A relação entre a Guerra Fria e o combate à malária no México é o tema do livro que o historiador peruano Marcos Cueto, editor de História, Ciências, Saúde – Manguinhos, acaba de lançar no México. Publicado pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), La salud internacional y la Guerra Fría – Erradicación de la malaria en México, 1956-1971 é uma versão ampliada de um livro publicado em inglês pela editora Johns Hopkins University Press. Cueto conversou com o blog de HCSM.
Qual a relação entre a Guerra Fria e o combate à malária no México?
Na virada do século XX, o termo medicina tropical foi hegemônico para denominar a medicina que os países europeus imperialistas utilizavam na África e Ásia com os objetivos de proteger seus colonizadores, incrementar a capacidade produtiva dos trabalhadores locais das economias de exportação de matérias primas e para descobrir novos fatos para as ciências. Acredito que assim como a medicina tropical foi uma ferramenta do imperialismo europeu na primeira metade do século XX, o termo e o conceito de saúde internacional, apoiado pelas novas agências de saúde mundial como a Organização Mundial de Saúde e as políticas de relações exteriores dos Estados Unidos, foi uma ferramenta da Guerra Fria. Foi parte de uma luta pela supremacia, econômica, militar e científica entre os Estados Unidos e a União Soviética, briga em que participaram países latino-americanos como o México.
O que o motivou a escrever sobre o tema?
Meus interesses principais eram examinar a saúde internacional na segunda metade do século XX, porque a maioria dos estudos históricos recentes tiveram como foco a primeira metade do século XX. Além disso, me interessa analisar os processos de recepção, negociação e adaptação de um programa no México nas dimensões internacionais, governamentais e municipais, populares. Finalmente, eu queria contrastar as diferenças entre o controle e a erradicação, dois conceitos cruciais na saúde pública no âmbito rural. A malária é uma doença sobretudo rural.
A malária foi mesmo erradicada neste período?
Quase. Existia a expectativa em 1955 de que em cinco a oito anos seria erradicada. Mas o objetivo sempre foi adiado. Nunca se conseguiu que fosse eliminada das áreas mais pobres e indígenas do México, como o Sul do país. Mas sim do Centro, do Norte e das cidades. Sem dúvida os casos de malária diminuíram na década de 1960, mas por diversos fatores, entre eles a resistência dos mosquitos aos inseticidas, a crise econômica que precarizou os serviços de saúde rural e a falta de apoio político, mas não se eliminou a malária. Ela voltou com força na década dos oitenta e atualmente é considerada pela OMS, junto com tuberculose e Aids, as três doenças infecciosas mas difundidas no mundo. Alguns especialistas falam de 300 milhões de casos de malária hoje, na America Latina, concentrados na Amazônia.
O que esta experiência ensina?
Existiu um exagero no uso e uma confiança não sustentada na tecnologia médica, especialmente no inseticida DDT. Ele foi considerado como uma ferramenta que rapidamente iria a resolver o assunto. Não se deu suficente importância aos fatores culturais e educativos do programa sanitário. Além disso, não se deu ênfase ao treinamento dos recursos humanos e tampouco a programas integrais de saúde. Se acreditava que um bom ministério de saúde era uma instituição com programas verticais, autônomos, organizados de acordo com as principais doenças, como malária, febre amarela etc, e que não era necessária a coordenação entre eles.
E-mail de contato: libriih@unam.mx
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