Outubro/2013
Para entrar na Academia Real Militar do Rio bastava ser alfabetizado e saber fazer as quatro operações. Originalmente, seu curso de engenharia tinha sete anos de duração, com forte ênfase na matemática. Incorporava o ensino de química, mineralogia e história natural, o que não ocorria nos currículos de cursos semelhantes em Portugal – Rodrigo Coutinho sabia ser premente a necessidade de se estabelecer uma política de exploração dos recursos naturais em Portugal e no Brasil. As aulas começaram na Casa do Trem — hoje parte do Museu Histórico Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) — e, a partir de 1812, passaram a ser ministradas nas instalações inacabadas destinadas à catedral da cidade no largo de São Francisco de Paula. Atualmente o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ ocupa o prédio.
O astrônomo, tradutor e professor Manoel Ferreira de Araújo Guimarães publicou o seu Elementos de Astronomia para uso dos alunos da Academia Real Militar em 1814. O manual trazia uma compilação da tradução de ensinamentos clássicos de astronomia e fornecia um curso didático de astronomia esférica (ou de posição), um ramo da astronomia que diz respeito às direções em que os astros são vistos, sem levar em conta a distância. Essas observações permitem determinar as coordenadas geográficas dos pontos de observação da Terra e eram vitais para a cartografia e náutica. Com o manual, Guimarães preparava os alunos para trabalhos em missões militares ou civis.
Apesar do empenho dos professores, eram poucos os alunos que se dispunham a cursar os sete anos de engenharia. “Pelo menos nos seus primeiros 15 anos a academia formou pouquíssimos engenheiros em relação aos que se matrícularam”, diz Rogério Monteiro de Siqueira, do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da EACH, especialista em história da matemática.
O ideário ilustrado no campo educacional e o movimento geral de valorização do ensino técnico, iniciado por Pombal com a reforma da Universidade de Coimbra, em 1772, havia sido levado por Rodrigo Coutinho para o Brasil, mas já era tarde para Portugal. “Em 1822, com a Independência, o império português começou a se esfacelar. E a academia acabou por se transformar em algo diferente do que foi idealizado por dom Rodrigo, o herdeiro político de Pombal”, fala Thomás Haddad.
“A academia sofreu 11 reformas curriculares até meados dos anos 1870 e durante sua existência havia uma discussão sobre como deveria ser a educação dos alunos, divididos entre a formação científica e a militar”, conta Siqueira. Em 1874 houve a última reforma e ocorreu a separação definitiva da academia em duas escolas, a militar e a civil. Foi quando surgiu a Escola Politécnica, que atendia apenas alunos civis.
Imagens:
1. Prédio onde funcionava a academia, no largo de São Francisco de Paula, na litografia de Bertichem, de 1856. © Reprodução de Escola Politécnica do Largo do São Francisco – Berço da Eengenharia Brasileira / Bibliteca da FAU/USP.
2. Capa do manual de Araújo Guimarães. © Brown University.
3. Desenhos feitos por ele para o curso de astronomia esférica. © Brown University.
Fonte: Revista Pesquisa Fapesp (Ed. 211 – set. 2013)
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