Agosto/2024
Marina Lemle | Blog de HCS-Manguinhos
O dia 26 de julho de 1994 era o aniversário de 40 anos da jornalista Ruth Martins. Havia festa, com direito a salgadinhos, bebida e chorinho. “Em uma saleta do antigo anexo ao Prédio do Relógio, onde era a sede da Casa de Oswaldo Cruz, estava reunida com amigos, mas o que comemorávamos era o lançamento do número 1 do periódico científico História, Ciências, Saúde — Manguinhos.” Esta lembrança, que ainda enche de emoção Ruth e seus amigos – alguns ali presentes no auditório -, foi compartilhada por ela na mesa de abertura do evento “Ciência aberta e os periódicos de ciências humanas”, realizado em comemoração aos 30 anos da revista, em 7 e 8 de agosto de 2024, na Fiocruz, e transmitido online.
“Além dos convidados, no fim da tarde, quem passava pelo Prédio do Relógio podia ouvir o som do chorinho do cavaco da Clarinha, a Maria Clara Barbosa, até hoje coordenadora do coral da Fiocruz. Autores do projeto e responsáveis por sua produção na fase inicial, seu primeiro editor, Sergio Goes de Paula, que nos deixou há três anos e meio, Jaime Benchimol e eu estávamos felizes, como também se sentia Paulo Gadelha, o primeiro diretor da Casa de Oswaldo Cruz e um dos idealizadores da revista. Nove anos antes, foi Gadelha quem me convidou para trabalhar na recém-criada Casa, como coordenadora do Núcleo Editorial”, recorda.
Presentes na mesa, Gadelha e Benchimol já tinham dado seus depoimentos, também em tom nostálgico, referindo-se à revista pelo seu apelido – a “Manguinhos“.
Acesso aberto
Em 1994, a Fiocruz editava dois periódicos científicos prestigiados — Memórias do Instituto Oswaldo Cruz e Cadernos de Saúde Pública – hoje são nove, todos em acesso aberto. Ruth registrou o apoio recebido dos respectivos editores dessas duas revistas, Hooman Momen e Carlos Coimbra, e lembrou com tristeza de um grande colaborador, Charles Pessanha, recém-falecido.
Pessanha integrava a diretoria da Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec) e, na época da criação da Manguinhos, editava a revista Dados, do Iuperj – segundo Benchimol, o periódico mais conceituado nas ciências sociais, tendo sido o primeiro da área a ingressar no portal SciELO, fundado em 1997 pela Fapesp em parceria com o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde – Bireme.
Benchimol citou dois importantes marcos históricos da revista: em 1998 inaugurou sua versão eletrônica; e em 2000 foi incluída no SciELO.
“A Manguinhos ingressou no SciELO em duas categorias, Ciências Humanas e Ciências da Saúde, e no Qualis Capes chegou a ser bem ou muito bem avaliada em mais de três dezenas de áreas do conhecimento. A história, porém, era e continua a ser o eixo desta revista multivalente, a base de sua identidade em meio a tantas interfaces”, ressaltou. Ele contou que, até ingressar no SciELO, a revista enfrentava muitos dos problemas que ainda afligem grande parte dos periódicos, especialmente da área de ciências humanas: poucos recursos, equipes pequenas, grande dose de voluntarismo e, às vezes, amadorismo, com editores dividindo seu tempo de trabalho com variadas atividades de ensino e pesquisa.
“O ingresso no SciELO exigiu adequação a exigências técnicas que tiveram efeitos de longo alcance sobre a sua dinâmica editorial. Galgamos novo status dentro da Fiocruz – o que se traduziu em apoio mais consistente. Precisamos cuidar com rigor da manutenção da periodicidade, do perigo da endogenia, da submissão de originais online, da escolha sagaz das palavras-chave e da qualidade dos resumos, tão importantes para a indexação dos artigos. Tivemos de aprender processos de editoração mais complexos para dar conta das edições em papel e digitais, do uso de aheads of print e releases para antecipar e divulgar a publicação de trabalhos, e a tirar proveito de ferramentas bibliométricas e cientométricas”, recordou.
