Outubro/2023
A tentativa de cura da lepra realizada pelo indígena Antonio Vieira Passos, em Santarém, Pará, em 1847, fazendo uso do assacu (Hura crepitans L.) despertou a curiosidade do historiador Márcio Couto Henrique. Durante dez anos, ele pesquisou jornais da época, que publicaram as correspondências trocadas entre médicos, notícias sobre a circulação do assacu pelas províncias e a expectativa da população em torno do resultado das experiências.
Bolsista produtividade do CNPq e professor da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Pará, Marcio Couto Henrique publicou na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v. 30, 2023) o artigo Do índio Passos ao doutor Chernoviz: experiências de cura da lepra no Pará do século XIX, em que ele conta como a experiência logo ganhou as páginas dos jornais da capital do Estado, Belém, e se espalhou rapidamente por jornais de outras províncias. As autoridades, então, trataram de levar o índio Passos a Belém, a fim de aprender com ele sua fórmula terapêutica. “Lazaretos experimentais” foram constituídos com leprosos que seriam submetidos ao “método do índio Passos”. Após mais de um ano de experiências, realizadas, inclusive, em Lisboa, os médicos concluíram que o remédio produzido com o assacu melhorava o controle dos sintomas, mas não permitia a cura da lepra.
Segundo o autor, a pesquisa mostra que ao longo do século XIX, o saber indígena sobre o uso de plantas medicinais era amplamente reconhecido e utilizado pelos médicos com a intenção de incorporá-las em seu repertório terapêutico, a exemplo da ipecacuanha, da ayapana, da copaíba, entre outras. Ele conta que muitos índios tiveram papel de destaque na consolidação do conhecimento ocidental acerca da botânica, agronomia, medicina, entre outros campos do saber.
“Apesar do insucesso da cura, a experiência revela o protagonismo indígena na história da medicina brasileira, que incorporou com sucesso muitas outras plantas de uso medicinal indígena”, afirma.
Couto Henrique explica que na narrativa da nossa história oficial, os índios constam apenas como trabalhadores, apontando-se, no máximo, “contribuições” indígenas para a cultura nacional associadas a certo exotismo, tais como a farinha, a rede e o hábito do banho diário, mas o uso medicinal que os índios faziam de muitas plantas foi incorporado pela medicina oficial. “Pesquisas como essa são fundamentais para recuperar o protagonismo indígena na história do Brasil”, defende.
Leia na revista HCS-Manguinhos:
Do índio Passos ao doutor Chernoviz: experiências de cura da lepra no Pará do século XIX, artigo de Márcio Couto Henrique (História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 30, 2023)
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