Julho/2019
Marina Lemle | Blog de HCS-Manguinhos
Arauto do acesso aberto no Brasil e na América Latina, Abel Packer, diretor do Programa SciELO, da Fapesp, vem hasteando uma nova bandeira: a da ciência aberta, conceito que vai muito além do acesso aberto.
Convidado a fazer a palestra de abertura do workshop “O presente e o futuro das publicações científicas de história”, realizado de 26 a 28 de junho no Rio de Janeiro, em comemoração aos 25 anos do periódico científico História, Ciências, Saúde – Maguinhos, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Packer provocou dezenas de editores científicos que ocupavam a plateia, expondo a eles um futuro que já começou.
Na apresentação intitulada “A emergência da ciência aberta e as funções dos periódicos na comunicação da pesquisa”, Packer destacou a força poderosa do meio digital e defendeu a “desintermediação” do processo de comunicação científica, tendo a publicação dos preprints – artigos com dados e metodologias completos, mas que ainda não passaram por uma revisão por pares – como o passo inicial.
A divulgação dos manuscritos em servidores públicos permite ao autor receber o retorno por seus pares de forma mais rápida e colaborativa, acelerando a comunicação dos resultados das pesquisas e conferindo transparência ao processo.
“A demora em publicar resultados adia o efeito da ciência e o progresso do conhecimento científico. O preprint tem esse efeito revolucionário, e se aplica a todas as áreas”, disse Packer.
Concebidos há décadas, os preprints têm sido cada vez mais usados, dando origem a bases de dados, como arXiv.org e repositórios institucionais. “O avanço da ciência aberta depende de políticas públicas e institucionais e dos autores”, afirmou.
Outro ponto chave, segundo ele, é a gestão de dados de pesquisa, prevendo o seu compartilhamento e visando a reprodutibilidade do estudo. Cabe ao periódico instruir os autores sobre a necessidade de citação e referenciamento de todos os dados, códigos de programas e outros materiais utilizados, informar as normas de citação e, opcionalmente, indicar repositórios de dados recomendados. “Em dois anos, os periódicos não mais aceitarão artigos que não citem dados de pesquisa”, disse Packer.
Por fim, na ciência aberta a avaliação por pares deve ser também aberta, com a publicação do nome do editor responsável, a abertura da identidade dos autores e dos pareceristas e a publicação dos pareceres, num processo totalmente aberto ao público. “Um parecer bem feito pode vir a ser outra publicação, com DOI”, afirmou.
“O sonho do SciELO é dotar os autores de um “authoring” – um sistema de publicação de preprints”, contou Packer, que vem testando um editor chamado Texture.
Diante de tantas mudanças pela frente, levanta-se a pergunta: seria o fim anunciado dos periódicos científicos?
O diretor do SciELO propõe que os próprios periódicos liderem o processo, e o momento, avisa, é agora. “Quanto antes começar, melhor”, disse. Para ele, a inovação é um fator de sustentabilidade e uma vantagem competitiva na comunicação científica. Reconhece, porém, ser necessário informar melhor os periódicos sobre as mudanças que ora se impõem, já que uma pesquisa sobre a curva de aprendizado dos editores feita pelo SciELO recebeu muitas respostas “necessita mais informações”.
Segundo Packer, a abertura do processo também favorece a inclusão regional e as capacidades nacionais. “Estamos fazendo parte de um movimento global pela ‘bibliodiversidade’”, destacou. A abordagem do SciELO prevê um fluxo global inclusivo de fluxos locais de informação científica, refletindo a diversidade geográfica, temática, cultural e linguística e promovendo a aceitação de assimetrias.
HCS-Manguinhos: melhor presença nas redes sociais e melhor gestão editorial
Sobre a aniversariante História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Packer destacou a forte presença nas redes sociais e a boa gestão editorial da revista.
Ele contou que o SciELO opera mais de 90 mil manuscritos, sendo 35.453 da área de saúde, 17.821 de humanas e 1106 de história. Dados de junho de 2019 mostram HCS-Manguinhos em vantagem em alguns quesitos, quando comparados às médias das revistas de história. Por exemplo, houve um crescimento médio de 20% das publicações em inglês em história, enquanto Manguinhos teve crescimento de 44%. Os acessos vindos do Brasil totalizam 82%, em média. Na Manguinhos, é 74%. Por fim, as revistas de história têm, em média, 12 anos. Manguinhos tem 25.
Público qualificado expressa suas preocupações
Na plateia, editores conceituados fizeram suas colocações. Após descrever Packer como “uma espécie de missionário” da ciência aberta, Cecilia Minayo, professora emérita da Fiocruz e editora-chefe e fundadora da revista Ciência & Saúde Coletiva, da Abrasco, confessou: “Preciso de mais informações para saber como me comportar. Tenho medo de dar um passo sem saber exatamente o que é.”
Packer respondeu ser necessário “iniciar” as pessoas na nova cultura, e que podem ser feitos exercícios e pesquisas com editores, autores e pareceristas.
Nelson Sanjad, editor adjunto de HCS-Manguinhos e pesquisador do Museu Paraense Emilio Goeldi, questionou o que seria gestão de dados em áreas humanas, como história ou antropologia. Julio Cesar Pimentel Pinto Filho, editor da Revista de História da USP, acrescentou: “O que é um dado em um artigo teórico?”
“Dado é tudo que está subjacente à argumentação, e o que é subjacente ao artigo deve estar disponível ao leitor. Dependerá do aprimoramento dos pareceristas nesse processo de ciência aberta. Terá que se mudar o jeito que se prepara a pesquisa, pensando não somente no texto, mas no dado”, esclareceu Packer.
Como citar este post:
Abel Packer clama pela “emergência da ciência aberta”. Blog de HCS-Manguinhos. Publicada em 04 de julho de 2019. Acessado em 04 de julho de 2019. Disponível em http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/abel-packer-clama-pela-emergencia-da-ciencia-aberta
Leia mais sobre o workshop no Blog de HCS-Manguinhos:
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