Segundo Benchimol, o SciELO foi uma engrenagem decisiva na internacionalização dos periódicos científicos incluídos em sua base. “Ao fortalecer a vertente do acesso aberto, instaurou nova correlação de forças – sempre instável, é bom lembrar – com atores que vinham dominando o mundo da comunicação científica, poderosos publishers internacionais responsáveis por processos concentradores e monopolistas, muito bem estudados por Roberta Cerqueira, editora-executiva da revista, em sua tese de doutoramento recém-defendida”, afirmou.
Editor-científico de HCS-Manguinhos de 1997 a 2015, Benchimol contou que, nos sete anos seguintes ao ingresso no portal SciELO, o número de acessos aos trabalhos que publicava cresceu mais de 500 vezes, e entre 2007 e 2013, aumentou ainda cerca de nove vezes. Com isso, o periódico passou a ser mais conhecido em outras regiões do país e as colaborações vindas do exterior tornaram-se mais frequentes.
Em sua fala, Ruth destacou ainda que a revista não cobra taxas de submissão, processamento e publicação, e ressaltou o cuidado com que, desde sempre, os artigos submetidos são analisados por pareceristas de suas áreas temáticas. A partir de 2006, alguns deles passaram a ganhar tradução para o inglês.
Internacionalização
Diretor da Casa de Oswaldo Cruz quando a revista foi criada e ex-presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha mencionou a importância de alguns autores internacionais que ao longo dos anos publicaram na Manguinhos, como Evelyn Fox Keller e Bruno Latour, fundadores de grandes áreas no campo da história das ciências. Gadelha também discorreu sobre a abrangência de temas que a revista cobre, sem perder a coerência do campo no qual se tornou referência fundamental, e constituindo um campo novo, com a criação de uma massa crítica e o reforço do encontro entre a “tribo da saúde” e das ciências sociais, da história e da arquivologia.
Para Benchimol, a inclusão da revista em prestigiados indexadores mundiais representou um marco importante na sua internacionalização, “um objetivo que perseguíamos com muito empenho não só por conta do SciELO como para corresponder às expectativas da Fiocruz, uma instituição internacionalmente respeitada, e também do CNPq e da Capes, que consideravam então a internacionalização da produção científica brasileira como diretriz política muito importante.”
Divulgação científica online
Outro marco que Bechimol destacou foi o lançamento do blog trilíngue e do ingresso nas redes sociais, em 2013, que representou outro passo fundamental não só para a internacionalização, como para a interiorização. “Uma de nossas metas foi, desde o início, romper a concentração no Sudeste do Brasil da produção em história das ciências e da saúde”, observou.
“O blog, o Facebook e o Twitter da revista logo se tornaram instrumentos fundamentais para disseminar os conteúdos publicados não apenas entre as várias especialidades científicas com que interagíamos, como a públicos mais amplos, como professores, estudantes e leigos interessados na história das ciências e da saúde. Hoje, estes braços de História, Ciências, Saúde – Manguinhos também são armas muito importantes na luta contra o fascismo, o obscurantismo e as informações falsas”, enfatizou.
Benchimol encerrou sua fala contando que vivenciou “tempos de vacas gordas” como editor da revista, “com uma equipe extremamente competente e bem entrosada e ventos que sopravam a favor da expansão da revista e de nossas expectativas de vida como profissionais e como cidadãos”. Ele enfatizou que os anos mais recentes foram “sob muitos aspectos muito sinistros”, e elogiou seu sucessor, o editor-científico Marcos Cueto, e “a equipe maravilhosa” por manterem “o barco à tona, com sua qualidade intacta, em tempos de vacas muito magras”.
Assista a mesa 30 anos da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, que também teve a participação de Marcos José de Araújo Pinheiro, diretor da Casa de Oswaldo Cruz e Marcos Cueto, editor-científico da revista e pesquisador da Casa.
Assista a mesa na íntegra:
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