Janeiro/2014
Cássio Leite Vieira | Ciência Hoje
Ao lado do computador em que digito este texto, uma pilha de livros me causa, dia após dia, constrangimento. Passou a exercer, na proporção direta de sua crescente altura, incômodo em minha consciência – afinal, simboliza o fato de que, por aqui, tarefas têm sido proteladas. Mas, agora, avolumado, o olhar fixo e imutável das lombadas desse edifício de celulose se transmutou em algo auspicioso: a boa produção brasileira na área da história da ciência.
O olhar fixo e imutável das lombadas desse edifício de celulose se transmutou em algo auspicioso: a boa produção brasileira na área da história da ciência
Como nos edifícios habitáveis, esse – construído pela procrastinação e culpa agudizada – começou com uma base, sobre a qual se acumularam, nos últimos anos, (sim, leitor, anos), até este momento, cerca de 10 andares, cada qual com área e pé-direito distintos. O aspecto final é o de uma arquitetura com reentrâncias e saliências, adornada com lembretes autoadesivos e amarelos.
Nas palavras de um professor meu da graduação, “fila é a distribuição equânime e equitativa do tempo que se espera”. Assim, comecemos por aquele que lançou a pedra fundamental do edifício de papel. Porém, antes, advertência ao leitor: o que vem a seguir é uma apresentação de títulos e não a resenha deles.
Teoria quântica – estudos históricos e implicações culturais (Eduepb, 2010) foi organizado por Olival Freire Júnior, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Osvaldo Pessoa Júnior, da Universidade de São Paulo (USP), e Joan Lisa Bromberg, da Universidade Johns Hopkins (EUA). É uma coletânea de 21 artigos, divididos em quatro temas que vão da história e filosofia dessa teoria até suas implicações culturais e educacionais. Saiu em coedição com a editora Livraria da Física, que tem se destacado com seus títulos em história da ciência (ênfase na da física).
Décio Krause, da Universidade Federal de Santa Catarina, e Antonio Augusto Passos Videira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, organizaram 25 artigos para o Brazilian Studies in Philosophy and History of Science – an account of recent works (Springer, 2011), da prestigiosa série Boston Studies (volume 290), cujos membros do conselho editorial são expoentes das duas áreas abordadas pelo livro.
Também de Videira é A inevitabilidade da filosofia na ciência natural do século 19 – o caso da física teórica (Editora Unijuí, 2013). Trata-se de coletânea de artigos escritos por ele sobre as teses filosóficas de luminares da física do século 19 – como Boltzmann, Mach, Hertz, Helmholtz, Ostwald, Maxwell, Poincaré e Kirchhoff – e como essas ideias ajudaram a moldar as contribuições seminais que esses cientistas deram àquela disciplina.
Já a obra História da matemática – uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas (Zahar, 2012), de Tatiana Roque, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem perfil inédito neste país: “[…] é o primeiro livro de história geral da matemática propriamente brasileiro e resultado de pesquisa original”, lê-se no prefácio. Foi escrito com um mínimo de formalismo, sendo, portanto, adequado a público bem amplo. [Em tempo: extrapolando a ideia inicial desta apresentação, sugere-se que a editora, para a próxima edição, inclua um índice geral e onomástico, essenciais para obras com esse caráter.]
Carlos Filgueiras, da Universidade Federal de Minas Gerais, presta inestimável serviço à história da ciência neste país ao organizar Governo de mineiros (Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, 2012), que, apesar do título, é um tratado de medicina de 1770, escrito pelo cirurgião português José Antonio Mendes – obra pouquíssimo conhecida, mesmo por especialistas. Filgueiras encarregou-se também de estudo crítico e notas, que perfazem 40 páginas. Fique aqui registrado que o resgate desse tesouro histórico teve o apoio da Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais e do Arquivo Público Mineiro. Dinheiro público gasto de forma exemplar.
Outra contribuição para o entendimento da história da ciência de séculos passados é Observatório no telhado (CEPE, 2011), de Oscar Matsuura, pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no Rio de Janeiro (RJ), e do Programa de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da UFRJ. O livro é resultado de anos de pesquisa sobre a vida e obra do alemão Jorge Marcgrave (1610-1644), que montou, no Recife, o primeiro observatório de base permanente no hemisfério Sul.
André Koch Torres Assis, da Universidade Estadual de Campinas (SP), lançou livro sobre o que talvez seja seu tema dileto em física e história da ciência. Versão ampliada de obras anteriores, Mecânica relacional e implementação do princípio de Mach com a força de Weber gravitacional (Apeíron, 2013) é “destinado a físicos, engenheiros, matemáticos, historiadores, filósofos da ciência e seus estudantes”. Pode ser baixado (gratuitamente) em formato pdf (5 Mb) ou comprado em papel. Na mesma página, podem-se baixar outros livros recentes de Assis.
Ciência, filosofia e política – Uma homenagem a Fernando Bunchaft (Edufba, 2013), organizado por Freire Junior e Saulo Carneiro, ambos da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é uma coletânea de artigos de pesquisadores brasileiros e estrangeiros sobre fundamentos da física e matemática, bem como análises de contextos políticos e ideológicos relacionados à ciência. Esses são temas de interesse de Bunchaft, que assina estudo inédito sobre os manuscritos matemáticos de Karl Marx (1918-1983).
José Maria Bassalo, da Universidade Federal do Pará, e Francisco Caruso, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro (RJ), são os autores de uma coleção com vários volumes sobre físicos renomados que sai pela Editora Livraria da Física. Cada livro, com algo entre 70 e 100 páginas, em formato de bolso, dá uma visão histórica do perfilado e dos pontos mais importantes de sua obra – sem esconder o formalismo teórico.
Já foram publicados o soviético Lev Landau (1908-1968), o britânico Paul Dirac (1902-1984), o alemão Albert Einstein (1879-1955), o austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958) e o italiano Enrico Fermi (1901-1954). No forno, encontram-se o alemão Werner Heisenberg (1901-1976), o austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961), o alemão Max Born (1882-1970), o dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), o francês Louis de Broglie (1892-1987), os norte-americanos Julian Schwinger (1918-1994) e John Wheeler (1911-2008), e a família Curie.
Bassalo e Caruso prometem uma coleção com físicos brasileiros, começando com José Leite Lopes (1918-2006), seguido de Jayme Tiomno (1920-2011), Mário Schenberg (1914-1990), César Lattes (1924-2005) e Roberto Salmeron.
Cássio Leite Vieira (Ciência Hoje/RJ)
Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
Diferentemente do que foi dito, o livro de bolso sobre o físico italiano Enrico Fermi já foi publicado. (19/12/2013)
Fonte: Ciência Hoje
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