Medicina tropical nos séculos XIX e XX

Julho/2014

CAPA_final_21

Caros leitores,

Em abril de 2012, teve lugar em Lisboa, no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, o primeiro Encontro Luso-Brasileiro de História da Medicina Tropical, com o subtítulo: “A medicina tropical nos espaços nacionais, coloniais e pós-coloniais (séculos XIX-XX)”. O encontro integrou as comemorações do 110º aniversário de fundação da Escola de Medicina Tropical de Lisboa, antecessora do atual Instituto de Higiene e Medicina Tropical, comemorando-se também, na mesma ocasião, o 60º aniversário do primeiro Congresso Nacional de Medicina Tropical, realizado na capital portuguesa em 1952.

Aquele primeiro encontro de investigadores brasileiros e portugueses dedicados ao estudo da história da medicina tropical, ou de temas correlatos, foi organizado com o decisivo apoio de Paulo Ferrinho e Zulmira Hartz, diretor e vice-diretora do instituto lisboeta, e a importante participação de Isabel Amaral, do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Nova de Lisboa.

Nas diversas mesas apresentadas ao longo de quatro dias, foram abordados os temas a seguir. “Trópicos e medicina” debatia os significados atribuídos à medicina tropical como objeto de estudo; as representações construídas em diferentes contextos históricos e formações sociais a respeito da categoria “trópico”; e as reflexões ou controvérsias que a ideia de “tropicalidade” suscitara no pensamento sobre as sociedades e nações luso-afro-ásio-brasileiras. “Saberes e práticas médicas: histórias e tradições plurais” tinha em mira a reflexão sobre as formas como os conhecimentos e as técnicas da medicina tropical foram aplicados no combate a doenças em territórios nacionais e coloniais, em diferentes contextos históricos. Seriam aí também contempladas as relações de domínio, exclusão ou permeabilidade com medicinas nativas e saberes tradicionais, assim como as artes de curar e as estruturas de assistência implementadas no contexto luso-afro-ásio-brasileiro. O terceiro eixo de discussões do primeiro Encontro Luso-Brasileiro de História da Medicina Tropical foi “Tráfico de escravos, fluxos migratórios e circulação de doenças” entre Portugal, Brasil, África e Ásia nos séculos XIX e XX. “Atores, doenças e instituições” enfeixava comunicações sobre trajetórias e inter-relações de instituições e outros atores vinculados às áreas de medicina tropical, microbiologia e saúde pública nos contextos referidos acima. Nas mesas alinhadas a esse tema, foram incluídos trabalhos que diziam respeito a expedições científicas e programas de investigação no âmbito das ciências biológicas e biomédicas visando ao controle de doenças incidentes em suas diferentes zonas geográficas. Por último, o encontro debateu “Políticas internacionais de saúde”, histórias comparativas, trajetórias e inter-relações de instituições e outros atores vinculados a ações globais em medicina tropical, microbiologia e saúde pública nos países lusófonos.

Tais temas foram desigualmente cobertos pelos trabalhos apresentados, e menos da metade chegou efetivamente às páginas da atual edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhossabendo-se que alguns foram veiculados em outras edições da revista, e que a presente edição traz trabalhos que não fizeram parte do encontro, tendo porém afinidade com a temática do dossiê “Medicina no contexto luso-afro-brasileiro”.

Antes de chegar a ele, os leitores encontrarão seis instigantes artigos submetidos de forma espontânea sobre temas variados: as representações sociais do mundo rural na Europa e em outras regiões; um panorama das antropologias médica, do sofrimento e do biopoder nos EUA e na Europa; relacionados à Argentina, dois trabalhos: modos de pensar o esporte destinado a deficientes físicos nos anos 1950 e 1960, e câncer como objeto científico e problema sanitário no começo do século XX; um artigo discute as extensões possíveis do darwinismo ao âmbito da cultura e outro, disponível no portal Scielo desde janeiro, traz à edição em papel o estudo sobre as redes sociotécnicas subjacentes à Liga de Acupuntura da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Esta edição de HCS-Manguinhos traz ainda a coligação de duas resenhas e uma entrevista que têm relação com Ernesto Laclau, teórico argentino recém-falecido que inovou os estudos sobre a teoria do discurso, tendo publicado A razão populista, um dos livros aqui resenhados. A entrevista é com Chantal Mouffe, companheira de Laclau e, como ele, autora de importantes contribuições ao uso da teoria do discurso nas democracias contemporâneas. O segundo livro resenhado é O lugar da diferença no currículo de educação em direitos humanos, de Aura Helena Ramos, educadora que faz uso desse referencial teórico em seu estudo sobre o lugar da diferença na educação em direitos humanos, e que participa da entrevista feita com Mouffe.

Termino esta carta com uma dupla homenagem: a Ruth Barbosa Martins, fundadora e por longo tempo editora desta revista, jornalista competentíssima, amiga do coração, que se aposenta deixando um rastro luminoso de realizações e amizades; e Isnar Francisco de Paula, que secretariou a revista desde as origens, com seu jeito suave e eficiente. Aposentadas, bem longe agora da “ralação” cotidiana, Isnar, Ruth e outra companheira querida, Ângela Pôrto, muito brejeiras, acenam para veteranos, como o autor destas linhas, com a tentadora promessa de gozarmos também do justo e merecido direito à preguiça.

Jaime L. Benchimol
Editor científico

Veja o sumário desta edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhos (vol.21, no.2, abr./jun. 2014)