Anarquismo, crime e loucura: análises de um médico francês do século XIX

Junho/2023

L’Assassinat du Presidént Carnot (1894), obra de Alexandre Lacassagne

Na década de 1890, o anarquismo e seu adeptos eram constantemente alvos de teorias formuladas por médicos psiquiatras dedicados ao estudo dos comportamentos considerados subversivos. Essas formulações fizeram parte dos principais debates promovidos pela criminologia, ciência originada ao longo da segunda metade do século XIX, cujo propósito maior era propor explicações científicas para o crime e o criminoso. Para muitos criminólogos deste período, os militantes anarquistas eram considerados loucos e criminosos. Visando combater a propagação das ideias anárquicas entre os trabalhadores, alguns médicos chegaram a recomendar a expulsão de ativistas de um determinado território nacional, o cumprimento de pena de prisão e até mesmo o recolhimento em asilos.

Alexandre Lacassagne (1843-1924)

No artigo “Mal-estar social… uma agitação demoníaca”: o anarquismo segundo a criminologia do médico francês Alexandre Lacassagne, publicado na revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos (v. 30, 2023) o historiador Bruno Corrêa de Sá e Benevides, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (PPGHCS/COC/Fiocruz), demonstra como os anarquistas e o anarquismo foram analisados pelo famoso médico e criminólogo francês Alexandre Lacassagne (1843-1924).

Sadi Carnot, presidente da França morto em 1894

Bruno Corrêa de Sá e Benevides examinou a obra L’Assassinat du Presidént Carnot, publicada por Lacassagne em 1894, logo após o assassinato do presidente da França, Sadi Carnot (1837-1894) pelo anarquista italiano Sante Geronimo Caserio, que apunhalou o presidente com uma adaga. O médico foi convocado para realizar a autópsia do corpo de Carnot e um exame psiquiátrico de Caserio. Os resultados destas duas análises foram publicados na obra. 

No final do século XIX, esse movimento revolucionário de cunho socialista passava por uma fase de radicalidade e penetração entre os trabalhadores de vários países, assumindo o caráter internacionalista e transnacional. O artigo mostra que o crescimento destas ações radicais, como o caso de Sante Caserio, levou o anarquismo ao centro dos debates criminológicos que ocorriam na França, na Itália, na Alemanha, na Espanha e outras regiões da Europa, na segunda metade do século XIX.

Neste contexto, segundo Benevides, o livro de Lacassagne tornou-se “uma fonte privilegiada para compreender as suas proposições criminológicas sobre os anarquistas, especialmente aqueles adeptos às ações mais radicais”. Baseando-se em teorias pautadas na relação crime e loucura, as formulações produzidas por Lacassagne buscavam traçar explicações multifatoriais para o fenômeno do anarquismo – como a raça, condições hereditárias e aspectos sociais, bem como oferecer meios para conter a propagação das ideias libertárias. Além disso, boa parte das análises feitas pelo médico francês buscava inserir a figura do anarquista na seara dos “desvios” mentais.

Leia na revista HCS-Manguinhos:

“Mal-estar social… uma agitação demoníaca”: o anarquismo segundo a criminologia do médico francês Alexandre Lacassagne, artigo de Bruno Corrêa de Sá e Benevides (História, Ciência, Saúde – Manguinhos (v. 30, 2023)