por ser financiada com recursos públicos, precisa ser disponibilizada em acesso aberto. Na contramão de outros países, o Brasil também não terceirizou a produção de revistas ao setor comercial e houve um fortalecimento dos periódicos nacionais de acesso aberto, enquanto lá fora a produção científica estava nas mãos dos grandes publishers (editoras comerciais).

Já nos anos 2000, Cueto relembrou que houve uma convergência e universalização de práticas para o acesso aberto no mundo todo, a partir das oportunidades que surgiram com o desenvolvimento das tecnologias do mundo digital. Ele citou como exemplos a criação de repositórios digitais de teses, como a Public Library of Science (PLoS), criada em 2000, e outros movimentos, como a Iniciativa de Budapeste para o acesso aberto, de 2002, e as declarações de Bethesda e de Berlim. Na América Latina, destacam-se a criação do SciELO, em parceria com a Fapesp e a Bireme, da Red de Bibliotecas Virtuales de Clacso e da Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe (Redalyc). Observou-se também um crescimento da quantidade das publicações e revistas latino-americanas.

Paula Xavier

Coordenadora de Informação e Comunicação da vice-presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, a professora Paula Xavier argumentou que hoje a publicação científica é um grande negócio, com editoras faturando altas cifras, porém 80% das pesquisas realizadas no mundo são financiadas com recursos públicos, e portanto a divulgação do conhecimento produzido deve considerar o interesse público. Segundo ela, a ciência aberta tem como fundamento ser mais transparente, colaborativa e participativa, de forma a chegar cada vez mais perto da sociedade. A professora, que está à frente do Grupo de Trabalho em Ciência Aberta da Fiocruz, citou iniciativas em prol da abertura da ciência desenvolvidas pela Fundação e lembrou que há instituições internacionais que já colocam a abertura de dados como condição para custear ou publicar estudos.

Ana Paula Caldeira

Ana Paula Sampaio Caldeira, editora da Revista Varia Historia, ressaltou a importância da democracia na produção do conhecimento, além da importância da abertura da ciência para a democracia.

A editora apresentou o trabalho da revista, criada em 1985 pelo Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais e hoje disponível exclusivamente online, no SciELO. Ela mostrou exemplos de ações da revista para além da própria revista, como as entrevistas de historiadores no canal da Varia Historia no YouTube.

Em sua apresentação, Thaiane Oliveira, coordenadora do Fórum de Periódicos e Comunicação Científica da Universidade Federal Fluminense e editora-chefe da Revista Contracampo, da UFF, citou como desafios para periódicos perante a ciência aberta as políticas editoriais, a transparência, o preprint, os dados abertos, a avaliação por pares aberta, as métricas alternativas e a divulgação científica.

Thaiane Oliveira

Segundo Thaiane, que também é professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFF, na circulação do conhecimento aberto, a atenção também deve ser voltada ao processo do esforço científico, para que o público possa participar de maneira a entender como o conhecimento científico é gerado.

“Não apenas mudanças na comunicação científica, mas também de posturas científicas, garantem uma maior transparência sobre o fluxo editorial e reconhecem o cidadão como um elemento importante para o fazer científico na contemporaneidade, desde que presente em todo o processo”, defendeu.

A mesa foi mediada por Nelson Sanjad, ex-editor do Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi – Ciências Humanas e editor-adjunto de História, Ciências, Saúde-Manguinhos.

Como citar este post:

Ciência aberta em história: como fazer? Blog de HCS-Manguinhos. Publicada em 15 de agosto de 2019. Disponível em http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/ciencia-aberta-em-historia-como-fazer

Leia mais sobre o workshop no Blog de HCS-Manguinhos:

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