Julho/2014
Vera Rita da Costa | Ciência Hoje
Há 80 anos, mais precisamente em 4 de julho de 1934, morria Madame Curie – uma das personalidades mais conhecidas e admiradas na história da ciência. Pouco se conhece e se divulga, no entanto, a ligação que tinha a cientista com a educação em ciência e, principalmente, o valor que dava a ela.
Maria Salomee Sklodowska, mais tarde Marie Curie, nasceu em 1867 em Varsóvia, Polônia, em um ambiente familiar rico em cultura e educação. Marie era filha de professores conhecidos em Varsóvia. Sua mãe, Bronsilawa Boguska, era professora primária e dava aulas de piano e canto, mas morreu jovem, quando Marie Curie tinha apenas 10 anos. Seu pai, Władysław Skłodowski (1832-1902), era um admirado professor secundário de física e matemática, influente politicamente entre os estudantes, em um período de resistência à dominação russa sobre a Polônia.
O pai foi a principal influência de Marie Curie e o desencadeador de sua paixão pela ciência. Conta-se que, embora tenha sido sempre excelente aluna e primeira colocada em todas as matérias, o contato mais íntimo de Marie com a ciência, em especial com a ciência experimental – em que se mostrou tão competente no futuro –, se deu em casa e por um golpe negativo do destino.
Proibido de ensinar ciência experimental pelas autoridades russas (a Polônia na segunda metade do século 19 estava sob domínio russo), Władysław Skłodowski transferiu os instrumentos de seu laboratório de ensino de física para casa, onde passou a enriquecer a cultura da filha também nesse aspecto, estimulando-a ainda jovem na atitude científica essencial: buscar conhecimento por meio da experimentação.
Outro aspecto interessante e pouco apresentado da biografia de Marie Curie, que diz respeito diretamente à educação, é o fato de ela, desde muito cedo, ter se dedicado ao ensino.
Em 1885, aos 18 anos – muito antes, portanto, de suas conquistas acadêmicas –, Marie Curie driblou as dificuldades financeiras vividas pela família, tornando-se professora particular (preceptora) de filhos de famílias ricas na Polônia.
Marie arriscou-se politicamente, ao manter uma sala de aula improvisada e ensinar a língua e a cultura polonesas, proibidas pelas autoridades russas, a crianças e jovens camponeses
Nessa oportunidade, arriscou-se politicamente, ao manter uma sala de aula improvisada e ensinar a língua e a cultura polonesas, proibidas pelas autoridades russas, a crianças e jovens camponeses. Também se envolveu, juntamente com sua irmã Bronislawa Sklodowska (1865-1939), com a ‘Universidade Volante’, uma escola noturna informal e ilegal criada para estudantes poloneses, principalmente mulheres, impedidos de seguir cursos regulares por restrições das autoridades russas.
Aliás, foi também por conta da proibição de as mulheres frequentarem universidades que Marie Curie mudou-se para a França, para satisfazer seu desejo de se aprofundar nos estudos.
Mais tarde, já aos 33 anos e enfronhada na pesquisa científica, Marie Curie tornou-se novamente professora, dessa vez na Escola Secundária de Sévres, onde era comum professores oriundos da Universidade de Sorbonne e do Collége de France darem aulas, embora fosse raríssimo encontrar docentes mulheres.
Marie Curie foi a primeira mulher a participar do corpo docente da Sorbonne e, segundo consta dos relatos de suas ex-alunas, inovou no ensino de física ao ampliar o tempo de suas aulas, produzir seu próprio material de ensino, levar suas alunas para conhecer laboratórios de pesquisa, inclusive aquele onde ela trabalhava com o primeiro marido, o físico Pierre Curie (1859-1906), e pôr as meninas em contato direto com equipamentos e experimentos – atividade antes restrita aos rapazes.
Despertar vocações
Mas de todas as experiências pedagógicas de Marie Curie, há uma que, embora não seja com frequência mencionada em suas biografias, deveria ser mais destacada e enaltecida. Trata-se da cooperativa de ensino, criada por iniciativa dela e de um grupo de amigos e destinada a aprofundar os conhecimentos culturais e ensinar ciência, sob uma perspectiva experimental, aos próprios filhos.
A ideia, como foi mais tarde relatada pela própria filha de Marie, Irene Joliot-Curie (1897-1956), era despertar vocações científicas, mas fazê-lo fugindo da, já tradicional na época, apresentação teórica da ciência.
Na Cooperativa, como era chamada a escola informal por alunos e professores, as próprias crianças realizavam as experiências, orientadas e estimuladas pelos professores – e os professores, nesse caso, não poderiam ser melhores. Entre eles estavam, além de Marie e Pierre Curie, os físicos Jean Baptiste Perrin (1870-1942) e Paul Langevin (1872-1946).
Também participaram da iniciativa, como professores de francês, literatura ou história, Marie Henriette Mouton, Henriette Perrin e Alice Chavannes, além do escultor Jean Magrou (1869-1936), que se encarregava das aulas de desenho e modelagem.
A biografia de Marie Curie é fascinante e deveria ser ainda mais conhecida em seus muitos e variados aspectos por todo aquele que é professor ou interessado em ciência. Também deveria ser mais explorada com os alunos.
A parte árdua, romântica e dramática da história – aquela que envolve a descoberta do elemento rádio, o casamento e a colaboração científica com Pierre Curie, assim como a sua morte trágica – pode ser conhecida no clássico filme hollywoodiano Madame Curie. A produção é de 1943, baseou-se na biografia escrita por sua filha Ève Curie (1904-2007) e tem como atores principais Greer Garson (Marie) e Walter Pidgeon (Pierre). Dirigida por Paul Osborn e Paul Rameau, contou também com o auxílio do escritor Aldous Huxley (1894-1963), o que certamente contribuiu para a veracidade e qualidade do filme.
Mas se o interesse pela obra de Marie Curie for pedagógico ou didático, há outra dica interessante. Vale, nesse caso, ler Aulas de Marie Curie, coletânea das aulas de física dadas por Marie às crianças da Cooperativa, anotadas e comentadas, em 1907, por Isabelle Chavannes, uma das alunas na oportunidade.
As aulas de Madame Curie abordam questões essenciais da física. Nelas, por exemplo, as crianças são instigadas a distinguir o vácuo do ar; a descobrir que o ar pesa sobre os ombros; a compreender como a água chega à torneira ou, ainda, a descobrir como fazer flutuar os barcos.
Isabelle Chavannes tinha apenas 13 anos quando participou da Cooperativa. Era uma das crianças mais velhas da turma e tornou-se mais tarde engenheira química do grupo industrial francês Ugine Kuhlmann. Graças a suas detalhadas anotações, podemos hoje perceber qual o método usado por Marie Curie para despertar a curiosidade e fazer as crianças estudarem.
Da leitura das anotações de Isabelle, depreende-se que, de modo geral, nada era oferecido por Madame Curie às crianças ‘de bandeja’. O que de fato ela fazia era relativamente simples: instigava, encorajava e orientava as crianças a pensar e a experimentar.
Leia também
A educadora Marie Curie: uma perspectiva diferenciada dessa cientista, de Ingrid Nunes Derossi e Ivoni Freitas-Reis. XVI Encontro Nacional de Ensino de Química (XVI ENEQ) e X Encontro de Educação Química da Bahia (X EDUQUI) Salvador, BA, Brasil – 17 a 20 de julho de 2012.
A família Curie, de José Maria Bassalo. Curiosidades da Física. Seara da ciência/ UFCE.
Vera Rita da Costa (Ciência Hoje/ SP)
Fonte: Ciência Hoje
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