Os reis dos mares

Novembro/2013

Neldson Marcolin | Pesquisa Fapesp

Representação de 12 das 13 naus da armada de Pedro Álvares Cabral, que consta no Livro das armadas da Índia (1665)
As navegações da época dos descobrimentos, nos séculos XV e XVI, dependiam basicamente de conhecimentos astronômicos. Estes, por sua vez, eram fundados na matemática. Quando portugueses e espanhóis iniciaram a era das grandes conquistas, a matemática mais avançada não havia chegado aos reinos da península Ibérica. O que eles praticavam era baseado na aritmética, na geometria e na astronomia da Antiguidade.

A matemática começava a tomar novos rumos, especialmente na Inglaterra com os monges filósofos como Roger Bacon, Thomas Bradwardine, Guilherme de Ockham e com os estudos realizados no Merton College, escola que deu origem à Universidade de Oxford. De acordo com a historiografia do período, esse desenvolvimento ocorreu a partir de 1096 graças ao contato com a cultura muçulmana ocasionado pelas Cruzadas, o nome pelo qual as guerras de reconquista cristã contra os mouros ficaram conhecidas. Os muçulmanos haviam preservado e estudado o legado grego ao mesmo tempo que incorporaram elementos da cultura hindu.

Nos séculos XV e XVI, a astronomia usada pelos navegantes portugueses ainda tinha como base o sistema planetário criado por Ptolomeu, descrito no livro Almagesto(século II), e o trabalho de cosmografia Tratado da esfera (século XIII), do monge John de Sacrobosco, segundo o matemático Ubiratan D’Ambrosio, estudioso da história da matemática e hoje professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ambos, Ptolomeu e Sacrobosco, estavam superados se comparados ao que os ingleses já haviam escrito sobre o estudo dos movimentos.
wTratado da esfera (século XIII), de Sacrobosco, livro importante para os navegantes portugueses
A lista de conquistas é impressionante: Ceuta foi dominada em 1415, Gil Eanes superou o cabo Bojador em 1434, Bartolomeu Dias dobrou o cabo da Boa Esperança em 1488, Vasco da Gama abriu caminho para as Índias em 1499, Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil em 1500 e Fernão de Magalhães encontrou a passagem para o oceano Pacífico em 1520. Sem contar o desembarque na América do genovês Cristóvão Colombo a serviço da Espanha em 1492.
Como tantos triunfos podem ter ocorrido mesmo com um conhecimento matemático menos avançado do que o existente no restante da Europa? “Entre os navegantes alguns conheciam astronomia prática, outros sabiam fazer cálculos e havia os que estudaram cartografia”, explica D’Ambrosio. “Mesmo rudimentar, esse conhecimento se acumulou e se organizou em Portugal e ajudou nas navegações.”
Réplicas dos navios Pinta, Nina e Santa Maria, de Colombo, em foto de 1893, nos Estados Unidos

Apesar do raro intercâmbio com outros reinos, Portugal atraía personalidades que se tornaram importantes. Em 1475, Colombo encontrou em Lisboa seu irmão, o cartógrafo Bartolomeu Colombo, que vivia lá. O alemão Martin Behaím, de Nuremberg, foi à região em 1480 e introduziu a trigonometria no país. Ao voltar para sua cidade em 1492, Behaím apresentou o Erdapfel, o primeiro globo terrestre conhecido.

Para D’Ambrosio, o relativo isolamento de Portugal dos conhecimentos que circulavam na Europa se explica pelo fato de o país ter se fechado depois de expulsar os invasores mouros no século XIII. “A abertura para as informações técnicas e científicas já disponíveis só ocorreu com a grande reforma na Universidade de Coimbra, em 1772”, diz ele.

Crédito das imagens:
1) Representação de 12 das 13 naus da armada de Pedro Álvares Cabral, que consta no Livro das armadas da Índia (1665). © Livro das armadas das Índia (1665).
2) Tratado da esfera (século XIII), de Sacrobosco, livro importante para os navegantes portugueses. © Mario Taddei Ancient Books Collection.
3) Réplicas dos navios Pinta, Nina e Santa Maria, de Colombo, em foto de 1893, nos Estados Unidos. © History of the USA by Benjamin Andrews.

Fonte:  Pesquisa Fapesp

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