As implicações econômicas do ebola na África Ocidental

Setembro/2014

Gareth Austin*

Gareth Austin

Gareth Austin

A febre hemorrágica ebola foi registrada pela primeira vez em 1976 no norte da República Democrática do Congo  (perto do Rio Ebola), e também na região que é hoje o Sudão do Sul. Até a epidemia atual, os surtos se restringiam à África Central (atingiam especialmente o Congo, mas também Uganda, Gabão e, novamente, o Sudão do Sul).  Apesar de um caso isolado e não fatal registrado na Costa do Marfim em 1994, a África Ocidental não havia sido atingida até a epidemia atual, que teve início em dezembro de 2013 na Guiné. Nada indica que a   a doença tenha saltado da África Central para a Ocidental. Ao que parece, os hospedeiros naturais do vírus (em diferentes graus) são morcegos frugívoros.  A população é atingida através do contato com o sangue ou as secreções destes morcegos ou de outros animais silvestres contaminados. Depois, o ebola se alastra pessoa-a-pessoa pelo contato com fluidos corporais.

Assim como as anteriores, a epidemia atual teve início numa vila remota. No entanto, a Guiné e seus vizinhos são mais povoados que as regiões  periféricas do Congo e do Sudão, e o comércio e o trânsito de pessoas são mais intensos e frequentes. Assim, não é de surpreender que a epidemia atual, diferentemente das anteriores, tenha atingido as cidades maiores, primeiro na Guiné e depois nas vizinhas Serra Leoa e Libéria. Ainda assim, deveria ter sido contida mais rapidez, já que a preocupação desses estados com a doença era maior (assim como os rendimentos públicos, o orçamento dedicado à saúde e a capacidade de organizar  quarentenas). O ebola não é em particular altamente infeccioso e, apesar da inexistência de uma cura específica, é possível contê-lo com quarentena, e os pacientes conseguem se recuperar recebendo cuidados (hidratação, tratamento de infecções secundárias).

Mas Guiné, Serra Leoa e Libéria estão entre as economias mais pobres da África, com Estados e sistemas de saúde extremamente fracos. Além disso, esses dois últimos países se recuperam de longas guerras civis, e a Guiné enfrenta problemas políticos recorrentes, muitas vezes violentos. Talvez a taxa de sobrevivência da epidemia atual (47%) seja mais alta do que a das anteriores devido ao fato desse surto ter atingido as áreas urbanas e levado a respostas médicas mais rápidas. Porém, as mais de 120 mortes de médicos podem ser explicadas principalmente pela inadequação do equipamento de proteção disponível nos postos de atendimento públicos, refletindo tanto a falta de recursos governamentais quanto de prioridade por parte desses governos.

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Foto: Médicos sem Fronteiras

Foi apenas no início de agosto que os governos começaram a tomar medidas drásticas para restringir o trânsito de pessoas e o comércio. No início de setembro, os países originalmente afetados pela epidemia  atual ultrapassaram os 4 mil casos, o que inclui mais de 2 mil mortes. Além disso, passageiros infectados levaram o vírus da Libéria à Nigéria e da Guiné ao Senegal. Os governos da Nigéria e do Senegal, alertados pelas notícias da epidemia nos países que foram afetados primeiro, agiram com maior rapidez e até o momento, ao que parece, de modo mais eficiente: até o final de agosto foram registrados 21 casos e sete mortes na Nigéria, e um caso não fatal no Senegal. Entre os três países mais afetados pelo vírus, aparentemente, a Guiné foi o que melhor conseguiu lidar com a crise. Apesar de ter sido o epicentro do surto, o país teve poucos casos e mortes, e em agosto alegou ter contido a doença, o que não ocorreu devido ao afluxo de pacientes de Serra Leoa.

A ajuda internacional tem aumentado de forma gradual. A organização Médicos sem Fronteiras está lá desde o início da epidemia, e mais recentemente Cuba prometeu enviar uma equipe de 165  profissionais para Serra Leoa – o Banco Mundial e a ONU também estão atuando, além da Organização Mundial da Saúde. Mas os US$200 milhões prometidos pelo Banco Mundial incluem fundos que já foram destinados à região, e portanto serão desviados de outros projetos.

Mesmo levando em conta que – como ressalta a OMS – o número de casos de ebola e de mortes na África Ocidental pode ser muito maior que o registrado, parece não chegar a 10% das mortes causadas no mesmo período por malária, Aids, tuberculose e diarreia juntas. Os custos econômicos serão bem maiores  do que a taxa de mortalidade, em parte devido ao impacto das medidas de quarentena, e em parte devido à desordem causada pelo pânico. Além da perda direta de trabalhadores – inclusive de médicos altamente qualificados –, certamente ainda haverá outras mortes e recuperações lentas, devido à perda desses profissionais.

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Foto: Médicos sem Fronteiras

As restrições quanto ao trânsito de pessoas impostas pelos países originalmente afetados, como as impostas por Serra Leoa em agosto, ocorreram em grande escala porque o surto já havia se espalhado com força. Executadas pelo Exército e pela polícia, tais restrições tiveram um impacto imediato, em alguns casos impedindo a população de chegar ao trabalho e muitas vezes impedido as pessoas de irem aos mercados. O comércio entre fronteiras, vital para a economia da região, diminuiu bastante. Há registros de passageiros que se recusam a usar o transporte público, geralmente lotado, com medo de pegar a doença. Isso causa um impacto mais sutil na economia, uma redução do uso dos serviços já disponíveis. Diversas companhias aéreas suspenderam os vôos para os países mais afetados, desorganizando as relações comerciais e o turismo.  Tanto  Guiné, Libéria como Serra Leoa dependem pesadamente de mineradoras estrangeiras e há registros recentes de funcionários que foram retirados desses países e de redução de atividades . É muito cedo para se ter uma ideia do impacto econômico total, mas o Banco Mundial revisou suas estimativas quanto ao crescimento do PIB da Guiné para esse ano e a previsão é de um ponto percentual a menos. Isso pode significar expectativas cautelosas para todos os três países mais afetados. Por fim, quanto mais tempo durar o surto – e ele continua se espalhando – mais a confiança dos investidores internacionais, recentemente animados por uma “ascensão africana”, irá diminuir diante das evidências de que os governos não estão tomando medidas adequadas para combater o ebola. A condição de vida nesses países será afetada mesmo quando os pacientes se recuperarem da doença. (Tradução de Vivian Mannheimer)

Gareth Austin é professor de História da África e de História Comparada do Graduate Institute of International and Development Studies, em Genebra, na Suíça. Ele também já foi professor da Universidade de Gana e da London School of Economics (Departamento de História Econômica). Austin escreveu Land and Capital in Ghana: From Slavery to Free Labour in Asante, 1807-1956 (University of Rochester Press, 2005) e  editou (com Kaoru Sugihara), Labour-Intensive Industrialization in Global History (Routledge, 2013).

Leia o artigo em inglês:
Ebola in West Africa: the economic implications

Leia em HCS-Manguinhos:

Public health and tropical modernity: the combat against sleeping sickness in Portuguese Guinea, 1945-1974, artigo de Philip Jan Havik.

Doença de além-mar: estudos comparativos da oncocercose na América Latina e África, artigo de Magali Romero Sá e Marilza Maia-Herzog

Combating’ tropical diseases in the German colonial press, artigo de Sílvio Marcus de Souza Correa