Abril/2018
“No Brasil do início do século XX não havia escolas de formação de educadores físicos, e o saber dos professores geralmente se limitava à instrução prática. As atividades físicas, ainda que reconhecidas no plano educacional, praticamente inexistiam nas instituições de ensino. Elas passaram a se popularizar a partir da intervenção dos médicos higienistas, que, sabedores da importância da educação do corpo, se encarregaram de divulgá-la ao conjunto da população. Em nome da saúde, os médicos interferiram no espaço privado das famílias e na intimidade dos indivíduos orientando a conduta de mulheres e homens sobre asseio, banhos, vestimentas, hábitos alimentares, relações afetivas e sexuais e prática de atividades físicas. Foi, portanto, com suas intervenções que a educação física nutriu-se de um saber científico que, gradativamente, se fez soberano e conferiu maior respeitabilidade à pratica da ginástica e dos esportes, a qual, uma vez prescrita pelo médico, deveria ser orientada tanto por militares quanto por professores e instrutores.
Ainda que a melhoria saúde da população brasileira fosse uma preocupação desse tempo, a ação dos higienistas não se direcionava unicamente para isso. Estava atrelada a um projeto político de abrangência nacional, que apresentava como um dos principais objetivos fortalecer a ‘raça’. Imersa nesse cenário, a educação física legitimou-se como importante espaço de educação do corpo, entendida como o desenvolvimento das potencialidades orgânicas dos indivíduos e das virtudes da raça.”
O artigo Educação física, ciência e saúde: notas sobre o acervo do Centro de Memória do Esporte (UFRGS), de Silvana Vilodre Goellner, em HCS-Manguinhos (vol.17, n.2, abr/jun 2010), destaca a relevância deste acervo para as pesquisas sobre a historiografia das práticas corporais e esportivas e sua aproximação com a saúde, a educação e o lazer. A autora situa a estruturação da educação física brasileira no início do século XX e a importância que o conhecimento científico teve nesse período, sobretudo pela articulação desse campo de conhecimento com a eugenia e o higienismo.
“Nessa relação, as atividades físicas foram identificadas como integrantes de um projeto nacional cujos desdobramentos se fizeram sentir em diferentes níveis de atuação, fazendo ver que a educação física somente se faria consistente se ancorada no saber científico, prevalentemente biomédico”, afirma Silvana Vilodre Goellner.
Leia em HCS-Manguinhos:
Goellner, Silvana Vilodre. Educação física, ciência e saúde: notas sobre o acervo do Centro de Memória do Esporte (UFRGS). Jun 2010, vol.17, no.2
Sobre ginástica e atividade física, leia também em HCS-Manguinhos:
Melo, Victor Andrade de and Peres, Fabio de Faria Relações entre ginástica e saúde no Rio de Janeiro do século XIX: reflexões a partir do caso do Colégio Abílio, 1872-1888. Dez 2016, vol.23, no.4
Melo, Victor Andrade de and Peres, Fabio de Faria O corpo da nação: posicionamentos governamentais sobre a educação física no Brasil monárquico. Dez 2014, vol.21, no.4
Silva, Carlos Leonardo Bahiense da and Melo, Victor Andrade de Fabricando o soldado, forjando o cidadão: o doutor Eduardo Augusto Pereira de Abreu, a Guerra do Paraguai e a educação física no Brasil. Jun 2011, vol.18, no.2
Gomes, Ana Carolina Vimieiro and Dalben, André O controle médico-esportivo no Departamento de Educação Física do Estado de São Paulo: aproximações entre esporte e medicina nas décadas de 1930 e 1940. Jun 2011, vol.18, no.2
Mendes, Maria Isabel Brandão de Souza and Nóbrega, Terezinha Petrucia da O Brazil-Medico e as contribuições do pensamento médico-higienista para as bases científicas da educação física brasileira. Mar 2008, vol.15, no.1