O futuro do artigo científico nas ciências humanas

Abril/2021

Marina Lemle e Vivian Mannheimer | Blog de HCS-Manguinhos

Marcos Cueto. Foto de Jeferson Mendonça/COC/Fiocruz

HCS-Manguinhos abre o ano de 2021 com mudanças nas instruções aos autores de artigos na revista, muitas delas visando adaptar princípios do movimento de ciência aberta ao campo das ciências humanas e especificamente da história.

As mudanças são o tema da Carta do Editor da edição que acaba de ir ao ar no SciELO (HCS-Manguinhos, v.28, n. 1, jan./mar. 2021) e desta esclarecedora entrevista que nosso editor-científico Marcos Cueto, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, deu ao Blog de HCS-Manguinhos. Além de explicar detalhadamente as novas instruções e suas motivações, ele dá dicas preciosas sobre como escrever um bom artigo. Boa leitura!

Quais os elementos que um bom artigo da área das ciências humanas, especialmente da história, precisa ter em termos de forma e conteúdo?

Um dos critérios para a avaliação de um jovem profissional na área de história, além da qualidade de sua tese de doutorado e honestidade intelectual, é o histórico de suas publicações em periódicos de prestígio. Infelizmente, oficinas ou disciplinas de elaboração, escrita e publicação de artigos científicos são raríssimas nos programas de doutorado em ciências humanas. A maioria dos professores supõe, equivocadamente, que a capacidade de escrever de forma clara, profunda e ordenada são aprendidas espontaneamente ou por osmose pelos estudantes.

Além do plágio e autoplágio, que felizmente agora são incomuns, porque a maioria das revistas tem programas para identificar esses problemas, muitos autores não investem tempo suficiente na elaboração dos seus textos. 

A preparação de um artigo exige: a identificação de um periódico bem avaliado em bases internacionais (a base de revistas Scimago pode ajudar); ter a certeza da correspondência do artigo ao escopo da revista; respeitar o limite de palavras estabelecido nas instruções aos autores; escrever com cuidado o resumo e as palavras chave; explicar nas primeiras laudas a metodologia e a contribuição do trabalho para os especialistas; polir o estilo e corrigir os erros gramaticais; além de fornecer tabelas, notas e referências bibliográficas no formato solicitado pelo periódico no qual se deseja publicar o texto.

Um segundo erro é acreditar que o capítulo de uma tese é automaticamente um artigo. Não é. Um capítulo forma parte de uma estrutura integrada, contém múltiplas referências e citações e parte da construção de diversos argumentos ou hipóteses, e, geralmente, não têm um limite máximo de palavras. Um artigo é, até certo ponto, “autossuficiente.” O artigo precisa justificar a importância do tema, demonstrar domínio da literatura existente, administrar com economia a exposição dos fatos e desenvolver uma interpretação que seja uma contribuição ao conhecimento. Extrair um capítulo de uma tese sem alterações para enviá-lo a uma revista comumente acaba produzindo um texto mutilado, que é recusado. Esta declaração não significa que seções de um capítulo de uma tese não possam ser a base de um grande artigo, após uma acurada reformulação. 

Quais as principais mudanças nas instruções aos autores da revista e por que foram implementadas?

As mudanças nas instruções aos autores se deveram principalmente a quatro motivos: dar maior clareza aos autores em relação às nossas normas; necessidade de mudanças no limite de palavras dos textos submetidos a algumas seções; busca de uma melhor adequação dos textos ao formato da revista na submissão; e a nossa opção voluntária de participar da ciência aberta.

Na nossa seção “Análise,” que publica a maioria dos textos da revista, o limite de palavras passou de 10 mil para 9 mil palavras. Na seção “Revisão Historiográfica”, que engloba artigos que fazem um balanço sobre temas de interesse para a revista, os textos submetidos podem ter até 10 mil palavras – antes eram 12 mil.

Essas mudanças foram necessárias devido à grande quantidade de artigos submetidos e aprovados em nossa revista nos últimos anos. Além disso, desejamos promover textos mais coesos, que apresentem ideias, notas e citações literais absolutamente necessárias – semelhante aos que são publicados em revistas internacionais.

O escopo se concentra agora em três grandes temas: a história das ciências e da saúde, as análises da divulgação científica e estudos do patrimônio histórico-cultural vinculado às ciências e a saúde.

Outra mudança importante é que existe agora mais clareza em relação às normas da seção Resenhas (antes chamada livros e redes), onde as contribuições apresentam um panorama crítico de obras publicadas nos últimos dois anos, relacionando a argumentação da obra com os debates contemporâneos e ponderando em relação a metodologia e fontes utilizadas. Um aspecto a ser destacado é que não deve existir relação de orientação entre resenhista e resenhado/a nas resenhas. 

Por fim, gostaria salientar que todas as propostas de dossiês e números especiais devem agora ser encaminhadas diretamente ao editor científico seguindo os critérios das instruções, que efetuará uma avaliação com outros editores no menor tempo possível. Sobre esse assunto, é importante dizer também que decidimos publicar apenas um dossiê e um número especial por ano na revista.

Como as novas instruções aos autores buscam adaptar as ciências humanas à ciência aberta? Quais as principais diferenças em relação às ciências exatas e às ciências da vida?

A ciência aberta é mais do que democratizar o acesso aos textos, como praticam quase todas as publicações periódicas brasileiras, que permitem fazer downloads dos textos. Ciência aberta é a melhor maneira de imprimir velocidade à difusão dos resultados de pesquisa e fazer transparente o processo de avaliação.

