Outubro/2013
Juliana Prado | USP Online De 23 a 25 de outubro, acontece na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin o primeiro Seminário Internacional em Humanidades Digitais no Brasil, uma realização do grupo de pesquisa sobre o tema organizado pela Biblioteca. O seminário pretende dar corpo, no país, às discussões que permeiam as chamadas ‘Humanidades Digitais’, tarefa para a qual foram convidados pesquisadores nacionais e estrangeiros, que vão fomentar diálogos acerca do novo termo, inclusive trazendo um histórico do campo e um mapeamento internacional da sua abrangência. Liderado pela professora Maria Clara Paixão e Souza, o grupo que organiza o evento é consciente de que, apesar de muitos núcleos nacionais não se classificarem enquanto grupos de ‘humanidades digitais’, não quer dizer que no Brasil não existam muitos e bons projetos de pesquisa em universidade que fazem exatamente isso. “Pode ser um historiador que trabalha com mapas antigos e que para fazer isso usa uma tecnologia altamente sofisticada, de georreferenciamento, com indexação dos lugares dos mapas; ou um linguista que trabalha com um conjunto de textos eletrônicos, com análise automática de estruturas linguísticas, ou com a construção de inúmeras bibliotecas digitais como temos no Brasil”, exemplifica Maria Clara. Zeros e uns: desafios A partir da década de 1990, com o boom da internet, bases de dados deixaram de ser exclusividade de determinados grupos por questões geográficas. Arquivos que antes estavam restritos a obras em bibliotecas e que, paulatinamente foram digitalizados, passaram por outra fase, a do compartilhamento. Nesse contexto, surgem as Humanidades Digitais, termo que abriga projetos e reflexões sobre a relação entre as disciplinas tradicionais das humanidades e as tecnologias digitais. Devido à pouca idade do termo, porém, ele não conseguiu ainda se classificar como campo de estudos ou como nova disciplina. A necessidade de se criar um nome em torno dessas relações surgiu no momento em que os pesquisadores perceberam que as tecnologias computacionais trazem mudanças para o trabalho das disciplinas das humanidades, com inúmeros benefícios, mas também inúmeros desafios. Este é o caso da utilização do texto digital como fonte principal para muitas pesquisas – um pesquisador pode perfeitamente acessar o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal, sem ter que ir a Portugal. As vantagens são inúmeras, porém as dificuldades também se colocam, uma vez que na formação do humanista é apreendido o modo como arquivos e informações de um banco de dados tradicional funcionam, com uma indexação padronizada, largamente discutida, e que, entretanto, não é, necessariamente, aplicada aos acervos digitais. Da parte do pesquisador que é usuário de uma biblioteca digital, essa nova realidade envolve um novo saber técnico. Porém, se a questão for extrapolada ao construtor da biblioteca digital – o cientista da informação – será necessário que ele domine o funcionamento de uma base de dados eletrônica. Assim, um problema que se coloca é o da formação, de modo a fazer com que o humanista lide com a tecnologia, sem, entretanto, estar subordinado a ela. E que, para além dos aspectos técnicos, saiba realizar uma crítica social responsável aos grandes investimentos em tecnologia e seus interesses intrínsecos. Ainda, todos os projetos que envolvem humanidades digitais têm em comum o fato de serem multidisciplinares, o que demanda uma nova elaboração de técnicas de trabalho e um novo conhecimento. “É do reconhecimento do desafio que esse tipo de trabalho trouxe, que surge o campo das humanidades digitais, de maneira que vamos ter, já nos anos 1970 algumas reuniões, congressos científicos e associações que vão ser montadas, ainda que não com o nome de Humanidades Digitais”, sintetiza Maria Clara Paixão e Souza. Projetos Em atividade desde 2009, o Grupo de Pesquisa em Humanidades Digitais foi edificado junto com a Biblioteca Brasiliana. O responsável pela iniciativa foi István Jancsó, que era professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), e também o fundador do projeto Brasiliana na USP. O desejo de Jancsó, segundo Maria Clara, era de que as duas coisas caminhassem juntas – a construção do prédio e a construção de uma contrapartida eletrônica para a biblioteca. “Muito preocupado com a qualidade, ele sempre fez questão de que toda obra que fosse ao ar na Biblioteca tivesse uma resenha de um especialista”, relembra a coordenadora do Grupo. Compõem a equipe, além da professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH, professores de diferentes unidades, bem como professores de outras universidades.Para ilustrar um dos projetos do grupo, Maria Clara explica que a digitalização das obras permite que sejam realizadas leituras e mesmo buscas de palavras nos textos, mas com ressalvas: “eles são digitalizados de tal forma que passam pela etapa de processamento automático de caracteres – uma leitura por um programa – que transforma uma imagem em um texto. Isso funciona muito bem num texto do século 20, um pouco pior em um do século 19 e de forma extremamente precária em um texto do século 16 e 17, porque a tipografia é outra, a ortografia é outra e, na verdade, a língua é outra.” Desse modo, os resultados não se mostraram satisfatórios e a professora sugeriu, então, o trabalho com alunos do curso de Letras, buscando melhorar esse reconhecimento nos textos mais antigos.
Assim, por vários caminhos, inclusive treinando um software de reconhecimento de caracteres para que os reconhecesse melhor, chegou-se a um limite de aprimoramento, o que fez com que o grupo retornasse à edição dos textos, com edições filológicas, fazendo com que os alunos que se deparam com o texto digitalizado tenham que, caractere por caractere, compará-lo com o original. “Não só isso, nós também fazemos um trabalho de interpretação de um texto mais antigo para um leitor que não esteja acostumado”, acrescenta, ao explicar que, em textos clássicos portugueses, há muitas palavras abreviadas, que são explicitadas e há alguns caracteres em desuso, como um “s”, que tem uma forma muito diferente, que é o “s” longo. Então, fazendo um texto que o leitor não especializado na leitura daquela época possa ler. “Porque nós acreditamos que isso tem, em primeiro lugar, uma função de extroversão do acervo”, defende a professora.
Foi desse modo que muitos dos estudos do grupo foram se desenvolvendo e que, aos poucos, foram surgindo outros projetos, voltados para línguas estrangeiras ou para obras de referência. Todos, porém, ligados ao acervo e produzidos na própria biblioteca – a maioria envolvendo problemas de texto e de processamento.
Serviço
O primeiro Seminário Internacional em Humanidades Digitais no Brasil acontece de 23 a 25 de outubro no Auditório István Jancsó da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (Rua da Biblioteca, s/n, Cidade Universitária, São Paulo). As inscrições são gratuitas e podem ser feitas online.
O site do evento traz a programação completa.
Fonte: USP Online
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