Agosto/2014
Max Altman | Opera Mundi
Alessandro, Conde Cagliostro, viajante, ocultista, alquimista, curandeiro, hipnotizador e maçom do século 18, morre em Roma em 28 de agosto de 1795, aos 52 anos. Obrigado a apresentar-se com roupas de penitente ante a igreja de Santa Maria e abjurar todos os seus erros, não foi perdoado. Encerrado na fortaleza de São Leão em Urbino, acabou sendo estrangulado em sua cela.
O aventureiro Cagliostro esteve implicado no Caso do Colar da Rainha Maria Antonieta – em 25 de janeiro de 1785, dois joalheiros parisienses enviam um suntuoso colar de diamantes ao príncipe-cardeal de Rohan, o que motivou sua reclusão na Bastilha e posterior expulsão da França. Era o começo de um inacreditável assunto que iria respingar na família real. Condenado pela Inquisição como herético e mágico, morreu na prisão. Foi descrito pelo escritor Alexandre Dumas, em Memórias de um Médico, sob o nome de Joseph Balsamo.
Um breve percurso pela vida desse homem, também conhecido como Conde Félix, Marquês de Pellegrini, príncipe de Trapenzut, etc., mostra-o inteligente, carismático e charlatão aventureiro, contemporâneo de Casanova, capaz de curar todo tipo de enfermidade, de, como bom alquimista, transmutar metais em ouro e até de fazer-se invisível. Suas primeiras malfeitorias tiveram como local sua cidade natal, onde se apresentava como hábil falsificador. Quando suas andanças começaram a ganhar certa notoriedade se viu forçado a emigrar para o Egito, junto com seu primeiro mentor, um obscuro alquimista conhecido como Mestre Altothas. Era no Egito onde se deva a Grande Gnosis, a transmissão espiritual do sacerdócio egípcio. Anos mais tarde, em 1776, se proclamaria fundador da Seita Maçônica Egípcia.
Contrai matrimônio aos 25 anos com Lorenzana Feliciani, que à época contava 15, filha de um modesto artesão de Roma e, ao que parecia, iniciada na prostituição. Com os anos, passa a travar relação e amizade com o autêntico rei dos impostores e charlatães, o conde de Saint-Germain, de quem herda a fórmula do ‘elixir da eterna juventude’ com o qual se podia viver 2 mil anos. Num panfleto seu intitulado Segredo da Regeneração ou Perfeição Física, recomendava retirar-se para o campo, manter a dieta durante um mês e ingerir as correspondentes doses do elixir. Uma vez superados episódios febris, de delírio, alopecia e periodontite devia-se tomar um bom banho quente. Dessa forma, o sujeito se veria rejuvenescido em 50 anos.
Entre suas muitas e curiosas trapaças, conta-se que querendo emular a Leonardo Da Vinci e seus animais mitológicos, porém sem possuir os conhecimentos de anatomia do grande gênio toscano, tenta criar o seu próprio. Um ser com cabeça de galinha, corpo de cão, rabo de cabra e patas de bezerro. Na realidade, tratava-se da encomenda de um excêntrico aristocrata polonês a quem havia convencido ser muito capaz de criar um diabo que estaria a seu serviço. O ardiloso Cagliostro havia recebido como pagamento adiantado uma substancial soma de ouro pelo seu trabalho. A encomenda, como não podia ser de outra forma, fracassou e o ouro, igualmente se evaporou em joias e outros objetos próprios do nível de vida de um conde. Foi obrigado, no entanto, a outra vez emigrar para escapar das vistas do irritado aristocrata.
A identificação de Cagliostro com Giuseppe Balsamo não é de todo segura, já que se baseaou principalmente no testemunho não fidedigno de Theveneau de Morande, espião francês e chantagista, e, mais tarde, em sua confissão perante a Inquisição, obtida por meio de tortura.
Sustentava ter nascido numa família cristã e berço nobre e que fora abandonado em Malta. Também assegurava que ainda criança viajou a Medina, Meca e Cairo e que, ao regressar a Malta, foi iniciado na Soberana Ordem Militar dos Guerreiros de Malta, onde estudou alquimia, cabala e magia.
Fundou o Rito Egípcio da Francomaçonaria em Haia, onde iniciava homens e mulheres em lojas separadas e teve influência na fundação do Rito Maçônico de Misraim. Fundou uma loja em Roma, à qual pertenceram pessoas importantes. Todavia, um traidor, um capuchinho chamado Francesco de San Maurizio, quem era espião e agente do Santo Ofício, o delatou e ofereceu as provas, verdadeiras ou falsas, que permitiram sua prisão e tortura no Castelo de Santangelo. Levado a juízo, foi acusado, entre outras coisas por um depoimento arrancado à base de tortura em sua esposa, que adorava o diabo e que blasfemava do nome do Senhor.
Giuseppe Balsamo soube mover-se entre os poderosos como peixe n’água numa época, a do Iluminismo, em que a paixão pela intriga, o culto ao desconhecido, o surgimento de numerosas seitas maçônicas e o patrocínio que lhes outorgavam monarcas e nobres em favor da busca da pedra filosofal eram terreno fértil para que esse tipo de aventureiros e charlatães fizeram um bom negócio às custas da medicina, da alquimia, da parapsicologia e do ocultismo.
Fonte: Opera Mundi
Leia em HCSM
– Livro aponta interseção entre a história da medicina e a Inquisição em Portugal, entrevista com Timothy Walker
– O papel e as práticas dos curandeiros e saludadores na sociedade portuguesa no início da idade moderna, artigo de Timothy Walker
– Pai Manoel, o curandeiro africano, e a medicina no Pernambuco imperial, artigo de Rosilene Gomes Farias
– Barbeiros-sangradores e curandeiros no Brasil (1808-28), artigo de Tânia Salgado Pimenta