Brasileiros com fé na ciência

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Yurij Castelfranchi (Foto: UFMG)

A maioria dos brasileiros tem uma visão otimista, confiante e de apoio à ciência. E, ao contrário do que se poderia imaginar, ter mais instrução ou acesso a informação não leva necessariamente a uma postura mais positiva sobre o papel da ciência e da tecnologia (C&T) na sociedade. Segundo um estudo feito por Yurij Castelfranchi, Elaine Meire Vilela, Luciana Barreto de Lima, Ildeu de Castro Moreira e Luisa Massarani, a porcentagem de pessoas que acredita que C&T trazem mais benefícios do que malefícios é maior entre pessoas de baixa renda e diminui ao crescer da renda.

Os pesquisadores discutem as descobertas do estudo no artigo As opiniões dos brasileiros sobre ciência e tecnologia: o ‘paradoxo’ da relação entre informação e atitudes, publicado no suplemento A ciência e seus públicos, lançado pela revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos em novembro de 2013. Para entender melhor o assunto, entrevistamos Yurij Castelfranchi, professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Segundo o estudo, cerca de 60% dos brasileiros declaram um elevado interesse em temas científicos e tecnológicos, mesmo possuindo pouco conhecimento e acesso a eles.  Como saber se as respostas foram ‘sinceras’?
As pesquisas sobre os aspectos cognitivos da metodologia de survey mostram que os resultados de qualquer pergunta, em toda enquete, precisam ser interpretados com cautelas. Não se trata apenas de sinceridade, mas de todos os processos espontâneos e nem sempre conscientes que levam as pessoas a atribuir um sentido às nossas perguntas, e os diversos efeitos psicológicos que afetam a memória, as representações, as declarações das pessoas. No caso das perguntas de interesse, diversos fatores precisam ser considerados: o desejo dos entrevistados de produzir (para si mesmos e para o entrevistador) uma imagem positiva de si, de não decepcionar o entrevistador e, sobre tudo, a tendência, bem estudada, que as pessoas têm a exagerar ou enfatizar seu interesse em temas considerados socialmente importantes, relevantes, e a diminuir o interesse declarado para conteúdos ou temas considerados frívolos ou superficiais (como moda, horóscopos, telenovelas). Com certeza, então, o elevado interesse que muitos brasileiros e brasileiras declaram ter para temas de C&T não se transforma em um comportamento concreto de busca de informações ou acesso ao conhecimento. Porém, nossas análises estatísticas mostram que os indicadores de interesse declarado e os de consumo de informação científica declarada permitem identificar realmente grupos de público diferentes: as pessoas que declaram interesse alto, ou um consumo elevado de informação científica, são realmente, estatisticamente, associadas a grupos sociais diferentes e a algumas atitudes diferentes. Por exemplo, ao crescer do consumo declarado de informações científicas, aumenta radicalmente a porcentagem de pessoas que conhecem o nome de instituições de pesquisa ou de cientistas brasileiros, e mudam algumas das atitudes sobre temas de C&T, independente de outras variáveis como educação ou renda.

Existe público para divulgação científica no Brasil? A demanda é maior que a oferta?
Existe, claramente, um público, embora não podemos afirmar isso apenas a partir dos dados da enquete. O grande fluxo de público nos museus e centros de ciência do país, o grande sucesso da Semana Nacional de C&T e das Olimpíadas de Ciência, e, sobre tudo, o budget movimentado, no mercado do infotainment e na indústria cultural, por produtos midiáticos com alto conteúdo de divulgação científica e tecnológica (os canais Dicovery e NatGeo, por exemplo, ou revistas como SuperInteressante), são uma prova disso. Mas eu não falaria tanto em demanda maior, ou menor que a oferta, porque a demanda, em muitos casos, depende da oferta: quanto melhor, mais difusa e mais ampla fica a divulgação científica, mais qualificada e ampla tende a ficar a “demanda”…

Aumentando-se a oferta aumenta-se o interesse?
Esta é uma pergunta complexa. Normalmente, uma população com maior acesso à divulgação científica, em um contexto cultural em que a ciência e a tecnologia são uma parte importante da agenda midiática e do debate público, é uma população mais exigente e mais crítica. Portanto, não necessariamente mais “interessada” em ler revistas de divulgação científica, mas mais atenta e, às vezes, combativa ou questionadora. Com certeza, aumentar o acesso, especialmente em certas regiões do Brasil e para algumas camadas sociais, é um compromisso importante para quem faz divulgação, mas não tanto como meio para aumentar o interesse, quanto como instrumento para favorecer a participação e a inclusão, bem como a qualificação de debates importantes.