Existem nas nossas instruções adaptações da ciência aberta aos textos de história, porque há diferenças desses artigos com aqueles das ciências exatas ou da vida. Para os cientistas dessas áreas do conhecimento, é importante dar acesso imediato às suas ideias, metodologias e experimentos e a maioria de suas citações são de artigos muito recentes. Para nós, pesquisadores das áreas de humanas, um artigo com mais de cinquenta anos pode ter relevância. Entretanto, nós achamos importante diminuir o tempo de espera entre a aprovação e publicação dos artigos e aceitar avaliar versões publicadas em repositórios acadêmicos de prestígio denominados preprint, como SciELO. Esses preprints recebem comentários e um precioso DOI (Digital Object Identifier), ​​que o identifica em qualquer biblioteca do mundo, e que seria diferente do DOI recebido quando aprovado em um periódico.

Outro aspecto importante da ciência aberta é a possibilidade que oferece de registro dos materiais do processo de pesquisa, que podem ser úteis a outros pesquisadores. Para os historiadores, esses materiais são: uma descrição das coleções de arquivo que são utilizadas (informação compactada em um parágrafo ou uma referência nos artigos); tabelas, estatísticas e imagens que não puderam ser utilizadas na versão final da publicação; transcrições e questionários completos de entrevistas orais, das quais foram citados trechos; e os relatórios feitos às agências de fomento, que indicam como a pesquisa foi ajustada até chegar à publicação final. Esses materiais deveriam ser encaminhados a um repositório institucional, como as universidades têm em suas bibliotecas, e alguma notícia deles deveria aparecer no artigo publicado.

Mas gostaria de mencionar que não será obrigatório, por enquanto, o envio desses materiais para a aceitação de um artigo em História Ciência Saúde – Manguinhos.

Acredito que um olhar retrospectivo pelos autores de todo o processo de sua pesquisa é fundamental para enriquecer o conhecimento acumulado nas ciências humanas.

Outra adaptação da ciência aberta à nossa revista é que vamos solicitar, voluntariamente, que revisores e autores revelem sua identidade para publicar os pareceres, além dos comentários do(s) autor(es) ao parecer. Seria diferente ao tradicional sistema “duplo cego”, caracterizado pelo anonimato entre autores e revisores. A justificativa para avaliações abertas é que incentiva uma verdadeira interação entre os autores e pareceristas. Essa interação beneficia aos leitores, porque revelam como as ideias de uma pesquisa evoluíram; obrigaria o avaliador a enviar comentários consistentes, construtivos; os pareceristas teriam o justo reconhecimento acadêmico a seu trabalho e com as referências completas, evitaria avaliações ríspidas que às vezes aparecem em pareceres anônimos; além de servirem de modelo para pesquisadores jovens que não tem a clareza de como realizar um parecer. A aprovação ou rejeição de um trabalho ou avaliação não deve depender da disposição do autor em revelar sua identidade na avaliação. Acreditamos que os autores que aceitarem e promoverem a ciência aberta irão desfrutar de uma maior visibilidade e citação de seus artigos.

Adaptar a ciência aberta a um periódico de humanas não pode ser algo imposto de forma imediata e deve existir um diálogo, um consenso. Por enquanto, os autores podem ocultar o seu nome e vínculo institucional no processo de revisão dos artigos e os pareceristas permanecerem no anonimato. Antecipamos que haverá um processo de duração indeterminada, em que os autores e avaliadores começarão a perceber a importância dessas adaptações da ciência aberta. Por enquanto publicaremos somente uma pequena quantidade de pareceres abertos, sempre com a aceitação prévia dos avaliadores.

Em 2021, a revista HCS-Manguinhos inaugura uma nova seção, intitulada “Testemunhos Covid-19”. Quais as recomendações para autores que quiserem submeter artigos a esta seção?

A nova seção recolhe versões aprimoradas de textos que apareceram no nosso blog, em “História e Coronavírus.” Acredito que por algum tempo os historiadores serão chamados a dar sentido e perspectiva à pandemia que agora sofremos. O Covid-19 magnifica os laços que entrelaçam os acontecimentos biológicos e científicos com os políticos, econômicos, sociais e culturais. Esperamos nesta seção apresentar as principais reflexões feitas por historiadores sobre a pandemia de coronavírus no tempo presente, que poderiam ser fontes primárias para futuras gerações de pesquisadores.  Os historiadores podem mostrar a origem do negacionismo científico, do autoritarismo e a necropolítica de governos autoritários, que nas epidemias se escondem na irresponsabilidade e a indiferença. A seção também pretende ser parte dos projetos em andamento em diferentes países de mostrar a voz crítica dos historiadores numa época em que os vírus e as vacinas têm nacionalidades e até ideologias.

Novas instruções aos autores e o futuro do artigo científico em ciências humanas, Carta do Editor, por Marcos Cueto (HCS-Manguinhos, v.28, n. 1, jan./mar. 2021)

Acesse as novas instruções aos autores

Como citar este post:

CUETO, Marcos. ‘Acreditamos que os autores que aceitarem e promoverem a ciência aberta irão desfrutar de uma maior visibilidade e citação de seus artigos’. Entrevista a Marina Lemle e Vivian Mannheimer. Blog de HCS-Manguinhos. Publicado em 01 de abril de 2021. Disponível em www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/acreditamos-que-os-autores-que-aceitarem-e-promoverem-a-ciencia-aberta-desfrutarao-de-maior-visibilidade-e-citacao-de-seus-artigos/