Março/2023
Ainda no século XIX – portanto muito antes da fundação do Setor de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico Nacional por Nise da Silveira na década de 1940 -, indivíduos internados nas instituições psiquiátricas já pintavam, escreviam, faziam esculturas e trabalhos manuais que eram observados e utilizados pelos alienistas, como eram chamados os médicos especialistas em doenças mentais.
É o que revela a professora e pesquisadora Cristiana Facchinetti, do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz), no artigo Da produção artística dos alienados: histórias de teorias e práticas do alienismo brasileiro, 1852-1902, publicado no suplemento Histórias transculturais de psicoterapias: novas narrativas da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v. 29, dez/2022), que ela coeditou com Sonu Shamdasani.
No artigo, Cristiana analisa as interpretações médico-mentais sobre as relações entre arte e loucura feitas pelos alienistas com base nas manifestações artísticas de internos do Hospício de Pedro II, primeira instituição psiquiátrica da América Latina, renomeado como Hospício Nacional de Alienados (HNA) após a proclamação da República. Ela também investiga por que tais manifestações e as psicoterapias produzidas a partir delas foram em grande parte esquecidas pela historiografia.
No Brasil, por exemplo, são desconhecidas imagens destas manifestações até a década de 1920, enquanto no exterior existe muito material. Aqui existem apenas citações e inferências, que a pesquisadora encontrou em periódicos científicos e jornais diários digitalizados na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Segundo ela, no século XIX, relatórios anuais do HNA, crônicas sobre o hospício, reportagens de visitantes e entrevistas com médicos eram publicados em periódicos de grande circulação. A busca a levou a pequenos indícios, que agora dão voz ao que teria sido silenciado pela historiografia.
A autora utiliza o conceito de mal de arquivo, de Jacques Derrida, para analisar os motivos pelos quais tais as manifestações e as terapêuticas utilizadas a partir delas foram ignoradas pelas narrativas locais. “Toda tradição historiográfica e seu modo de ordenar as narrativas dependem dos arquivamentos que são produzidos pelo poder e por aqueles que têm autoridade para mantê-lo”, afirma.
Leia na revista HCS-Manguinhos:
Da produção artística dos alienados: histórias de teorias e práticas do alienismo brasileiro, 1852-1902, artigo de Cristiana Facchinetti (História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v. 29, supl., dez/2022)
Histórias transculturais de psicoterapias: novas narrativas, suplemento da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v. 29, dez/2022)
Leia no Blog de HCS-Manguinhos:
O Hospício da Praia Vermelha do Império à República
Conversamos com Ana Teresa A. Venancio sobre a obra que organizou com Allister Teixeira Dias, reunindo pesquisas recentes sobre o Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, de 1852 a 1944