A pesquisa identificou que grupos com mais formação ou informação tendem a ser mais cautelosos ou críticos a respeito de alguns aspectos da C&T e enfatizam o riscos associados. Poderia dar exemplos de temas que geram esse tipo de reação?
Na verdade, o resultado mais importante de nosso artigo é o de que a formação e a informação das pessoas influencia de forma muito fraca as atitudes e opiniões deles sobre C&T: outros fatores são importante, como a região em que se mora, o tamanho da cidade e, provavelmente, os valores morais, religiosos, as posições políticas influenciam mais do que o conhecimento a opinião das pessoas (mas isso será objeto de futuros estudos). Contudo, entre os aspectos em que a educação ou a informação afetam as atitudes, detectamos uma situação interessante: nem todas as atitudes mudam da mesma forma ao crescer no nível de escolaridade ou de interesse e informação, por exemplo: algumas se tornam mais positivas, outras não.

Por exemplo, de um lado, as pessoas que conhecem o nome de cientistas ou instituições de pesquisa concordam, com frequência maior, com a ideia de que a pesquisa científica é essencial para a indústria, mas, de outro lado, ao crescer da escolaridade, aumenta a porcentagem de pessoas que concordam com a seguinte afirmativa “Por causa do conhecimento, os cientistas têm poderes que os tornam perigosos”.

Outro exemplo: entre as pessoas que conhecem o nome de cientistas ou instituições de pesquisas brasileiras, aumenta a porcentagem dos que concordam com a seguinte afirmativa: “As aplicações tecnológicas de grande impacto podem gerar catástrofes no meio ambiente”. Por fim, a porcentagem de pessoas que acredita que C&T trazem mais benefícios do que malefícios é maior entre pessoas de baixa renda (que costumam ter menores chances de acesso à informação) e diminui ao crescer da renda.

Nas conclusões, os autores recomendam a realização de pesquisas com enquetes, grupos focais, entrevistas, estudos da mídia e de sua recepção por parte do público e estudos de percepção com públicos específicos, como crianças, adolescentes, professores e políticos. Com quais objetivos?
Em primeiro lugar, para entender de que forma valores morais, crenças, posicionamento políticos influenciam nossas opiniões sobre C&T, é necessário não limitar-se a uma análise estatística com base em enquetes: é preciso ouvir as pessoas, ver de que forma elas constróem sentido, e analisar o discurso na mídia: precisamos de pesquisa de tipo etnográfico, bem como de entrevistas em profundidade, estudos de recepção e de mídia. Em segundo lugar, alguns grupos de público são muito importantes, e merecem estudos específicos: por exemplo, as crianças (porque uma parte importante de nossa representação sobre a ciência se forma na infância), os professores (que são mediadores muito importante não só de conceitos, mas também de representações e valores), e os políticos, porque contribuem para a formação da agenda e da configuração do debate público.

(Por Marina Lemle – Blog de HCS-Manguinhos)

Leia em História, Ciências, Saúde – Manguinhos:

As opiniões dos brasileiros sobre ciência e tecnologia: o ‘paradoxo’ da relação entre informação e atitudes, artigo de Yurij Castelfranchi, Elaine Meire Vilela, Luciana Barreto de Lima, Ildeu de Castro Moreira e Luisa Massarani (vol. 20, nov. 2013)

Suplemento A ciência e seus públicos (vol. 20, nov. de 2013)

Como citar este post [ISO 690/2010]:
Brasileiros com fé na ciência. Blog de História, Ciências, Saúde – Manguinhos. [viewed 05 Februay 2014]. Available from: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/brasileiros-com-fe-na-ciencia/